Sr Sherlock Holmes – Mr Holmes

“Sr Sherlock Holmes”- “Mr Holmes”, Reino Unido, Estados Unidos, 2015

Direção: Bill Condon

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Um trem corta o verde das plantações e bosques de Sussex, Inglaterra. Em uma das cabines viaja um senhor idoso que olha mal humorado para a mãe e um menino que estão na mesma cabine:

“- Meu filho adora abelhas “diz a mãe do menino.

“- Não é uma abelha. Tire já a mão daí. É uma vespa,  coisa bem diferente”.

Sherlock Holmes (Ian McKellen, ator maravilhoso), 93 anos, é apaixonado pelo apiário que tem no belo jardim de sua casa de pedras onde mora desde que se aposentou. Desce do trem, última parada na volta de uma viagem ao Japão. Carrega uma misteriosa pequena caixa embrulhada num lenço azul.

Ele vive com a governanta e cozinheira Mrs Munro (Laura Linney) e seu filho de uns 10 anos, Roger (Milo Parker).

No carro que o leva para casa vemos que ele olha para o velho cemitério com uma estranha expressão no rosto. O mesmo acontece quando o carro passa por um túmulo abandonado junto à estradinha. Parece que Holmes alimenta pensamentos lúgubres.

Chegando em casa a primeira coisa que faz é ir ver suas abelhas. Consternado, encontra algumas delas mortas.

Na hora do chá ficamos sabendo que trouxe consigo, na caixinha, um raro produto japonês que diziam ajudar na recuperação de memórias. Até então, Holmes só acreditava no poder da geleia real, mas parece que não estava fazendo mais efeito.

A perda da memória deixa Holmes irritado e só o menino Roger consegue tirá-lo desse estado de espirito, nas conversas dos dois sobre as abelhas.

Mas o que Holmes procura lembrar e não consegue? Tudo indica que se trata de seu último caso, como sempre escrito por Watson, que já morrera. Holmes sabe que tem algo errado no relato mas tudo que pode fazer é olhar o retrato de um bela mulher que encontrara junto aos livros. Tenta reescrever mas sempre esbarrava num muro que escondia lembranças.

Mas acontece que a mente de Holmes está trabalhando a seu favor. Esquecer do que nos atormenta pode ser uma defesa saudável. O próprio Freud disse que nossos mecanismos de defesa podem e devem ser usados. Mas não a ponto de deixar-se levar pelo auto- engano.

E Holmes começa a se lembrar quando aceita sua própria fragilidade. A culpa, que pode começar a sentir, empresta um novo colorido à personalidade altamente cerebral do detetive. Fechado aos afetos, já perto do fim, quer reparar o que aconteceu.

Infelizmente, há coisas que não podem ser reparadas. O acontecido enterrado lá no fundo, sobe à tona. É o melhor a fazer. Lembrar-se para poder esquecer e parar de torturar-se.

O título do livro que foi adaptado é “Uma pequena artimanha da mente”, de Mitch Cullin.

Um filme belo e inteligente.

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Olhos que condenam

“Olhos que Condenam”- “When they see us”, Estados Unidos, 2019

Direção: Ava DuVernay

Eles ficaram conhecidos como “Os 5 do Central Park”. E quem eram eles? Garotos do Harlem que na noite de 19 de abril de 1989 estavam no Central Park em Nova York, como outros adolescentes que faziam “wilding”, uma gíria nova que significava algo como ser selvagem, grunhindo para os que passavam de bicicleta, chutando lata, gritando, enquanto alguns dentre eles atacavam com selvageria os que passavam.

Dia seguinte a polícia, com uma lista de suspeitos que não ficamos sabendo de onde veio, prende os cinco garotos. Eram eles: Anton McCray,Yusef Salaam, Korey Wise, Raymond Santana e Kevin Richardson. Todos pretos, de 14 a 16 anos e um latino, também menor de idade.

Consternados, vemos que mesmo Korey Wise que não estava na lista da polícia e fora levado para acompanhar o amigo Yusef, foi parar na delegacia e passou a ser tratado como também suspeito de um crime do qual nenhum deles tinha a mínima ideia.

Foram todos interrogados por horas a fio sem direito a acompanhamento dos pais, dormir, comer, aterrorizados com tapas e safanões e gritos dos policiais.

E por que? Queriam inculpá-los em um crime terrível que acontecera na noite anterior no Central Park. Trisha Melli, uma jovem branca e bonita, fora violentamente atacada quando corria pelas alamedas mal iluminadas. Espancada e brutalmente estuprada, fora abandonada sangrando e quase morta.

Os meninos nada tinham a ver com esse crime mas, ao longo do interrogatório atordoante na delegacia e com a falsa promessa de que seriam soltos se assinassem uma confissão, se condenaram sem saber o que faziam. O medo da polícia brutal e a vontade quase irracional de poder sair daquilo que os massacrava sem piedade, fizeram com que os garotos não só assinassem documentos que os incriminavam mas, sendo filmados, não diziam com clareza o que tinha acontecido.

Foram dois julgamentos tensos que chamaram a atenção do público, da imprensa e TV. Donald Trump chegou a comprar por 85 mil dólares uma página inteira de todos os jornais de Nova York, condenando os meninos antes do julgamento, sem nada que provasse coisa alguma contra eles. Trump pedia a volta da pena de morte no Estado.

Foram todos condenados. A reformatórios os menores de 16 anos e Kevin Wise a uma prisão para adultos.

Chama a atenção a maneira como soam injustas e draconianas as regras que todo ex presidiário tem que obedecer. Até um emprego é difícil de se conseguir. E causa pena ver como sofre o entrosamento dos familiares com o preso ou mesmo quando sai da prisão.  As marcas das grades acompanham os garotos que tiveram sua juventude roubada.

A minissérie tem 4 capítulos e o último é o mais chocante, já que acompanha o sofrimento de Kevin Wise nas prisões pelas quais passou. Culpado por um crime sexual contra uma branca, ele é seguidamente espancado a ponto de pedir para ficar na solitária, longe dos outros presos.

O que começou em 1989 vai acabar em 2002 com a declaração de inocência para os cinco, agora homens feitos. O verdadeiro culpado confessa o crime cometido. Um milagre tardio.

Ava DuVernay diretora e co-roteirista nos arrasta pelos 4 episódios com uma tensão e ritmo bem escolhidos.

A história parece ficção mas trata-se de fatos verdadeiros, que colocam luz sobre o racismo e o preconceito instalado nas malhas da sociedade americana e o quanto isso é injusto e cruel.

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