Quem Você Pensa Que Sou?

“Quem você pensa que sou?”- “Celle que vous croyez”, França, Bélgica, 2018

Direção: Safy Nebbou

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Existe uma idade terrível na vida de uma mulher. Por mais carismática e ainda bela que ela seja, passa a ser invisível para os homens. Essa ferida narcísica é vivida com muita frustração e pode ser superada, dependendo de como ela se posicionar frente ao fato.

A história de Claire vai encenar vários aspectos desse momento tais como sentimento de rejeição, ciúmes, vontade de ser admirada, cuidada, auto destrutividade e sabotagem interna.

Ela (Juliette Binoche, sempre diva) é professora universitária e suas aulas sobre literatura são sedutoras.

Tem uns 50 anos, recém divorciada de um casamento de 20 anos e dois filhos.

Quando a vemos pela primeira vez, em close, seu belo e expressivo rosto afunda na água, causando apreensão porque mostra um conflito interno difícil de ser vivido.

Ela estava em terapia com um psicoterapeuta que adoeceu e a encaminhou para a dra Bormans (Nicole Garcia, perfeita).

De cara, Claire pede para mudar seus horários. Manipulação? Dificuldade em falar de algo em sua vida? Reclama que é tedioso ter que contar tudo de novo. Ela quer sentir em que terreno pisa?

“- Pensava que você fosse mais jovem…” diz para a terapeuta que deve ter a mesma idade que ela. A preocupação com o tema já aparece.

Com os cabelos molhados, depois do amor, ela se deita na cama com Ludo (Guillaume Gouix), fotógrafo bem mais jovem do que ela. Parece que ele não leva a sério essa relação, mas ela se agarra a ele como se fosse sua tábua de salvação.

Quando Ludo some, ela liga para ele e quem atende é Alex (François Civil), assistente e amigo dele, que o protege do assédio de Claire.

Nesse momento ela conta para a terapeuta que criou uma personagem fictícia, um avatar na rede e que tentou pedir amizade a Ludo. Rejeitada, procura entre seus amigos e descobre Alex. Dá um like em suas fotos e, assim, começa algo que mais tarde irá explicar o que se passa com Claire.

Muito perturbada, Claire vai se tornando a garota de 24 anos que criou para atrair Alex. São longos papos no celular e promessas de felicidade. Mas quem é Clara? Só Claire é quem sabe.

“- Nunca me senti tão bem. Eu tenho 24 anos” diz Claire, os olhos brilhando de novo, atrás dos óculos de armação negra.

Safy Nabbou, diretor francês de 51 anos, adaptou o romance de Camille Laurens com Julie Peyr e conta uma história de amor idealizado, de ambos os lados do celular e dos textos na internet, que envolve os dois participantes com emoção vibrante.

O ritmo do filme segue as confissões de Claire/Clara e mantém o espectador atento e curioso.

A plateia se envolve dessa maneira porque Juliette Binoche está melhor do que nunca nesse esconde-esconde mostrado em closes nesse rosto belo e perturbado.

“Quem você pensa que sou?” é um filme atraente, que não fica só na superfície dos personagens. Além disso tem suspense e surpresas que envolvem a plateia e despertam até identificações.

Muito bom.

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A Tabacaria

“A Tabacaria”- “The Tobacconist”, Áustria, Alemanha, 2018

Direção: Nikolaus Leytner

O fundo de um lago de águas verdes é a primeira imagem que vemos. O jovem Franz (Simon Morze), está entre os galhos submersos e encontra um caco de vidro verde que leva consigo quando sai correndo da água, assustado com a tempestade de raios e trovoadas.

Sua mãe (Regina Fritsch) e o homem dela fazem amor encostados ao tronco de uma grande árvore. O sexo e a morte estão presentes na cena, quando o homem forte e viril, que tantas vezes nadara naquele lago em Attersee, afunda fulminado por um raio.

Não há outra saída. A mãe não pode mais sustentar o filho. E pede a ele que vá para Viena onde um outro homem de sua vida, dono de uma tabacaria (Johannes Krisch), o acolheria.

Vamos acompanhar Franz, que tem 17 anos, em suas descobertas sobre a vida e si mesmo, no fim dos anos 30, quando tristes acontecimentos se sucedem na Alemanha e logo atingem toda a Europa.

Quando sai do trem na estação em Viena, uma senhora o aborda:

“-  O que faz em Viena? São tempos difíceis… Por que não volta para a casa?”

Era um mau sinal. Mas Franz ainda não sabe de nada. A tabacaria vai ser uma escola de vida para ele.

O açougueiro vizinho é o primeiro a atacar a tabacaria, mostrando que os simpatizantes de Hitler e do nazismo estavam presentes e ativos em Viena. E não perdoavam quem acolhesse judeus e comunistas, clientes da tabacaria.

O mais famoso dos apreciadores de charutos na cidade era um judeu, o Professor Sigmund Freud. Franz se aproxima dele querendo que o velho senhor lhe ensinasse sobre ele mesmo. O saudoso Bruno Ganz (1941-2019) interpreta o fundador da Psicanálise, dando a ele calor humano e uma sabedoria vivida.

Franz e Freud se encontram várias vezes e o Professor se interessa por sua vida afetiva, seu amor por Anezka (Emma Dragunova), uma moça que dançava num cabaré. Aconselha a ele escrever seus sonhos assim que despertasse. E vários sonhos de Franz são encenados com belas imagens e sugestões de medo da morte e desamparo.

Mas para nossa frustração, Freud não conversa com Franz sobre esses sonhos, que como o caco de vidro verde que ele trouxera do fundo do lago, permanecem um mistério.

O filme dirigido com talento por Nikolaus Leytner é baseado no romance de 2017 do escritor austríaco Robert Seethaher, bestseller na Alemanha.

O filme é interessante principalmente porque mostra os efeitos da política no dia a dia de uma cidade, que vai ser envolvida numa guerra, ao mesmo tempo que acompanha Franz em suas descobertas sobre o que é a vida e suas difíceis escolhas.

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