A Voz Suprema do Blues

“A Voz Suprema do Blues”- “Ma Rainey’s Black Botton”, Estados Unidos, 2020

Direção: George C. Wolfe

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De onde vieram os blues? Essa música que encantava os negros que vieram do sul para o norte, depois da abolição da escravatura, com sede de contar suas histórias, veio da África com os escravos. É a expressão amorosa deles que a escravidão não conseguiu destruir. Conta o legado que não podia ser esquecido.

Depois da abolição em 1865, houve uma grande migração para Chicago, motivada pela brutalidade dos brancos no sul dos Estados Unidos. Existia uma promessa de vida melhor no norte mas, na realidade, havia a mesma opressão em todo lugar.

Viola Davis, Oscar de melhor coadjuvante por “Fences – Um Limite Entre Nós”, indicada para o Globo de Ouro deste ano de melhor atriz em drama pelo papel de Ma Rainey (1886-1939), considerada a “Mãe do Blues”, diz que ela foi uma das maiores interpretes da primeira geração de cantoras desse gênero musical.

August Wilson é o autor negro da peça de 1982, encenada na Broadway, que foi adaptada para o filme. Isso graças a um conjunto de mulheres e homens negros, entre eles Denzel Washington, que enfrentaram o racismo, ainda vivo na cultura americana e financiaram o filme.

Tudo se passa durante uma gravação com Ma Rainey e sua banda. Chadwick Boseman (1976-2020) que faz o trompetista Levee e tem o filme dedicado a seu talento, faleceu poucos meses depois que o filme já tinha acabado. Ele foi indicado postumamente ao Globo de Ouro de melhor ator em filme drama.

E a banda conta ainda com Glynn Turman que é o pianista Toledo, Colman Domingo o trombonista Cutler e Michael Pott que é o baixo Slow Drag. E, ao lado de Ma Rainey, bissexual assumida, a namorada Dussie Mae (Taylor Paige).

Em 1927, ano em que se passa o filme, Ma Rainey já estava no fim de sua carreira, mas seus discos vendiam aos milhares entre a população negra. A locação do filme é num cenário que imita o estúdio de gravação de uma rádio de Chicago, dirigido por um branco que a cantora humilha em pequenos detalhes mas em grandes doses.

A cantora, uma mulher corpulenta, vestida em roupas excêntricas, com muita maquiagem, dentes de ouro e brilhantes nas orelhas e dedos, era a ferocidade e a fragilidade unidas na mesma pessoa. Ela cantava com doçura e tristeza.

Quase esquecida, foi trazida novamente à memória americana já que ela foi uma força viva na causa atualmente conhecida como “Black Lives Matter”.

Bela homenagem.

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O Tigre Branco

“O Tigre Branco”-“The White Tiger”, Índia, Estados Unidos, 2021

Direção: Ramin Bahrani

Nova Dehli 2007. O filme começa pelo acidente fatal. No carro dos patrões, ele fantasiado de marajá, como macaquinho de circo, no banco de trás, vê que eles bebem muito para festejar o aniversário de Pinky Madam (Priyanka Chopra). Ela insiste em guiar o carro e a fatalidade acontece.

Bangalore 2010. Balsan, agora um empresário rico, escreve um email para o Primeiro Ministro chinês que vem visitar a Índia para saber mais sobre a economia do país. Ele, que teve um início de vida paupérrimo e tornou-se um empresário de sucesso se oferece para explicar ao chinês como funciona a economia.

E escreve: “Os Estados Unidos já eram. Agora é a vez da Índia e da China. O futuro está nas mãos dos asiáticos, amarelos e marrons. Agora que o branco, o mestre anterior, arruinou-se em sodomia, smartphones e abuso de drogas, ofereço-me a contar a história atual da Índia, através da minha vida.”

E vamos para o norte da Índia, a pequena Lanxmangarth, onde vive a família de Balran Halwai (Adorsh Gourav, maravilhoso ator) sob o jugo da avó, a matriarca que decide quem faz o quê e quem se casa com quem. E fica com o dinheiro de todos.

Mas Balran consegue escapar do destino que a avó traçou para ele. Arranja dinheiro para aprender a dirigir e torna-se motorista, em Nova Delhi, do conterrâneo que cobrava taxas de toda sua aldeia natal. Um senhor feudal. Ficava com tudo.

Balran torna-se então motorista do filho do aproveitador que se enriquece às custas dos ignorantes que só sabem obedecer. E é claro que a família tem um esquema secreto com o governo. Ashok (Rajkummar Rao), o filho, estudou e viveu nos Estados Unidos e trata bem do motorista. Mas como se ele fosse um animalzinho de estimação. Sem o domínio de sua vida.

“Na Índia de hoje existem só duas castas: os com barriga e os sem nada, ” Balran começa a pensar.

Foi quando aconteceu a catástrofe e fizeram Balran assinar uma confissão para a polícia. E aqui, a inteligência de Balran, que o libertara da tirania da avó, vai mudar novamente o seu destino:

“Não sei se na fachada tenho um amor que esconde o ódio, ou um ódio que esconde o amor, “ pensa ele, refletindo sobre sua relação de subserviência, de seu eterno sorriso, com quem faz dele o que bem quer.

“Por que eu assinei aquela confissão? “

É nesse momento de “insight”, de descoberta de si mesmo, que Balran torna-se o dono de seu destino. A inteligência a serviço da sobrevivência. Já na escola da aldeia o professor profetizara frente ao bom aluno que ele era:

“- Você é o tigre branco, o único que nasce em sua geração.”

O filme está sendo comparado a “Parasita”, o sul coreano que ganhou os maiores prêmios do Oscar do ano passado e foi, inclusive, o primeiro estrangeiro a ganhar o de melhor filme. Porque a ideia central de mudança de domínio e poder faz ainda mais sentido no mundo da pandemia. O Ocidente que se cuide…

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