Gainsbourg – O homem que amava as mulheres

“Gainsbourg, Vie Éroique”, França, 2010

Direção: Joann Sfar

Há uma sedução imediata do espectador frente às primeiras imagens do filme.

Duas crianças estão sentadas na areia da praia frente ao mar:

“- Posso segurar a sua mão? “pergunta o menino.

“- Não! Você é muito feio”, responde a menina de vestido vermelho que sai correndo.

Começa então uma virada magistral.

Um desenho animado mostra, numa profusão de movimento e cores, num traço delicado, Serge Gainsbourg mergulhando no mar onde, tanto ele quanto os peixes, fumam. Escorregando em imensas águas-vivas, ele cai sobre os tetos de Paris e voa sob a chuva.

A troca de registro do real para a vida onírica de fantasia encanta nossos olhos, ao mesmo tempo que indica de que maneira o diretor Joann Sfar vai desenvolver seu filme.

Um dos maiores nomes da história em quadrinhos na França, o jovem Joann Sfar, ele também judeu e admirador confesso de Gainsbourg, escreveu a história desse famoso e controverso personagem da cena do “showbusiness” em quadrinhos.

E fez a transposição dessa “bande dessinée”, como dizem os franceses, para a tela do cinema, nesse seu primeiro filme, que intitulou “Gainsbourg, Vie Éroique”. Para o novo cineasta, ele é, portanto, um herói e suas aventuras vão ser contadas de forma peculiar, misturando realidade e sonho, com personagens vividos por atores reais e outros criados por animação.

Sfar desenha um companheiro imaginário para Gainsbourg, que é uma caricatura dele e que o acompanha pelo filme, muito alto, enorme nariz, orelhas e mãos descomunais e o mesmo humor, por vezes perverso.

Vamos ver como o menino mirradinho e com orelhas de abano, Lucien Ginsburg, filho de judeus russos imigrantes, se transforma no polêmico e badalado Serge Gainsbourg, compositor e cantor francês que fez fama e manchetes de jornais, levando uma vida nada ortodoxa, cercado de belas mulheres, muito álcool, drogas e cigarros Gitaine. Morreu jovem, aos 62 anos, de ataque cardíaco, deixando mais de 200 canções que foram e são cantadas por intérpretes famosos como Yves Montand, Juliette Gréco, Vanessa Paradis.

A história começa em 1940, na França ocupada pelos nazistas. Bandeiras com as suásticas nas ruas de Paris, cartazes anti-semitas colados nos muros.

Os judeus são obrigados a colocar uma estrela amarela costurada à roupa.

O menino Lucien chega bem cedo ao lugar onde serão distribuídas as estrelas:

“- Esse menino quer a sua estrela antes de todos”, exclama o policial encarregado com ar de troça.

“- Essa estrela é sua, senhor. É o senhor que quer que eu use isso”, retruca Lucien.

“- Você é insolente”, rosna o homem.

“- Sou judeu. Lucien Ginsburg. Estudo na Academia de Belas Artes e conheço um oficial da SS. Quer que eu o apresente a você? Pode ser bom para a sua carreira.”

Além de insolente, Lucien era talentoso. Pintava, tocava piano e violão.

E foi aos 30 anos, dedilhando canções em um cabaré enfumaçado que conheceu Boris Vian, trompetista nas horas vagas e amigo dos músicos que tocavam na noite. Foi ele quem abriu as portas da boemia da Rive Gauche parisiense para Serge.

Foi nessa época que ele encantou a musa existencialista, Juliette Gréco (a bela Anna Mouglalis, “égerie” de Chanel) que cantou suas canções.

Mas a popularidade veio nos anos 60 quando France Gall, quase menina, de saia curta e meias ¾, interpreta na TV uma canção dele, “Les Sucettes”, chupando um pirulito. Malícia e duplo sentido. Sucesso imediato.

Brigitte Bardot teve um caso com Gainsbourg e a atriz Laeticia Casta, que foi ensaiada para o filme pela própria BB, encarna o maior símbolo sexual da França, com graça e beleza.

A cena onde ela, enrolada num lençol, canta “Comic Strip” com o ator Eric Elmosino, que faz um Gainsbourg mediúnico, é um dos pontos altos do filme.

Serge Gainsbourg casou-se com a inglesa Jane Birkin (Lucy Gordon que se matou trágicamente depois do filme, aos 29 anos). Foi com ela que ele gravou seu maior sucesso, a canção “sexy” que lotava as pistas das discotecas nos anos 70, “Je t’aime, moi non plus”. Sussuros e gemidos explícitos valeram a proibição da canção em alguns países.

Desse casamento, que durou 10 anos, nasceu Charlotte Gainsbourg, hoje uma das melhores atrizes do cinema.

O filme de Joann Sfar conta tudo isso em belas imagens e simpatia por Serge Gainsbourg.

“Não são as verdades dele que me interessam. São as mentiras”, escreve o diretor na tela, antes dos créditos finais.

Belo filme, grande homenagem a Serge Gainsbourg, um homem talentoso que viveu intensamente, como queria.

Este post tem 0 Comentários

  1. Sônia Clara Levi disse:

    CHAPEAU!! Eleonora pelo seu magnífico texto e leitura sensível sobre este filme que acabo de assistir. Há muito pouco o que acrescentar ao que vc escreveu tão bem.
    Serge Gainsbourg, transgrediu e viveu intensamente
    a vida que escolheu viver. Brigite Bardot, o ícone que alavancou sua notoriedade exibindo por assim dizer a sensualidade através da inesquecível canção “Je t’aime, moi non plus”. Trajetória de vida solar desse homem charmoso com cara de caricatura servindo como ninguem ao crayon e
    olhar original do fantástico Joann Sfar. Imaginamos os desenhos em quadrinhos em “movimento” que ele levou para a tela e com ela segue esse filme entre o real e o onírico como vc disse.
    É um filme que me enlevou e fez um rewind maravilhoso até aquela época!
    bjs,
    Sonia Clara

  2. Eleonora Rosset disse:

    Sonia Clara querida,
    Soberbo, né?
    Esse ator que parece gêmeo do Serge Gainsbourg, as atrizes tão lindas, os desenhos surreais… Enfim, impossivel não gostar.
    Obrigada pela presença assídua e charmosa!
    Bjs

  3. Carolina disse:

    Olá!
    Vi sua parte na coluna do jornal e quis muito conhecer seu blog. Vou anotar muitos filmes que ainda tenho que ver e que estão aqui. Aliás, adoro filmes estrangeiros, principalmente os que circulam pela Europa.
    E não podia deixar de comentar que quero ver esse filme do Serge Gainsbourg logo, certo? Acho ele um gênio e a música Je t’aime, moi non plus na propaganda da Dior me conquistou.
    Parabéns pelo blog.
    Beijo,
    Carol.

  4. Eleonora Rosset disse:

    Carol bela,
    Delicia ter vc nos comentários do blog!
    Mts bjs

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