Martin Eden

“Martin Eden”- Idem, Itália, França, 2019

Direção: Pietro Marcello

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“- Como é belo! ”, suspiram as moças no cais de Nápoles, onde passeia Martin Eden, marinheiro. Olhos verdes num rosto másculo, corpo atlético e uma elegância natural, atraem os olhares do povo que passa por ali. Cumprimenta um, faz um aceno ao outro e sabe que é admirado por sua beleza.

Ele é impulsivo, corajoso e forte. Quando vê um segurança arrastando e batendo num jovem no píer, corre e salva o garoto indefeso, golpeando o bruto.

Será pela mão de Arturo (Giustiniano Alpi) que, agradecido o leva a conhecer sua família, que a vida de Martin Eden (Luca Marinelli) vai mudar de rumo.

Entrando pelos portões da casa palaciana encontram Carmela (Anna Patierno), a governanta, que olha o estranho de alto a baixo, desaprovando suas roupas desleixadas. O que aquele tipo faz na casa aristocrática dos Orsini? Esse é um dos problemas que a criada antevê. Martin vai conseguir conviver com aquela gente rica e preconceituosa?

Mas quando chega Elena (Jessica Cressy), irmã de Arturo, Martin que estava se sentindo deslocado, encontra sua musa salvadora. É ela que vai conduzi-lo a uma educação que ele não tem. É uma pedra bruta que precisa ser lapidada. Elena sugere que volte a estudar, empresta livros e responde a seus olhares embevecidos.

Martin fica conhecendo um mundo novo. Examina e admira as obras de arte na casa dos Orsini mas, percebe-se que, apesar de simpático, como diz a mãe de Elena, ele não conhece nada daquilo, sua cultura geral é pobre e não sabe comportar-se à mesa.

Vai ser um longo caminho.

Martin é expulso da casa da irmã pelo cunhado que o detesta e, por sorte, fica conhecendo Maria, uma viúva  que simpatiza com ele e o convida a morar com ela, fora de da cidade, em troca de ajuda com a casa e os filhos dela, que logo são conquistados por Martin.

Uma nova fase começa na vida do marinheiro. Quer ser escritor e apesar de não aceitarem seus escritos na revista literária, ele não desanima e torna-se autodidata. Pede dois anos a Elena para aprofundar-se nos estudos e chegar a ganhar algum dinheiro com seus textos, para por fim casar-se com ela.

Quando consegue finalmente ser aceito e escrever um livro, o narcisismo de Martin, autocentrado e agressivo quando o contrariam, aliado a uma natureza difícil, vão dificultar seus sonhos grandiosos. Ele se torna um elemento perdido, não pertencendo nem ao proletariado que era sua origem, nem à aristocracia que secretamente inveja e despreza, num conflito que o exaspera.

O filme é baseado num livro quase autobiográfico de Jack London, publicado em 1909. O diretor Pietro Marcello adaptou-o de forma criativa, de maneira a não datar a história de Martin Eden, misturando sinais como as roupas que tanto podem ser do início do século XX como dos anos 70. Numa cena aparece até uma televisão.

O diretor inseriu também pequenos trechos em sépia de imagens antigas que tanto podem ser interpretadas como o passado de Martin ou imagens de seus sonhos e decepções. Vindo do documentário ensaístico, mais subjetivo e com vínculos estreitos com a interpretação pessoal dos acontecimentos, Pietro Marcello é visto como uma grande promessa do novo cinema italiano.

O desempenho comovente e consistente de Luca Marinelli valeu a ele a Copa Volpi, prêmio de melhor ator no Festival de Veneza.

Belos cenários naturais e interiores com produção primorosa são um ponto a mais para “Martin Eden”, que já é considerado um dos melhores filmes do ano.

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Você Não Estava Aqui

“Você Não Estava Aqui”- “Sorry we missed you”, Inglaterra, 2019

Direção: Ken Loach

Você já pensou em como funciona o nosso atual sistema de entregas rápidas? Claro que do ponto de vista de quem é o comprador, não há maiores queixas. Inclusive num cenário muito competitivo só sobrevive quem consegue fazer o que promete quem vende.

Esse novo sistema é o foco do novo filme do diretor britânico Ken Loach, 83 anos, um dos cineastas mais coerentes em sua produção cinematográfica. Ele ganhou a Palma de Ouro em Cannes em 2006 por “Ventos da Liberdade” e sua segunda em 2016 por “Eu, Daniel Blake”. Quem já conhece o cinema dele sabe que seu objetivo é sempre mostrar para os espectadores problemas relacionados às condições de vida da classe operária e trabalhadora.

Aqui você vai ver o ponto de vista do entregador sobre seu próprio trabalho. E acompanhar sua desilusão sobre o sonho de não ter patrão, fazer seus próprios horários e ter mais tempo para a família.

Em “Você Não Estava Aqui” ele nos coloca vivendo com uma família que, depois da crise de 2008, não consegue se aprumar financeiramente. Eles se amam, pai e mãe são um casal afetuoso e há um filho adolescente e uma menina de 11 anos.

Abby, a mãe (Debby Honeywood), trabalha como cuidadora de idosos e deficientes que precisam de ajuda porque moram sozinhos. Ela é carinhosa e competente e tem muita paciência e compreensão com seus clientes.

Por causa de sua dedicação, muitas vezes chega tarde em casa e tem que orientar sua filha pelo celular sobre o jantar pronto na geladeira. Quando chega, sente-se culpada porque vê a filha esperando por ela, bem depois da hora em que deveria estar dormindo. A escola começa cedo.

Num desses dias, Ricky (Kris Hitchen) e Abby conversam no jantar sobre a dificuldade de encontrar emprego. É aí que o marido pede à mulher que deixe ele vender o carro dela. O plano é empregar-se como autônomo numa empresa de entregas rápidas. Para isso teria que dar a entrada para comprar a prestações a van que é o veículo exigido pela empresa.

Ricky imagina que vai ser vantajoso não ter patrão, poder fazer seus próprios horários e finalmente poder pensar em economizar para a casa própria.

Abby fica desanimada porque seu carro é instrumento de trabalho. Muitos clientes moram longe. Mas ela se sacrifica e vai pegar vários ônibus todo dia. Talvez chegar mais tarde ainda à noite em casa.

E, infelizmente, vendido o carro e conseguida a última vaga existente, Ricky percebe que se enganou com as condições de trabalho. Não se leva em conta qualquer problema. Atrasos em entregas são multados, não importando o caos do trânsito. Uma maquininha impõe horários e o cliente pode seguir o trajeto da mercadoria do galpão até sua casa. Perder essa maquininha significa ter que pagar 1.000 libras e faltas sem que haja substitutos custam 100 libras para o entregador. Não há a quem recorrer se o problema for de saúde.

Ou seja, o ritmo e as regras são desumanos. E Ricky não vai ter tempo de ver a família. Trabalhará 14 horas seguidas e o banheiro será uma garrafa.

A família toda vai sofrer. Ken Loach faz a gente parar para pensar no que sustenta o nosso modo de vida contemporâneo. Somos mais felizes às custas do sofrimento de outros. Qual o preço da infelicidade dos que prestam serviços essenciais aos outros e são tratados dessa maneira?

O filme não vai mudar o mundo mas pode levar muitos de nós a pensar no que nunca passou pela nossa cabeça.

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