Ataque dos Cães

“Ataque dos Cães”- “The Power of the Dog”, Nova Zelândia, Austrália, Estados Unidos, Inglaterra, Canadá, 2021

Direção: Jane Campion

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Palavras, antes de imagens, iniciam o filme e uma voz masculina diz:

“- Quando meu pai morreu, eu tinha um único desejo. Fazer minha mãe feliz. Que tipo de homem eu seria se não a ajudasse? Se não a salvasse?”

Nesse momento inicial, essas frases soam como um aviso ou explicação. Mas ainda não temos ideia do que significa. Isso só vai ser esclarecido no fim. Mas é bom prestar bastante atenção em detalhes significativos, que aparecem ao longo da história.

Estamos nos anos 20 do século passado na maior fazenda de gado de Montana, Estados Unidos. Dois irmãos administram as terras dos pais. Em tudo diferentes, estão sempre juntos.

Habitam a antiga casa da fazenda, onde é sempre penumbra, não fossem as janelas abertas que enquadram colinas desertas ao longe.

Phil Burbank (Benedict Cumberbatch) e George (Jesse Plemons) são inseparáveis e foram educados nas artes de ser vaqueiro por Henry Bronco, alguém já falecido, que Phil idolatra e com quem adivinhamos uma relação intensa e secreta.

Phil é arrogante, imponente, cruel e, apesar da formação acadêmica como filósofo, sua aparência é rude e sua postura sádica quanto aos mais fracos. Não toma banho e seu odor afasta as pessoas. Aliás não é próximo de ninguém e sua fala é sempre sarcástica. Sempre que pode demonstra sua homofobia, em tão alto grau, que detectamos um desejo fortemente reprimido debaixo das vestes e maneiras de um macho alfa.

Já o irmão George é delicado, gentil, de poucas palavras e aparentemente não se ofende com os insultos que o irmão lhe dirige. Parece que ele entende o porquê de Phil ser como é.

Quando George decide casar-se com Rose Gordon (Kirsten Dunst), a dona do restaurante e pousada não longe da fazenda , e diz que ela virá morar com ele, trazendo seu filho Peter (Kodi Smit-McPhee), vai começar um suspense trágico.

Jane Campion, 67 anos, neozelandesa, diretora, produtora e roteirista, super premiada por seu filme “O Piano” de 1993, que ganhou o Oscar e a Palma de Ouro no mesmo ano, parece que vai acertar outra vez. Levou este ano em Cannes a Palma de Ouro como melhor diretora por “Ataque dos Cães”.

A natureza humana, não importa o lugar nem a época, pode ser controlada em seus impulsos para a maldade. Mas, depende de cada um. Fazer a escolha entre ser bom ou cruel, é nossa. E sempre lembrar que ao reprimirmos demais a nossa própria natureza em seus desejos, há o perigo de cairmos no oposto e é por aí que os “cães” atacam. E o pior ataque é o que acontece dentro de nós mesmos.

Em Phil, interpretado com assombro por Benedict Cumberbach, a homossexualidade reprimida transborda numa homofobia cruel. Peter e Rose são seus alvos preferidos. Rose, interpretada com doçura e medo por uma maravilhosa Kirsten Dunst, será salva da loucura por seu filho Peter. É dele a frase inaugural que agora faz todo sentido para quem vê o filme.

Merece menção a música de Jonny Greenwood, que nos ajuda a entender os afetos em jogo, pontuando os momentos cruciais com cordas de violinos e cellos discretos mas inspiradores.

“Ataque de Cães” é até agora, o melhor do ano. Ponto para a Netflix que emplaca e lança mais um grande filme em seu catálogo.

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A Bela e a Fera

“A Bela e a Fera”- “La Belle et La Bête”, França, 2014

Direção: Christophe Gans

Esse antigo conto francês, que teve sua primeira versão publicada em 1740, foi muitas vezes revisitado com alterações no enredo original. Mas o coração da história, sua mensagem principal, segue inalterada sempre. Ensina que o amor não liga para as aparências mas para os sentimentos que duas pessoas sentem uma pela outra.

Assim, Belle que a princípio temia e odiava a Fera, por conservá-la como prisioneira em seu castelo, passa a perceber seu amor quando a Fera ferida, está morrendo. Seu coração a guia e ela salva aquele que, na verdade era um príncipe.

Ele fora amaldiçoado pelo deus da floresta porque matara sua filha, a corsa dourada. Só o verdadeiro amor venceria a repugnância que a Fera provocava com sua aparência e seus modos selvagens.

No filme francês de 2014 a Belle é Léa Seydoux, que interpreta a personagem mostrando uma mocinha segura de si mesma mas que sente falta da família, principalmente do pai (André Dussolier).

No contexto psicológico podemos pensar que Belle, órfã de mãe que morrera no parto de sua última filha, apegara-se ao pai, ao qual estava fortemente ligada pelo famoso complexo de Édipo. Ela só vai libertar-se quando se entregar à Fera (Vincent Cassell).

A produção de arte é primorosa e os efeitos especiais não ofuscam a presença dos personagens.

Outro ponto alto, a decoração do castelo em ruinas, é baseada em rosas que invadem todo o palácio com suas belas cores, atapetando o chão com as pétalas que caem dos galhos da imensa roseira. É a flor preferida de Belle que, representada pela rosa vermelha, é a dona da Fera e de seu coração.

Os figurinos chamam tanto a atenção que às vezes dá vontade de demorar mais os olhos nos detalhes que Pierre-Yves Gayraud inventou para enfeitar Belle. Os vestidos são todos diferentes e tem joias combinando. Marcam com suas cores o caminho para entender o que se passa com Belle. O primeiro é branco e mostra sua inocência e pureza. O segundo é verde esmeralda e simboliza seu amor pela natureza. O azul turquesa mostra sua espiritualidade e, finalmente o vermelho, sua paixão. Pura magia.

Trata-se de um filme lindo e encantador.

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