Abutres

“Abutres” – “Carancho”, Argentina, 2010

Direção: Pablo Trapero

Grande “close” em preto e branco em caquinhos de vidro espalhados pelo asfalto… E, logo, na tela a informação fria e chocante: “Na Argentina morrem 22 pessoas por dia, 683 por mês e mais de 8.000 por ano em acidentes de trânsito. São 100.000 mortes na última década. Essa é a principal causa de morte em pessoas com menos de 35 anos.“

E isso em um país com um pouco mais que 36 milhões de habitantes, dos quais 50% se concentra em Buenos Aires.

Finaliza o texto da tela: “Isto sustenta um negócio milionário de indenizações.”

Pablo Trapero, o talentoso diretor argentino de “Leonera” (2008), em seu sexto longa, escolheu fazer um filme- denúncia sobre a máfia que se interpõem entre as pessoas acidentadas no trânsito e as companhias seguradoras. É essa máfia que lucra com todo o horror.

“Abutres” é um filme duro. Incomoda. Machuca. Vamos descer ao mundo da dor, do desespero e da morte.

E aqui, o homem é o lobo do homem. Ou o abutre, se quiserem. Se bem que o homem é, e sempre será o pior dos animais, ao escolher fazer conscientemente o mal a seus semelhantes.

O diretor Pablo Trapero mostra sua excelência, criando com sua câmera, um clima de intimidade forçada, com enquadramentos em “closes” fechados. Ele entra de esguelha para melhor mostrar/ esconder a cena. Corta corpos, invade, mutila. Não pede licença. E estremecemos na cadeira…

Ricardo Darín, o mais famoso ator argentino – atuou em “O segredo dos seus olhos” que ganhou o Oscar de melhor filme estrangeiro no ano passado – é Sosa, um advogado que perdeu sua licença e que agora decai. Seu papel é feio. Cabe a Sosa convencer o acidentado, ou a família do morto, que ele defenderá os direitos deles e conseguirá uma boa recompensa da companhia seguradora.

As vítimas são ignorantes, indefesas, estão fragilizadas e Sosa faz o trabalho sujo. Vai enganá-las e enriquecer o patrão mafioso.

Para conseguir ganhar suas comissões, Sosa tem que procurar clientes. Ronda delegacias, alicia cúmplices em ambulâncias que atendem os acidentes, fica esperando acontecer o pior em cruzamentos perigosos.

Vive de noite para conseguir sobreviver…

Chega até mesmo a causar fraturas e ferimentos graves em um amigo que ele tenta ajudar a ganhar uma indenização.

E Sosa passa, além disso, por maus bocados. Nem sempre o dinheiro arrecadado agrada ao patrão, que manda seus capangas surrá-lo.

Será que o amor pode habitar nessas paragens sombrias?

Martina Gusman (que é mulher do diretor Trapero) faz o anjo caído, Luján. Médica, que trabalha numa policlínica para traumatismos graves, atende seus pacientes no local do acidente e os leva de ambulância para o pequeno hospital, pobre e sujo. Faz o que pode. E tem um segredo que a faz padecer. Ela também é vítima de um inferno.

Sosa e Luján se encontram em um desses acidentes e a atração é imediata e fatal. Ela, cujas olheiras negras não são só de cansaço, parece despertar ao toque do olhar de Sosa. Intenso e comovente, o amor dos dois enche a tela de esperança. São breves momentos de sol e risadas.

Mas não há volta quando as coisas foram longe demais. E os limites se impõem, com a crueldade cega do inevitável.

Pablo Trapero teve o seu filme indicado para representar a Argentina e concorrer ao Oscar do ano que vem como melhor filme estrangeiro.

Mas seu maior prêmio foi conseguir que o sucesso de público e o choque causado por “Abutres” na sociedade argentina, levasse o Congresso a discutir mudanças nas leis que regem os seguros sobre os acidentes de trânsito.

Disse Trapero em São Paulo durante a Mostra:

“É importante que não exista só o mundo do cinema- festivais, críticas, etc – como exista também a possibilidade desses filmes viverem fora desse universo e se tornarem testemunhas de uma época, de uma situação.”
“Abutres” é um filme que passa o seu recado com sucesso.

Este post tem 0 Comentários

  1. Sylvia Manzano disse:

    Como eu não assisti o filme, fico sp pensando q não vou escrever.
    Qdo vejo a foto, fico pensando q não vou dizer q está linda, pq isso já virou redundância.
    Qdo leio o texto e – neste caso aqui – fico tentando não dizer que a Eleonora é mto corajosa, pq acho q eu não teria coragem de assistir este filme.
    E, me lembrei de uma poesia do Drummond, q certa época de minha vida, eu escrevia em todas as portas de minha casa:
    “Eu não devia te dizer
    mas essa lua
    mas esse conhaque…
    botam a gente comovido como o diabo”

    Então, eu acabo escrevendo.

  2. Eleonora Rosset disse:

    Sylvia querida,
    Vc nunca me falta! Continue seguindo Drummond.
    Bjs

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