Além da Vida

“Hereafter”, Estados Unidos, 2010

Direção: Clint Eastwood

Existe vida depois da morte? Todas as religiões que apareceram para responder a essa pergunta, feita desde tempos imemoriais pela humanidade, professam que sim. Mas será que essa resposta, que pacifica o nosso narcisismo em busca de continuação, realmente nos ajuda?

No novo e maravilhoso filme de Clint Eastwood, “Além da Vida”, são contadas três histórias com personagens que vivem a proximidade com a morte.

Em duas dessas histórias, vemos que nem sempre há paz e aceitação quando a pessoa crê que a nossa vida não termina com a morte. Acontece muitas vezes quando se perde alguém querido. Há uma obsessão, em alguns, a querer comunicar-se com o ente amado, que acaba impedindo o trabalho do luto. Daí a velha profissão do vidente charlatão.

É o caso do menino Marcus (Frankie McLaren) que perde seu irmão gêmeo Jason (George McLaren) e não se conforma. De tanto procurar, e se decepcionar, acaba conhecendo o vidente George (Matt Damon), para quem o dom de comunicar-se com os mortos (porque é o que ele acredita que acontece), torna-se uma maldição da qual ele quer se livrar. Os dois vão viver uma experiência de solidariedade que vai ajudar a ambos.

A outra história envolve uma jornalista francesa (Cécile de France) que se atormenta com o que virá depois da morte. Ela enfrentou um tsunami e teve uma experiência de morte e volta à vida, com visões de vultos e sensações estranhas, que ela precisa entender. Larga o trabalho e faz uma peregrinação em busca de respostas científicas para o assunto. E escreve um livro que vai resgatá-la, de maneira inesperada, para o amor.

E esqueçam os filmes-catástrofe tipo “2012”. Porque “Além da Vida” começa com a cena de um tsunami, concebida por Michael Owens, com tal perfeição, que é de gelar os ossos.

Quando houve a tragédia no Natal de 2004, o mundo inteiro se comoveu e se amedrontou com as fotos e filmes que chegavam às TVs e jornais, com cifras assustadoras de mortos.

Quem, a partir daí, não imaginou a cena do mar se retraindo e voltando sob forma de onda gigantesca e mortal?

Pois a concepção do tsunami no filme de Eastwod merece Oscar. Vai além da visão óbvia e terrível, porque faz com que a gente se identifique com a jornalista Marie e afunde também naquelas águas revoltas em que tudo se mistura. Compreendemos que o ser humano que se debate para vir à tona, não luta só com a água. Tem que enfrentar tudo que vem na enxurrada gigantesca para vencer a morte.

E a verdade é que a morte nos assusta. Sabemos que ela é certa. E que vamos lutar muito contra ela.

Talvez por isso ela se agarre a nós como uma idéia fixa de vencê-la (como a jornalista Marie), ou ela nos deixa sós e como defesa queremos negá-la (como o gêmeo Marcus) ou há quem tenha nela um motivo para entrar em contato com pessoas (como o vidente George).

O roteiro de “Além da Vida” é de Peter Morgan que escreveu também “A Rainha” (2006) e “A Outra” (2008). Foi inspirado em um livro de uma jornalista britânica, escrito depois da morte de sua irmã. Desconsolada, ela recorreu a todo tipo de médiuns, videntes e paranormais e disso resultou o livro.

O roteiro passou por várias mãos até chegar a Steven Spielberg, que tentou reescrevê-lo, mas que acabou por mandá-lo intacto a Clint Eastwood que em dois meses começou a filmagem.

“- Acredito muito em primeiras impressões. Quando algo o atrai não há porque desenvolver a idéia e matá-la”, explica o diretor em entrevista citada na Folha.

E acrescenta:

“- Gostei de como as histórias convergem. E o herói reticente é sempre interessante. O herói que não aprecia o dom que tem.”

Como sempre, é o próprio diretor que cria a música original para o seu filme, usando também com beleza trechos do Concerto para Piano de Rachmaninoff.

Clint Eastwood acertou mais uma vez. Trata o tema da morte com uma curiosidade sadia, sem tentar nos impingir respostas prontas.

Parece que o fato de estar mais próximo dela do que alguns de nós espectadores, faz Clint Eastwood, do alto de seus 80 anos, encará-la como algo que nos devolve o prazer de viver.

“Além da Vida” nos mostra que encontros de vida são mais preciosos porque possíveis. E enfatiza que a vontade de viver é o melhor dom que podemos possuir para aproveitar o tempo que temos.

O resto? É silêncio, como já dizia Shakespeare.

Este post tem 0 Comentários

  1. seramigo disse:

    Eleonora,
    A partir desse seu texto sobre a MORTE:
    ”Talvez por isso ela se agarre a nós como uma idéia fixa de vencê-la (como a jornalista Marie), ou ela nos deixa sós e como defesa queremos negá-la (como o gêmeo Marcus) ou há quem tenha nela um motivo para entrar em contato com pessoas (como o vidente George).”(sic)…
    vi também no filme o relato do “Hereafter”, “here/aqui-agora”, de vivências, experiências e o “after/depois” com todas as incógnitas e dúvidas de muitos, e a certeza de outros tantos. Quem é que sabe?!
    O importante é que no “livro-filme” há espaços para todos. Conceitos, Preceitos e “Pré-conceitos”. O filme mantem intactos todos os sofrimentos de busca e realização. Enfantizando a beleza da mão cinematográfica do diretor Clint, como vc destacou. Uma pessoa com 80 anos poderia forçar na mão, mas respeita tudo e todos. Até mesmo os charlatães, esses explorando as carências culposas dos que não conseguem “vivenciar o luto”,como vc diz.
    Os charlatães deixarão de existir se as pessoas HERE, não se sentirem tão angustiadas com os que foram ou com o que seremos no AFTER. Depois?! Caput! Seremos o que deverá e/ou poderá ser.

    Muito interessante a autora do livro, agora filme, ter visitado todos os personagens e pontos que pudessem explicar o “here” o “after” na morte de sua irmã. E ter colocado essa busca na figura de uma criança, um garoto procurando a possível verdadeira Comunicação entre os charlatães. E ter reservado para ela, como jornalista, a busca pelos documentos de relatos, assim como o contato com a clínica da médica, que provavelmente seria Elisabeth Kubler-Ross, (8/7/26 a 24/8/04), psiquiatra Suíça que escreveu o livro, considerado inovador, “On Eath and Dying”, e eleita em 2007 p/ o National Women´s Hall of Fame, USA. (segue)

  2. seramigo disse:

    (2ªp). O sofrimento do vidente (matt demon) era não se sentir normal como os outros, vendo-se possuidor de um DOM ESPECIAL. Até simpatizava com a idéia de fazer bem aos outros, talvez por isso eventualmente cedia à solicitação de fazer a COMUNICAÇÃO. Ligando pouquíssimo para o dinheiro. É que o toque de mão o tirava da normalidade, de não ser igual aos outros, impossibilitando, na sua percepção, de ter uma namorada como os demais.
    Confirma seu medo, a descontinuidade do contato com a colega das aulas de culinária italiana, pós o ritual da Comunicação.
    Reforçava também sua distinção dos demais, o fato de conhecer e apreciar mais Charles Dickens quando todos gostavam de Shakespeare.

    “Em sendo seu esse espaço-blog”, Eleonora, ouso algumas teorias, em forma de hipóteses, sem respaldo científico ou evidências médicas.

    PRIMEIRA: a comunicação com os mortos era feita pelo médium através do toque de mão que provocava um estouro, – lembra? -, tipo “flash de big bang” criando uma espécie de “passagem”, que nada mais nada menos era a captação de uma energia; uma espécie de “plugada” na corrente de energia. O que sabemos disso?! Respeitando muito a teoria espírita da “Comunicação com os mortos”, minha hipótese é que sua capacidade sensível captava exatamente a carga concentrada de necessidades que o consulente lhe transmitia através da projeção mental. Como se o interlocutor estivesse projetando “o pensamento em voz alta”. Por mais descrentes que sejamos, é sabido, que o Humano, na sua História tem espécies e talentos, os mais refinados e diferentes da grande maioria da normalidade.

    OUTRA TEORIA: sobre as luzes, imagens em sombras e quietude descritas por pessoas que visitaram os portais da passagem e retornaram.
    Quem sabe, – novamente “hipótese” – essa quase unanimidade de sensação não se reporte à primeira passagem, (a do parto), registradas em nosso inconsciente ao nascer e retornando no momento da passagem final. Enfim, registros da quietude do ventre, da “luz no fim do túnel” e das sombras do mundo que se discortinam.

    Filme perfeito, mostrando a preocupação com nossa “portabilidade” , para usar uma linguagem cibernética, por essa VIDA, até que Alguém ou Algo a “desplugue”. Fico na torcida que seja tipo um “pen drive”, criando a expectativa de que estaremos sendo transportados para outra máquina de universo, quem sabe, outra dimensão. Good trip!
    Enquanto isso não acontece, fico com sua percepção, Eleonora, sobre o filme.
    O AFTER, “…a vontade de viver é o melhor dom que podemos possuir para aproveitar o tempo que temos…”, HERE!. Aí, as comunicações acontecem e as relações fazem seus milagres de VIDA, como sugere o final do filme.

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