Estado Zero

“Estado Zero”- “Stateless”, Austrália 2020

Direção: Emma Freeman e Jocelyn Moorhouse

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Todo mundo se lembra de cenas que vimos na televisão. Aquelas longas filas de imigrantes que buscavam refúgio em outros países da Europa, vindos principalmente da Síria e da África. A pé ou em barcos lotados eles fugiam da guerra, da perseguição política ou da fome.

Quem não se emocionou com a foto do menino morto na praia, sendo levado no colo de um policial quando nada mais podia ser feito por ele?

Esses refugiados encontravam dificuldades de toda ordem na fuga sem endereço de chegada. E continuam tendo. Mas não são novidade e, portanto, não tem espaço na mídia.

A série da Netflix conta a respeito de imigrantes ilegais que chegam na Austrália vindos principalmente do Afeganistão. Em seis capítulos vamos conhecer casos de pessoas que foram levadas para um campo de imigração. Aliás, um dos vários que existem na Austrália.

Vamos conhecer também aqueles que representam o Estado e fazem a segurança do campo. Conflitos vão surgir.

“Estado Zero” é baseado em fatos reais. E tem produção assinada por Cate Blanchett, atriz oscarizada e australiana, que faz uma ponta na série. Depois dos créditos finais somos informados que 70 milhões de pessoas estão atualmente em campos de imigração, sendo que 40% são crianças.

A história real da alemã Cornelia Rau, detida ilegalmente em 2004 no campo Barton, inspirou Cate Blanchett, Tony Ayres e Elise McCardie a contar sua história. Única mulher branca no campo, a personagem criada com o nome de Sofie Werner, interpretada por Yvonne Masters, vive um dos dramas que assistimos com um nó na garganta, porque ela está surtada. Em “flashbacks” vemos ela sofrendo uma lavagem cerebral e assédio num grupo de autoajuda. Ela não tem papéis de identidade e quer ser deportada para a Alemanha.

Outros, ao contrário, não querem ser deportados e, na esperança de conseguir vistos de permanência, como Ameer (Fayssal Bazzi), fazem de tudo para proteger a família.

O campo de imigração é na realidade uma prisão, na qual as pessoas ficam anos e anos esperando o prometido visto que, na verdade, não vai chegar nunca.

No meio do deserto australiano, essas pessoas que são chamadas pelo número que receberam na chegada, são maltratadas quando saem da linha e se revoltam, inutilmente, pelos dias sem número que estão trancadas naquele lugar inóspito.

Esquecidos pelo Estado, que deveria cuidar deles, nos dias de inspeção dos grupos que defendem direitos humanos, uma “maquiagem” é providenciada para que o centro pareça um lugar melhor do que é.

Mas essa vida no campo acaba por afetar perigosamente os responsáveis mais sensíveis, que não conseguem negar o que estão vendo diante de seus olhos. Eles também são prisioneiros. Abatidos, acabam sendo substituídos por outros que precisam do emprego para viver. É o caso do segurança Cam Sanford (Jai Courtney) e da diretora Clare Kowitz (Asher Keddi).

Sei que muita gente evita ver no cinema filmes que mostrem a realidade que a maioria não quer ver, principalmente agora que a pandemia atrapalha nossos planos de vida.

Mas se, de vez em quando, admitirmos que tratar gente como gado é inadmissível, talvez esse estado de coisas possa melhorar em algum futuro pela ação de pessoas que sentem compaixão pelos seus semelhantes que sofrem sem ter nenhuma culpa.

“Estado Zero” traz alguma esperança nesse sentido. Deve ser visto.

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Dear Ex

“Dear Ex” – Idem, Taiwan, 2018

Direção: Chi-Yen Hsu e Mag Hau

“- Sabia que os adultos são os seres mais burros da Terra ? Eles pensam que podem inventar histórias para guardar segredos. Disseram que o dinheiro do seguro do meu pai foi roubado pelos bandidos que o mataram. Babacas! Eu sempre soube que meu pai era gay. Ele morreu há 95 dias. Para onde a gente vai quando morre? ”

E na voz do menino de 13 anos, Cheng xi (Joseph Huang), vamos ouvindo suas reclamações e ficamos surpreendidos com os desenhos e as cores dos guardados dele numa caixa vermelha. E a cidade de Taipei, saindo do desenho e tornando-se palco para os atores.

Sanlian (Hsieh Ying-hsuan), a mãe do menino, faz um escândalo, batendo na porta de Jay (Roy Chiu), que ela acusa de ter enganado todo mundo e obrigado o pai de seu filho (Spark Chen) a colocar como beneficiário de seu seguro, não o filho, mas Jay, com quem vivia depois de ter se separado dela.

E esses três personagens vão viver, cada um à sua maneira, o luto pelo músico que tentou viver em família com a mulher e o filho mas não conseguiu, porque se apaixonou por Jay, o diretor de teatro para quem trabalhava.

O filme que fez sucesso e ganhou prêmios em festivais em Taiwan, é um deleite para olhos ocidentais. São imagens na tela ricas em cores e com intervenções divertidas de desenhos que acompanham as excelentes atuações do elenco.

Nossos olhos, às vezes, perdem até a legenda, atraídos pela novidade brilhante e contemporânea dos figurinos criativos e da decoração dos lugares, o que inclui um teatrinho de sonho, as ruas de Taipei ora estreitas de paralelepípedos, ora largas avenidas margeando o rio, e o contraste do apartamento de Sanlian, limpo e bem arrumado com o de Jay, uma bagunça atraente.

O menino é mandado para uma terapia de acolhimento porque está revoltado e com notas péssimas na escola, atormentando a mãe. Não é de se admirar, dividido que está entre a mãe, a amante do pai que fala sempre aos gritos, chorando inconformada, com raiva de Jay, que culpa pela ausência do marido e pai na vida deles e o amante do pai, artista que leva a vida de maneira mais leve, mas que sabe gritar também com a mulher tresloucada e botar o menino na linha.

Há um trajeto no luto dos três que os leva finalmente à saudade que sentem do pai, marido e companheiro, deixando a briga pelo dinheiro para um segundo plano.

Comovente e divertido, “Dear Ex”, produção original da NETFLIX, faz rir e chorar, envolvendo o público, até mesmo os corações mais frios.

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