Vício Inerente

“Vício Inerente”- “Inherent Vice”, Estados Unidos, 2015

Direção: Paul Thomas Anderson

Sei que muita gente vai sair do cinema e dizer que não gostou, que não entendeu nada. Bem, eu precisei ver duas vezes para entender o que tem que ser entendido.

Basta ter paciência e pesquisar um pouco.

Paul Thomas Anderson, ou PTA para os cinéfilos, tem 44 anos e é considerado um dos diretores mais criativos da cena atual.  Bastaria citar “Magnólia”1999, “Sangue Negro”2007 e “O Mestre”2012, para quem gosta de cinema saber de quem se trata.

Só que “Vício Inerente” tem algo diferente. PTA adaptou para o cinema um livro de um autor “cult” americano, que ninguém achava possível colocar em imagens.

Thomas Pynchon, 77 anos, premiadíssimo, não dá entrevistas, não tem foto atual e faz mistério sobre onde ele mora. Mas sabe-se que ele viveu nos anos 60 e início dos 70, do século passado, numa praia da California, onde adotou um estilo de vida “hippie”. Seu livro “Vício Inerente” tem, portanto, a qualidade do vivido. E, como todos os livros do autor, é escrito com uma estrutura complexa, com ligações e referências a muitos assuntos diferentes e personagens que parecem saídos de uma viagem lisérgica.

PTA, admirador de Pynchon, resolveu filmar o livro, reservando-se o direito de colocar no roteiro aquilo que achou mais relevante.

A ação se passa na California, Gordita Beach, início dos anos 70, quando o modo “hippie” de ser estava saindo da moda, a guerra do Vietnam matava garotos e o grupo de Charlie Mason assustava o sonho americano.

O personagem principal é um detetive particular, Doc Sportello (Joaquim Phoenix, doce e extraordinário), que fuma baseados o tempo todo, “para clarear a mente”, explica.

Visitado por sua ex-namorada e sempre amada Shasta Fay (Katherine Waterston, bela e sexy), fica sabendo que ela namora um grande empresário do ramo imobiliário, Mickey Wolfmann (Eric Roberts). Ela pede ajuda a Doc porque acha que a mulher de Wolfmann montou um esquema com seu amante, para internar o marido e roubar todo o dinheiro dele.

A história principal é logo embaralhada com várias outras, às vezes perdidas no meio do caminho, com personagens surreais. Assim, desfilam na tela o policial “Big Foot” (Josh Brolin) que adora bananas cobertas de chocolate, fazendo o durão mas que é frágil e inseguro como uma criança na casa dele, os participantes da Fraternidade Ariana que tem negócios com os Panteras Negras, a prostituta oriental Jade que comanda uma casa de massagens e pede que Doc tome cuidado com o Canino de Ouro, algo que não se sabe o que é, o advogado de Doc (Benicio Del Toro) que parece ser o único a entender o que acontece, um casal que se droga muito (Jena Malone e Owen Wilson), a namorada de Doc que trabalha na promotoria (Reese Whiterspoon), o priápico dr Rudy que chefia um sindicato de dentistas que atende viciados em heroína, com dentes corroídos. Só para citar alguns dos personagens.

A sensação de confusão invade nossa mente e ficamos meio em transe, procurando entender aquilo que sempre nos escapa. Perdemos ou esquecemos de algo importante? Essa é uma possível identificação do espectador com um drogado como Doc, cuja mente não foca  em nada por muito tempo. Se nos deixarmos ir, acontece uma imersão num universo alucinante, paranoico e delirante. É tudo verdade ou eu sonhei?

A única coisa que permanece é o amor por Shasta que nunca abandona Doc. O “vício inerente”, que é um termo que se usa em seguros marítimos para indicar o que não se pode evitar. A voz suave e envolvente da narradora, a cantora e harpista Joanna Newson, chama a atenção para essa ligação forte e cármica.

Coragem. Enfrente esse filme difícil e empolgante e troque um olhar verde e cúmplice com Joaquim Phoenix na cena final.

Este post tem 0 Comentários

  1. Rodolfo Muller disse:

    Um filme que deve surpreender devido aos inúmeros focos . Vou ter que assistir mais de 2 vezes . Porem , vale a pena tentar entender !! Obrigado .

    • Eleonora Rosset disse:

      Rodolfo querido,
      Não precisa ver duas nem três vezes. Vai por mim. O que é importante é a vida deles, o amor dos dois. O resto é pano de fundo e para talvez lembrar que a gente perde muito tempo com bobagem e que o que resta para viver é muito pouco…
      Bjs

  2. Leda Ledusha disse:

    resenha especialmente ótima, querida! mesmo sem ter visto o filme ainda, achei bacana essa sacada:”Essa é uma possível identificação do espectador com um drogado como Doc, cuja mente não foca em nada por muito tempo. Se nos deixarmos ir, acontece uma imersão num universo alucinante, paranoico e delirante.” o filme podendo ser uma viagem na mente de um sujeito como o personagem Doc. tb adoro joaquin phoenix. bjs

    • Eleonora Rosset disse:

      Ledusha meu amor,
      Até comprei o livro para conhecer esse autor que o PTA tanto adora! Mas eu achei mesmo que o clima do filme é o de uma viagem lisérgica. Ele até escreve umas coisas no caderninho dele para nâo esquecer rsrsrs Típico!
      Vá ver o filme e se deleitar com o Joaquim Phoenix!
      Bjs

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