45 Anos

“45 Anos”- “45 Years”, Reino Unido, 2015

Direção: Andrew Haigh

Um estranho ruído chama a atenção dos mais atentos, antes de começarem as imagens na tela… Seria um projetor de slides?

Mas, esquecemos esse detalhe quando aparece a paisagem inglesa com tons de aquarela. Uma casa frente a um campo e bosques de folhas verde claro, em meio à neblina da manhã. Pássaros cantam e uma mulher enérgica (Charlotte Rampling, sempre diva) caminha com seu cão, um belo pastor alemão.

Ela volta para casa e, no jardim, encontra o jovem carteiro:

“- Bom dia, Sra Mercer!”

“- Acordou cedo hoje?”, diz ela sorrindo com a boca e com os olhos, o rosto mostrando as rugas da idade mas também a beleza que ali permaneceu.

“- São os gêmeos. Não me deixam dormir… E a festa é sábado, Sra Mercer?”

“- Chame-me Kate. Não estamos mais na escola. Estou felicíssima por vocês dois!”, diz com simpatia para o pai recente.

Entra em casa, tira o casaco, passa a mão nos cabelos curtos e vai para a cozinha. Na mesa, de óculos, cabelos brancos, o marido lê (Tom Courtenay). Parece preocupado, mas ela não nota:

“- Que tal aquela música dos The Platters? Nossa primeira dança? Acha bom?”

Eles vão celebrar 45 de casados, com uma festa. Kate está tão entretida pensando nisso que, de início, não percebe o clima que envolve o espírito do marido, Geoff.

“- O que é isso?” pergunta ela, olhando um papel que ele tem nas mãos.

Aquela carta vai ser responsável pela enxurrada de emoções que vai invadir aquele casal. Na semana da festa de 45 anos, eles vão questionar o vínculo harmonioso, amigável e amoroso que os unia até então.

Kate vai ter que lutar contra o ciúme, a suspeita, a dor de se sentir menos amada do que outra mulher e o pesar de se ver no espelho como ela é agora. O tempo pesa, de repente, sobre aquela que parecia tão segura de si.

E Geoff entra de cabeça numa volta ao passado, relembrando Katya, a moça morta nas montanhas, num acidente há 50 anos atrás, quando ele nem conhecia Kate.

“- A carta diz que, como a neve derreteu, dá pra ver o corpo dela dentro do gelo…” comenta ele.

À noite, no sótão da casa, primeiro Geoff às escondidas, depois Kate, vão procurar as fotos e os slides daquela viagem. Ele está atrás de sua juventude enquanto Kate se depara com uma amargura que lhe é estranha.

E então, ela começa a se questionar. Onde está o seu marido? Quem é aquele que visita a geleira e, em pensamento, olha o corpo de uma jovem que ele amou, quem sabe mais do que jamais amou a ela?

As vidas paralelas, que poderiam ter sido vividas, assombram aqueles dois.

Baseado num conto de David Constantine, o filme “45 Anos” tem roteiro e direção de Andrew Haigh, 42 anos. Apresentado no Festival de Berlim desse ano, recebeu críticas elogiosas e o Urso de Ouro de melhor atriz e ator foi para a dupla que representa o casal, Charlotte Rampling, que dispensa adjetivos e Tom Courtenay que consegue fazer uma boa parceria com ela e tira lágrimas do público com seu Geoff.

Um filme comovente, simples e complexo, como a vida.

Este post tem 0 Comentários

  1. Rodolfo Müller . disse:

    Um filme marcante , onde as voltas ao passado nem sempre são interessantes !! Lembro das mulheres que fizeram parte de minha vida e agradeço sempre elas terem feito parte de minha historia . Porem , penso muito no lindo presente .

    • Eleonora Rosset disse:

      Rodolfo querido,
      O passado nunca deixa de existir na nossa cabeça, principalmente qdo ficamos mais velhos… Mas é o presente que precisa ser vivido!
      Esse filme tem no passado apenas uma desculpa para a crise do casal. Os dois ficam mexidos com a comemoração de 45 anos. E ela mostra que é ressentida…
      Mas acho que é normal casais passarem por crises.
      Bj grande

  2. Katia Frazao disse:

    Filme simples e altamente complexo. Lindo de ver os diálogos do casal antes de dormir. Relações que realmente acredito em longos casamentos:amizade,parceria e cumplicidade.Quando ela percebe que ele poderia ter amado mais a Katya e casado com ela o cristal se quebra e nem o discurso e as lágrimas dele na festa “curam esta dor”Concordo com vc que ela é muito ressentida,mostra isso no último gesto da dança ! Filme intenso como bons filmes europeus. Adoro ler suas resenhas. Bjs. Katia

  3. rita moreira disse:

    Vim olhar seu blog, finalmente, e gostei do modo como descreve, com clareza, o filme 45. Também gostei muito do filme. Um filme bem “literário”, impregnado de sensações e sentimentos sutis– revelados pela magnífica interpretação dos dois. O rosto dela no final da festa, mostrando a dor que não conseguiu ir embora…
    Legal seu site. V. é ótima comentarista!
    bj Rita

  4. Michelle Moraes disse:

    Achei o filme comovente e pensei a escolha pela Kate, como continuação da Katya. O cabelo escuro qdo jovem, as musicas e a opção dele por não terem filhos. Em um dos slides parece que estava grávida? São vários filmes em um só.

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