O Castelo de Vidro

“O Castelo de Vidro”- “The Glass Castel”, Estados Unidos, 2017

Direção: Destin Daniel Cretton

Já dizia Tolstoi, o grande escritor russo, na abertura de seu livro “Anna Karenina”: “Todas as famílias felizes são parecidas, as infelizes são infelizes cada uma à sua maneira. ”

A família de Jeanette era tão diferente das outras que as memórias dela viraram best-seller em 2005 e agora, filme de cinema, dirigido por Destin Daniel Cretton, do elogiado “Short Term 12” de 2013.

Brie Larson (que ganhou o Oscar por “O Quarto de Jack”) interpreta Jeanette Walls, a jornalista de fofocas sofisticada e elegante, que vemos sair de um jantar com o noivo (Max Greenfield) e convidados dele, num restaurante de Nova York no fim dos anos 80. No banco de trás do taxi, vê um homem bêbado e uma mulher revirando o lixo na calçada. Seu olhar se transforma e vemos nele horror e mágoa.

Quando o filme faz um “flashback” começamos a entender melhor aquele olhar da jornalista do “New York Times Magazine”.

Tudo que ela conheceu na infância foi uma vida de nômades com os pais boêmios e educação precária em casa, ministrada por Rex (Woody Harrelson, ótimo) um pai alcoólatra e sonhador, por vezes violento, que ela idolatrava. A mãe negligente com os quatro filhos, a pintora Rose May (Naomi Watts), era desligada da realidade e tão doente quanto o marido, com o qual vivia numa “folie à deux” ou seja, uma loucura compartilhada.

Ambos até percebiam o sofrimento dos filhos, mas não sabiam viver de outro modo. Havia sempre uma felicidade possível nos sonhos que o pai alimentava de construir uma casa linda, um castelo de vidro, onde a luz do sol reinaria e traria a vida tranquila e a paz desejadas.

Era grande a frustração das crianças quando, em nome desses delírios do pai deles, muitas vezes iam para a cama com fome. O sonho alternava com o pesadelo.

Mas as crianças são tão dependentes de pai e mãe que, mesmo quando essa relação deixa a desejar, se apegam àquilo que podem ter, porque é melhor que nada. E, quando há uma reversão de papéis, cuidam como podem do pai, como a pequena Jeanette fazia até a adolescência quando saiu de casa. Aliás as atrizes mirins Chandler Head e principalmente Ella Anderson, que interpretam Jeanette na infância, estão brilhantes no papel.

A palavra “aceitação” é usada por Jeanette Walls para falar dos pais. Apesar dos sofrimentos, ela diz que sempre se sentiu “amada e valorizada”.

“O Castelo de Vidro” não descamba para o dramalhão, embora a história beire o inacreditável. E mostra que, quando a realidade afinal pode ser vista cara a cara, aquelas crianças cresceram e se tornaram aquilo que queriam ou podiam, conforme seus talentos, ser na vida.

Ou seja, uma família infeliz ou disfuncional, não é desculpa para o fracasso. Cada um precisa lidar com a própria infância para tornar-se uma pessoa madura que, finalmente, depende de si mesma e de suas escolhas.

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  1. Luciana Alcantara disse:

    Comecei a assistir o filme sem nenhuma recomendação prévia. Li a sinopse, achei interessante e cliquei. Não esperava encontrar tanta profundidade em um filme, fora a intensa identificação com a personagem Jeanette, que lutou bravamente em prol de um objetivo: criar seu próprio caminho e ter sucesso profissional.
    Concordo com a sua colocação de que, ao crescermos, nos deparamos com a necessidade de realizar escolhas e nos responsabilizarmos por elas. Contudo, é extremamente desgastante (pra não dizer deplorável) ser criado por pais tão alienados e por vezes cruéis nesse contexto de imaturidade severa, num círculo vicioso que faz com que eles sejam sempre alvo de “cuidados”, de ressalvas, beirando a infantilidade.
    A criança que vive nesse contexto, inevitavelmente, vai carregar cicatrizes, que ora a tornarão mais forte, ora a desestabilizarão ao extremo.
    Chorei copiosamente nas cenas finais. Não queria ter me identificado tanto. Excelente condução e interpretação dos atores. Merece ser visto e replicado, inclusive em estudos.

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