Fogo no Mar

“Fogo no Mar”- “Fuocoammare”, Itália, França, 2016

Direção: Gianfranco Rosi

Este é um filme raro. Ganhou o Urso de Ouro no último festival de Berlim, apesar de ser um documentário, em meio a grandes nomes da ficção. É bem verdade que o diretor já vencera também em Veneza, levando o Leão de Ouro com outro documentário, “Sacro Gra”.

Outro fato notável. Não havia roteiro. Rosi já conhecia o que acontece em Lampedusa, uma ilha em meio ao caminho entre a África e a Sicília, porta de entrada para a Europa de imigrantes que fogem de guerras civis, seca e fome. É à procura de uma vida melhor que fazem a travessia e muitos tragicamente morrem, sem conseguir realizar o sonho.

O diretor, que faz tudo sozinho (filma, dirige e monta), viveu um ano em Lampedusa para realizar seu filme. Conheceu os habitantes da ilha e viu a chegada de barcos com gente doente e muitos mortos.

Diferente dos outros, seu documentário não tem narrador, nem entrevistas. Ele escolheu os personagens entre os que moram na ilha e os seguia com sua câmara. Parece até um filme de ficção, mas é tudo verdade.

Gianfranco Rosi, 51 anos, não quer explicar nada para ninguém. Não toma partido nem faz discurso. Deixa seus personagens falarem espontaneamente. E leva o espectador a entrar em contato com o assunto sem orientar seu olhar.

O fio condutor é a vida quotidiana dos ilhéus, pessoas simples como a família do menino que mora com os avós e que tem um tio pescador. Vemos o menino na escola, em casa comendo macarrão com lulas que o tio pescou e o seu empenho em perder o enjoo que sente no barco. Ele quer seguir a carreira da família.

Gosta de brincar que atira em tudo que vê passar voando e o vemos fabricando um estilingue. Desenvolve um quadro psicossomático.

O único médico da ilha é um homem bom que ajuda no que pode. Já viu muito sofrimento e mortes devidas a naufrágios em barcos dos imigrantes sem condições de enfrentar o mar. E mortes por doenças, inanição, desidratação e superlotação que empurra os mais pobres para o porão insalubre onde não há ar para se respirar.

Cenas onde vemos homens negros com capas de um material para aquecer do frio, fornecidas pelas equipes de resgate, criam ilusões na luz da noite, fazendo com que se pareçam com reis vestidos de ouro e prata.  

Talvez o fato de Gianfranco Rosi ter nascido na Eritreia, o que o faz um imigrante que teve êxito, o ajude na empatia e na esperança que mostra por aqueles sobreviventes.

Um mergulhador em apnéia que aparece em belas cenas no mar claro da ilha faz pensar que a natureza pode ser tanto um lugar aprazível como terrível.

O nome do filme inspira-se tanto numa canção de amor que o locutor da rádio toca para uma mulher ainda apaixonada pelo marido, quanto na história que a avó conta para o neto. Diz ela que durante a Segunda Guerra, os pescadores tinham medo de sair à noite com seus barcos. Porque os barcos de guerra soltavam foguetes sinalizadores que tingiam o mar de vermelho. Parecia fogo no mar, conta a velha senhora.

E pensamos nós em quantas desgraças o homem poderia ter evitado em seu caminho sobre o planeta. Há os que vivem, apesar das guerras e os que morrem lutando ou tentando escapar dos horrores dela. Poucos refletem sobre a possibilidade de tentar evitar as guerras e podermos viver em paz como aponta esse filme raro.

 

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