O Segredo das Águas

“O Segredo das Águas”- “Still The Water”, Japão, 2014

Direção: Naomi Kawase

Quem fala de vida, fala de morte.

E é com delicadeza que a diretora e roteirista Naomi Kawase, 45 anos, filma a morte de uma cabrinha branca. A princípio, a cena assusta, porque não estamos mais acostumados com ela. Mas depois, abrindo os olhos com cautela, percebemos que o velho de barba e cabelos brancos fez aquilo com o maior cuidado e precisão. Ele acaricia a pele cor de neve. Não há maldade em seu gesto mas necessidade e respeito.

Naquela ilha, o mar de ondas enormes e belíssimas, lembra o Japão dos furacões, tufões e tsunamis. A natureza alí pode ficar bravia. Mas é o homem que maltrata a natureza e mata com crueldade.

Como morreu aquele ser humano que aparece boiando na praia, costas tatuadas?

Kyoko (Jun Yoshinaga), uma adolescente que está de uniforme de colégio, observa o afogado, junto a outros, silenciosos.

“- Deve ter sido um acidente”, diz alguém. “Aqui na ilha não acontecem crimes.”

A mãe de Kyoko (Miyuki Matsuda) está morrendo e ela está apaixonada por Kaito (Niijiri Murakami), um colega da escola com quem percorre a ilha de garupa na bicicleta dele.

Amor e morte.O ciclo da vida se transmite da mulher-mãe para a filha que poderá ser mãe e assim por diante.

O filme “O Segredo das Águas”, rodado na ilha de Amami, sul do Japão, é um filme que fala sobre o xamanismo. A avó da diretora era uma xamã, um ser entre os deuses e os homens, ligado à natureza e seus mistérios. Foi ela que cuidou de Naomi e o filme a homenageia.

A mãe de Kyoko é uma xamã e sua morte é natural e comovente. Cercada por habitantes da ilha, eles cantam e tocam músicas para ajudá-la a morrer feliz. E assim, consolam-se com a certeza de que a morte faz parte da vida e está destinada a todos os seres vivos.

Já o primeiro amor, é, por vezes, difícil de viver. Há medos e contradições no coração dos jovens.  Principalmente nos que não aceitam em si e nos outros, os desígnios da natureza.

Kaito está preso à mãe pelos laços primitivos de um Édipo que não permite que ele viva sua própria vida.

E como são lindas as cenas aquáticas, com Kyoko e Kaito mergulhando de mãos dadas no mar transparente.

A diretora japonesa concebe seu filme de maneira a nos conduzir a pensar que fazemos parte intrínseca da natureza, nossa mãe e que só em comunhão com ela seremos completos.

Um filme simples e poético.

Este post tem 0 Comentários

  1. Danian Dare disse:

    Talvez a delicadeza do filme se deva ao fato da direção e roteiro serem de uma mulher. Trata-se de um filme feminino, pela sua diretora, Naomi Kawase, pelo personagem principal. E como a natureza reina no cenário do filme, tornando-o ainda mais feminino. Já falaram que o cinema é feminino… O filme deve de ser muito belo e sensível, por sua descrição e pelas belas imagens. Continue indo ao cinema, cara Eleonora.

    • Eleonora Rosset disse:

      Danian querido,
      Se eu pudesse, iria ao cinema todo dia! Para assistir tudo e formar a minha avaliação. Porque faz parte dessa educação também ver filme que a gente não gosta.
      O que não é o caso de ” O segredo das Águas” um dos filmes de que mais gostei qdo vi na Mostra Internacional de Cinema de SP. E vc tem razão, Danian, em ressaltar o caráter feminino do filme, por seu assunto, a diretora mulher e a história das xamãs da ilha, que passam seus conhecimentos de mãe para a filha.
      Naomi Kawase fez uma bela homenagem à sua avó que a criou!
      Bjs

  2. Marli Assis disse:

    Prezada Eleonora Resset

    Prazer enorme ao me deparar com sua página. Parabéns pela iniciativa.
    Tenho graduação em psicologia, com formação em psicoterapia psicanatica/Usp. Sou psicóloga judicial do TJMG e também graduada em Direito e Mediadora.

    Atualmente presido o Instituto Brasileiro de Direito de Família /IBDFAM nucleo de Uberaba/mg

    Promovo um evento interdisciplinar mensalmente chamado Prosa em Família.

    O prosa em família acontece num Bistrot com no máximo 100 pessoas. Escolhemos um filme e os palestrantes a debater, normalmente 2 áreas e temas ligados ao direito de família. Uma interlocução com base na temática direito de família e os elementos pertinentes do filme.

    Sempre presente um profissional do Direito, membro do IBDFAM e de renome no Direito de Família. Tais profissionais recebem passagens e diária hotel. E profissionais de outras áreas para compor a interlocução

    Gostaria imensamente de contar com sua participação em um Prosa em família

    O Prosa é um evento que entrou para a agenda cultural de nossa cidade e acontece geralmente na última terça feira do mês

    Portanto, aguardo seu contato para uma conversa inicial

    Mais uma vez grata por compartilhar suas valiosas análises e dicas extraordinárias de cinema. Sou apaixonada por cinema e queria muito persistir com meus cursos em SP porque na saída sempre passava pelo Reserva Cultural na Paulista. Amo os filmes europeus.

    Abracos

    Marli Assis

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