Graças a Deus

“Graças a Deus”- “Grâce à Dieu”, França, Bélgica, 2018

Direção: François Ozon

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Premiado com o Urso de Prata, o Grande Prêmio do Júri no Festival de Berlim 2019, o diretor e roteirista François Ozon, 51 anos, de filmes sempre interessantes, como “Dentro de Casa” 2012, “Jovem e Bela” 2013, “O Amante Duplo” 2017, faz aqui um quase documentário dramático sobre um fato recente acontecido em Lyon, França.

Causou escândalo por se tratar do caso de um padre pedófilo, Bernard Preynat (Bernard Valey), que assediou mais de 70 crianças, quando chefiava o grupo de escoteiros ligado à sua paróquia. Pior, quando os pais das vítimas se revoltaram contra a conduta do padre Bernard, o Cardeal Barbarin tomou conhecimento do caso e não puniu o sacerdote culpado.

Através do primeiro que resolve abrir a boca para contar esse segredo da infância, Alexandre (Melvil Poupaud), 40 anos, pai de família com cinco filhos, católico praticante, toda uma série de vítimas do mesmo padre resolve também se juntar numa associação, a Palavra Livre.

Mas demorou para isso acontecer porque Alexandre queria que o padre Bernard fosse punido pela própria Igreja. Quando percebeu que suas cartas ao Cardeal Barbarin não tiveram nenhuma repercussão mais séria, sendo que esse padre continuava a exercer o ministério sacerdotal rezando missas, resolve mudar de atitude e apelar para a justiça dos homens.

São três as vítimas sobre as quais a câmera de Ozon se debruça: Alexandre, François e Gilles. Quando aparece Emmanuel (Swann Arlaud), um dos que mais sofreu com as sequelas do assédio do padre, podemos avaliar com mais precisão as consequências desse acontecimento para um homem que nunca conseguiu levar uma vida normal, apresentando distúrbio psiquiátricos graves.

O caso de pedofilia envolvendo meninos pequenos vai mexer no futuro com a culpa, que martiriza a consciência moral desses homens. Pelo menos dois deles assumiram abertamente que, quando crianças, sentiam orgulho de serem os preferidos do padre.

É também importante notar como alguns dos pais e mães se ressentem do fato dos casos envolvendo os filhos virem a público e assim envergonharem o nome da família.

A solidariedade com as vítimas de assédio, inclusive na própria família nem sempre acontece. Por isso o silêncio impera e perpetua os crimes.

O título do filme vem de uma frase do Cardeal Barbarin, numa entrevista à imprensa, quando ocorre um ato falho e ele diz:

“- Graças a Deus a maioria desses casos está prescrito.”

O filme é necessário para a tomada de consciência da população e não se coloca contra a Igreja Católica mas contra a falta de punição dentro da própria Igreja.

Aliás o Papa Francisco não faz segredo de que é da opinião que esses padres criminosos, por assédio ou outros crimes, devem ser julgados também pela justiça comum e de maneira nenhuma devem ser acobertados.

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A Árvore dos Frutos Selvagens

“A Árvore dos Frutos Selvagens”- “Ahlat Agaci”,Turquia, França, Alemanha, Bulgária, 2018

Direção: Nuri Bilge Ceylan

Recém chegado em sua aldeia natal, formado professor, a profissão de seus pais, Sinan (Aydin Dogu Demivkol) recebe más notícias. O pai dele deve dinheiro e não pagou. O homem diz que até aceitaria o cão de caça dele para saldar a dívida, mas não houve acordo. Idris (Murat Cemcir) é viciado em apostas e pelo jeito só piorou, pensa o filho aborrecido. Tudo continua igual.

Mas a preocupação maior de Sinan é arranjar dinheiro para publicar o livro que escreveu. Visita alguns possíveis patrocinadores, mas percebemos que Sinan entra em discussão com essas pessoas e sai sem o dinheiro que queria.

Um encontro no campo, em meio a folhagens estremecidas pelo vento, com o sol filtrado pelas folhas verdes da árvore antiga, parece que vai amansar Sinan.

Nada feito. A bela Hatice vai se casar, apesar de sonhar com outras cidades, ruas cheias, boa comida e navios, noites de verão e paixão.:

“- Tudo está tão longe,,,”

E a moça se vai depois de um beijo mordido.

Ruptura e separação estão à espreita para destruir coisas belas, pensa Sinan.

Em casa o clima é de briga e Sinan não tem vontade de estudar. Vai prestar o exame para um concurso público mas não tem esperança de conseguir uma das disputadas vagas.

“- São 300.000 professores desempregados”, diz para o pai.

Existe uma postura de resignação pelos sonhos não realizados. A mãe de Sinan fala do pai na juventude deles, bonito e exímio com as palavras. Agora tem que cuidar do dinheiro para que ele não gaste tudo em apostas:

“- Mas eu me casaria com ele mesmo assim, se pudesse voltar ao passado e escolher novamente.”

Ouve-se um tema musical nostálgico em algumas cenas. As pessoas mais velhas ainda vivem como sempre viveram mas os jovens estão irritados e decepcionados.  A alternativa para os desempregados é a polícia ou o exército.

Um sonho de Sinan mostra ele fugindo por ruas estreitas e acabando dentro de um cavalo de Tróia. Tudo leva a um engano?

Numa visita à casa dos avós com o pai que teima em furar um poço num local tido como seco há milênios, Sinan encontra algo que vai vender para publicar seu livro. Um meta-romance responde ao escritor local que também acaba brigando com ele por causa de seu jeito arrogante.

“- Será que vão gostar do meu livro? A verdade nem sempre é popular”, diz para a mãe que recebe o primeiro exemplar, com uma dedicatória carinhosa.

“Sono de Inverno” deu a Palma de Ouro ao cineasta turco Nuri Bilge Ceylan, autor de filmes poéticos, diálogos inteligentes e  natureza belamente fotografada. Ao longo das três horas de filme, “A Árvore dos Frutos Selvagens”, título do livro do personagem principal, ele faz o público viajar para a Turquia rural e reconhecer-se nos seus personagens tão humanos.

Imperdível para cinéfilos.

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