O Sonho da Borboleta

“O Sonho da Borboleta”- “The Butterfly‘s Dream”, Turquia 2013

Direção: Yilmaz Erdogan

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A vida de três poetas turcos, é contada nesse filme para lembrar e homenagear os que viveram essa história real onde “a poesia está na vida e não na morte”, como disse um deles.

Os dois poetas jovens, pobres e muito amigos, lutavam para sobreviver mas sem perder o humor e as brincadeiras entre eles. Viviam à procura de palavras que expressassem o que sentiam em seus corações. E carregavam consigo uma alegria verdadeira em compartilhar os poemas, lidos ou declamados o tempo todo.

E o amor era buscado, apesar da timidez e da falta de oportunidades que os distanciavam das estudantes da escola local, frequentada pela classe social à qual os dois não pertenciam.

O terceiro poeta homenageado no filme, Behcet Necatigil, incentivava os dois rapazes e tornou-se muito apreciado na Turquia, mas na época era apenas professor.

O sonho dos dois rapazes era ter seu poema publicado na revista literária. Toda semana buscavam seus nomes na capa da revista e a decepção era enorme. Mas Muzaffer Tayyp Uslu e Rustu Onur não se abatiam, nem desistiam de sua vocação.

Obrigados a trabalhar nas minas de carvão por uma lei que vigorava na Turquia, ambos contraem a tuberculose que era uma doença incurável na época. Mas apesar da pobreza e da doença tiravam o melhor da vida, que sabiam curta.

Muzaffer, um dos jovens, conta a história que dá título ao filme:

“Um dia, um místico sonhou que era uma borboleta. E acordou confuso. Teria sonhado que era uma borboleta ou era uma borboleta que sonhara que era ele? ”

O filme tem uma beleza rara, fruto do talento do conhecido Gokan Tirvaki, que mostra a cidade de Zunguidak, no Mar Negro, oferecendo aos nossos olhos paisagens à beira mar, bosques verdejantes e a beleza escondida nas coisas do dia a dia dos jovens poetas.

Dirigido, roteirizado e também atuado por Yilmaz Erdogan no papel do professor, o filme foi indicado pela Turquia ao Oscar.

Belo, delicado, uma ode à amizade e à poesia, “O Sonho da Borboleta” é outro exemplo do espírito que tem o cinema que nos vem da Turquia, fruto de uma cultura mística e milenar.

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My Happy Family

“My Happy Family”- Georgia, 2017

Direção: Nana Ekytimishvili e Simon Grob

Quando vemos Manana (Ia Shugliashvili), uma mulher de meia idade, olhando com a corretora um apartamento bem simples com uma varanda que uma árvore invade, pensamos que ela é solteira.

Mas não. Logo ela chega em um outro apartamento onde mora sua família.

Abre a geladeira e pega um pedaço de bolo e é logo repreendida:

“- Mas comendo a sobremesa antes do jantar? ”, pergunta quem parece ser a mãe dela.

No sofá um casalzinho se beija, observados pelo avô. Um outro jovem também está na sala com quem parece ser o marido dela, Soso (Merab Ninidze).

A sensação é de claustrofobia, principalmente porque a câmera centra-se em Manana que tem um semblante cansado.

E aí vemos que o título do filme é irônico. A família não é feliz nem infeliz. Vivem a vida juntos e não se incomodam como jeito invasivo da avó. Nem se perguntam como está Manana.

Ela vai fazer 52 anos mas não quer festa. Comenta que prefere uma noite calma. Mas o marido não concorda. Inclusive já convidou os amigos. E não adianta ela repetir que não quer festa. Parece que a julgam uma ingrata.

E a festa acontece. Manana não demonstra o que sente mas seu rosto não tem sorrisos. É educada mas distante.

No dia seguinte, na escola onde leciona, uma aluna reaparece depois de muitas faltas. Manana pergunta o motivo e a aluna (Lika Babluani) diz que se separou do marido:

“- Éramos muito diferentes. Não ia dar certo…”

Aquela menina, sem saber, deu uma lição sobre a passagem do tempo para a professora. A festa, que não era para ela mas para os amigos do marido, fora a gota d’água. O exemplo da aluna, o último empurrão.

Quando chega em casa e dá a notícia que está se mudando porque quer morar sozinha, pega todos de surpresa.

“- Mas o que foi que seu marido fez? ”

“- Você tem que respeitar seu pai, sua mãe, seu marido e seus filhos! ”

“- Não vou explicar nada para ninguém” responde calma Manana à saraivada de perguntas da família toda.

E lá está ela, limpando o apartamento ouvindo Mozart. O sol entra pela porta aberta da varanda e a árvore balança ao vento suas folhas verdes.

Será que ela vai aguentar a pressão que certamente vai haver? Talvez a pior seja a culpa que ela vai sentir. Quanto custa a liberdade?

O filme é muito bem conduzido e a naturalidade dos atores é excepcional.

A Georgia libertou-se da extinta União Soviética em 1992. O coletivo criou raízes nas pessoas. A família, com seus membros ligados por correntes afetivas que podem ser muito pesadas, parece ser o problema e Manana que se sente numa prisão. Não deve ser a única a sentir essa vontade de libertar-se.

O final do filme em aberto certamente aponta para a dificuldade dessa questão.

 

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