Boas Intenções

“Boas Intenções”- “Les Bonnes Intentions”, França, 2018

Direção: Gilles Legrand

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Boas intenções justificam muita coisa. É o caso de Isabelle (Agnès Jaoui, ótima), uns quase 50 anos, que trabalha num centro social.

Um senhor idoso, cercado de outros imigrantes como ele a saúda:

“- Mon Soleil! (Meu Sol)”

Ela leva uma sacola com roupa para vestir aquelas pessoas que nada tem.

Isabelle é culta, poderia fazer outra coisa mas escolheu ser professora de francês num curso gratuito.

Ela não precisaria trabalhar. Mora num belo apartamento com o marido que conheceu durante a guerra da Bósnia com quem tem dois filhos, Zoé e Paul, 17 e 14 anos.

Parece que ela não fica muito tempo em casa e por isso o marido e os filhos a censuram. Dizem que ela dá mais atenção aos estrangeiros do que a eles. E é verdade.

Quando conhecemos sua avó, no hospital onde Isabelle vai visitá-la, compreendemos que algo dessa avó há nela, já que durante a guerra ela trabalhou na Cruz Vermelha.

Mas em Isabelle há demasia em sua dedicação aos outros, os desconhecidos. Com a própria mãe as relações não são afetuosas e ela é vista como menos merecedora de elogios que o irmão que tem sucesso em seu hotel.

Excêntrica, meio atrapalhada, muito louca?

Eu diria que ela é filha de uma mãe  problemática, que não consegue externalizar afetos e a doação exagerada de sua pessoa para desconhecidos é quase um insulto inconsciente que Isabelle faz à mãe.

Talvez exista em Isabelle uma parte “imigrante”, carente de calor, afeto, identidade. E sem se conhecer direito, Isabelle projeta essa parte mendicante, ajudando nos outros a si mesma.

Mas essas organizações internas conturbadas não dão muito certo. E Isabelle começa a perceber isso quando se compara com a alemã Elke, outra professora de francês, que trabalha no mesmo centro social:

“- É difícil conviver com você. Você faz tudo de um jeito tão melhor do que os outros!”, reclama sorrindo para a ex rival, que faz uma massagem para que Isabelle relaxe um pouco.

O fato é que o filme fala sobre esse tema tão polêmico no mundo de hoje, a imigração, de um jeito divertido, já que se propõe a ser uma comédia.

Apesar de algumas críticas mal humoradas, o filme mostra que, com boas intenções, ao menos se faz algo que tenta ser uma ajuda solidária. E com isso, Isabelle consegue a gratidão e o afeto de que tanto precisa.

Não existe aquela frase que diz que alguém pelo menos tem boas intenções?

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Sete Minutos Depois da Meia Noite

“Sete Minutos Depois da Meia Noite”- “A Monster Calls”, Estados Unidos, Espanha, 2016

Direção: J. A. Bayona

É sempre difícil crescer. Porque significa não só ficar maior em tamanho, mas aprofundar-se nos mistérios da própria natureza humana em nós mesmos.

E, quando tudo corre bem, pode ser que algo aconteça inesperadamente e, de repente, o mundo parece um lugar horrível de se viver.

Na história que o filme conta isso acontece com Connor (Lewis MacDougall, ótimo), 13 anos, que vive na Inglaterra. Ele “é velho demais para ser uma criança mas jovem demais para ser um adulto”. E vai ter que enfrentar algo que não quer aceitar.

Connor vive com a mãe (Felicity Jones), a quem é muito ligado. Vemos ele dormindo e debatendo-se com um pesadelo. Tudo desmorona e a mãe agarra sua mão para não cair no precipício… e ele acorda, sempre no mesmo momento daquele sonho recorrente.

Faz o próprio café. Entreabre a porta do quarto da mãe e ela está dormindo. Sai de casa e reparamos no jardim mal cuidado. Ele caminha para a escola ao longo do rio, perdido em seus pensamentos.

Na aula está longe, desenhando em seu caderno. O professor percebe e pergunta:

“- Você parece cansado. Tem dormido bem?”

No recreio, três meninos maiores que ele se irritam com Connor e ameaçam:

“- Você está perdido em seus sonhos. O que há de tão interessante? Meninos bonzinhos não falam?” e um deles joga ele no chão e puxa sua língua. Connor não revida. Castigo necessário para sua culpa? O que fez de tão errado?

Volta para casa e a mãe tem algo para lhe mostrar. Traz o antigo projetor do avô e preparam-se no sofá para ver um filme. É “King Kong” de 1933:

“- Por que querem matá-lo?”

“- Porque estão com medo. Não o conhecem”, responde a mãe que adormece. Connor vê a cena final quando King Kong, atingido, despenca do alto do prédio.

O título em inglês do filme é melhor do que o português: “A Visita do Monstro”. Por que é exatamente isso que acontece.

Chove muito e Connor vai até a janela de seu quarto.

Galhos secos de uma grande árvore se alongam, olhos de fogo se abrem e um gigante vem em sua direção. A voz de Liam Neeson, majestosa e assustadora, ecoa forte:

“- Eu vim pegá-lo Connor O’Maley. Por que não corre para sua mãe?”

“- Deixe-me em paz. Não tenho medo de vc.”

“- Voltarei. Vou te contar três histórias e no final você contará a quarta, a verdade que você esconde. O seu pesadelo.”

O tema do filme, difícil, é tratado de maneira envolvente e delicada. A mãe de Connor está muito doente e, embora ele a veja definhar, os dois acreditam que ela vai se curar.

A histórias que o Monstro conta, sempre às 24:07 são ilustradas com desenhos simples e belos. Todas tem uma moral, uma lição de vida para o menino.

Quando a vida real mostra seu lado duro, ele vai ter que morar com a avó (Sigourney Weaver), já que o pai que o abandonou quando era um bebê mora longe e não parece querer ficar com ele. Isso inunda Connor de raiva e vontade de destruir tudo à sua volta. Na escola fica muito agressivo. Parece que pede punição.

E, quando vem a hora, o Monstro pede que ele conte seu pesadelo.

Essa mistura de realidade com ficção torna o filme esteticamente eloquente, já que as imagens falam mais que mil discursos.

O espanhol J. A. Bayona dirige seu filme com arte e não tem medo de lidar com sentimentos de luto e culpa.

Guilhermo del Toro, o mago mexicano, é uma espécie de tutor de Bayona, que tem afinidades com o mestre de “O Labirinto do Fauno”, ao lidar com a fronteiras entre a realidade e o sonho.

Apesar de triste, “Sete Minutos Depois da Meia Noite” nos envolve também com uma lição de vida, ensinada por um Monstro que habita cada um de nós. É só escutá-lo.

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