Entre Facas e Segredos

“Entre Facas e Segredos”- “Knives Out”, Estados Unidos, 2019

Direção: Rian Johnson

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Quando vemos o casarão com tintas de mal assombrado e os cães negros correndo em primeiro plano, percebemos que há ali uma intenção de fazer humor pelo exagero.

E quando entramos na casa, os objetos de gosto duvidoso, necessários à trama, confirmam o tom caricaturesco de “Entre Facas e Segredos”. A casa do escritor de livros de mistério, Harlan Trombley (Christopher Plummer) é quase um personagem da história. Escura, com escadas e janelas secretas, é o perfeito cenário para um crime.

Mas, quem leva uma caneca de café da manhã com os dizeres “Minha casa! Minhas Regras! ” para o dono dela, é uma mocinha bonita e prestativa. Vai encontrar um cenário assustador. O escritor, que acabara de fazer 85 anos, jazia ensanguentado no sofá.

Uma semana depois, nos damos conta de que vimos um suicídio. Será mesmo?

A mocinha (Ana de Armas) que encontrou o morto, está na sala com a família do escritor de quem era a enfermeira.

“- Marta, qualquer coisa que você precise, é só falar. Você é parte dessa família ” diz alguém num tom falsamente solícito.

Os membros da família e Marta vão ser interrogados pela polícia, presente na casa.

Aos poucos vamos acompanhando os relatos de cada um e ficamos sabendo o que cada um deles conta sobre a festa dos 85 anos do escritor, na véspera de sua morte.

Numa poltrona ao fundo da sala, um homem observa o que se passa. Ele é o detetive Benoit Blanc (Daniel Craig), famoso por trabalhar para celebridades.

Mas quem o contratou? Nem ele sabe. Um envelope com dinheiro foi mandado, convocando-o para a reunião da família do escritor morto.

Os dois filhos (Michael Shannon e Jamie Lee Curtis) e a viúva do terceiro (Toni Colette) não parecem entristecidos ou chocados. Todos respondem às perguntas do policial com um ar arrogante. Na sala estão também os netos (Chris Evans, Katherine Langford e Jarden Martell).

Todos são suspeitos mas se dizem inocentes, aproveitando o interrogatório para lançar as suspeitas sobre os outros. São egoístas e sempre viveram explorando o morto, que era o dono do dinheiro, vindo da venda de seus livros best-sellers.

Marta, a enfermeira latina, é a única que parece sentir a perda do patrão para quem trabalhava desde muito jovem. Ficaram amigos e ele se preocupava porque a mãe dela era uma imigrante ilegal.

Rian Johnson diz que levou 10 anos escrevendo o roteiro e os acontecimentos no país relacionados a imigrantes só vieram reforçar o que ele já havia escrito. Os muito ricos e seus serviçais latinos que são “como se fossem da família” são um clichê americano.

“Entre Facas e Segredos” torna-se um filme crítico dessa postura quando Marta, a latina, ora uruguaia, ora brasileira, fica no centro do palco, como a suspeita ideal.

O filme foi sucesso de bilheteria nos Estados Unidos e por onde passou. É entretenimento bem feito, com boas cenas para cada um dos atores do grande elenco poder brilhar. Até mesmo quando muito breves como a da bisavó (K. Callan).

Daniel Craig e a cubana Ana de Armas foram indicados como melhores ator e atriz de comédia no Globo de Ouro e “Entre Facas e Segredos” obteve indicação de melhor filme de comédia.

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História de um Casamento

“História de um casamento”- “Marriage Story”, Estados Unidos, 2019

Direção: Noah Baumbach

Nicole e Charlie estão vivendo um momento difícil do casamento. Na terapia de casal, os dois tem que escrever uma lista daquilo que gostam no outro. O terapeuta acha que é bom começar com uma nota positiva, para ambos não esquecerem que amaram a outra pessoa e o porquê.

Entendemos pela lista dela que Nicole (Scarlett Johansson) mudou de Los Angeles para Nova York para ser a estrela das peças de teatro de Charlie. E que ela acha que ele não deixa que opiniões contrárias o façam desistir de suas ideias. Além disso, ela pensa que ele é muito competitivo e que quase nunca se dá por vencido. Sabe que ele adora ser pai, que veio do nada e que a violência e o álcool estiveram presentes na infância dele.

Enquanto que Charlie (Adam Driver) entende que ela deixou a mãe e a irmã em Los Angeles para ser a atriz dele em Nova York e que ela é sua atriz preferida. Depois escreve que ela é uma boa ouvinte, que dá presentes incríveis, que é uma mãe que brinca e que corta o cabelo do filho e o dele. E que adora tentar entender suas ideias malucas.

Nicole sai da sessão de terapia brava. Longe dos olhos de Charlie, ela chora.

E se muda para a casa da mãe em Los Angeles. É estranho mas parece que ela não está de todo convencida que a separação é o melhor caminho.

Mas aí começa a bola de neve que vem ribanceira abaixo e vai virar uma avalanche.

Entra em cena a advogada famosa e competente (Laura Dern), que escreveu um livro, assistiu as peças de Charlie em Nova York e viu Nicole na série da TV. Pergunta se ela que viver em Los Angeles ou Nova York. E a resposta chorosa é a de que ela quer continuar a ser amiga do marido.

E, quando ele chega e conta que ganhou uma bolsa importante, ela o abraça com sinceridade. Mas logo dá um passo para trás quando vê a mãe afetuosa e efusiva com Charlie e ele gostando.

E cada um de nós pensa em como é difícil essa fase do divórcio quando ainda existem sentimentos contraditórios. O diretor e roteirista Noah Baumbach diz que o filme tem conteúdos autobiográficos, o que faz com que tudo tenha uma verdade indiscutível.

Mas o maior acerto foi a escolha dos atores. A Nicole de Scarlett Johansson é simpática, atraente e é ótima mãe para Henry de 8 anos. E tudo parece ser mais fácil para ela porque volta para a casa onde sempre viveu, para a cidade na qual casou com Charlie e onde o filho nasceu.

E Charlie, que parece não conseguir sobreviver sozinho, passa uma dor e um desamparo terríveis. Faz um Charlie inesquecível. A cena onde ele canta “Being Alive” de Stephen Sondheim é especialmente tocante.

E tudo termina numa troca de argumentos e farpas entre os advogados, a dela e o dele (Ray Liotta), e o juiz mandando uma observadora hilária para verificar as relações entre o filho e o pai e o menino e a mãe. Entrevistas tragicômicas.

“História de um Casamento” é comovente e tem atuações extraordinárias, além de um roteiro com diálogos sinceros.

Um dos melhores filmes do ano.

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