Alias Grace
“Alias Grace”- Idem, Canadá, 2017
Direção: Mary Harron
É tudo verdade? Um duplo assassinato foi a causa de uma sentença de enforcamento e outra comutada por prisão perpétua. Mas o que foi que aconteceu? Quem é Grace Marks a acusada de um dos assassinatos, que assinou Mary Whitney na confissão?
Ela tinha só 15 anos quando veio da Irlanda com a família para o Canadá, em 1843, a mais velha de cinco irmãos. Num navio que quase naufraga, assiste a morte da mãe e vê ela ser jogada no mar, ficando à mercê do pai violento, abusivo e alcoólatra.
Chegando em Toronto, Grace (Sarah Gadon) vai procurar uma amiga, Mary Whitney (Rebecca Liddiard) e consegue um emprego na casa aristocrática onde a outra trabalha. O salário magro vai ser enviado para os irmãos mas ela vai ter um teto e comida.
Grace é pequena e bela. Tem uma delicadeza natural e grandes olhos azuis, que mantem sempre baixos. Dormir na mesma cama que a amiga, escutar suas histórias, rir e receber o seu afeto marcou um período abençoado em sua vida.
Infelizmente ser mulher, em qualquer época, foi sempre difícil e ainda é. Um aborto sanguinário leva Mary que murmura suas palavras finais para Grace:
“- Deixe-me entrar…”
Sem tempo para chorar seu luto, Grace tem que fugir do assédio do filho da dona da casa. Desde então Grace não foi mais a mesma. Aceita um novo emprego sem saber nada sobre o novo patrão. Nancy Montgomery (Anna Paquin) oferece um lugar na casa onde trabalha como governanta. Ela aceita sem pestanejar.
E foi lá que tudo aconteceu. E Grace foi parar no hospício, depois da confissão escrita pelo advogado e da sentença de morte comutada, a qual ela assinou com o nome da amiga morta. Grace dizia que não se lembrava de nada.
Os sofrimentos indizíveis sofridos tanto no hospício quanto na prisão por já 15 anos, certamente produziram marcas indeléveis na pobre Grace. Inocente ou culpada, nem ela sabia o que acontecera. Cabisbaixa e calada era como uma sombra.
Mas uma reviravolta do destino acontece e um comitê de pessoas aparece querendo ajudá-la. E um psiquiatra, doutor Jordan (Edward Holcroft), entra na vida dela.
Começam as entrevistas diárias, ela trazida da prisão para a casa do governador. A ideia era descobrir a verdade. E escrever um relatório a favor da inocência de Grace.
Esse é o centro e o coração da minissérie, adaptada de um livro de Margareth Atwood de 1996. A produtora e roteirista Sarah Polley, conseguiu comprar os direitos depois de uma luta que levou anos. Em seis episódios a história de Grace é contada por ela mesma.
O médico é o primeiro que escuta Grace sem tentar influenciá-la. E o que ela conta é totalmente diferente da confissão que ela assinara como Mary Whitney, como se Grace fosse seu pseudônimo, seu “alias”.
Durante as entrevistas ela costura uma colcha em “patchwork”, feita de pequenos quadrados que juntos formam um desenho. Metáfora para pensarmos sobre o mundo interno de Grace estilhaçado e agora sendo refeito através da narrativa cronológica dos acontecimentos?
Nossa mente se atrai por esse relato de Grace. Dúvidas que surgem sobre o que ela conta são descartadas para novamente pensarmos se aquilo é verdade ou criação da imaginação de uma mentirosa?
Na verdade, a pergunta é: quantas Graces há nela?
Esse relato bem construído fala a favor da inocência dela ou há distorções da verdade? Há em Grace uma cisão? Dupla personalidade? Histeria? Ou apenas o resultado de tudo que ela passou na vida e que, por acaso a envolveu, sem realmente ela querer tais acontecimentos?
E o doutor Jordan era o único que ouvira uma história que tanto poderia ser o que Grace vivera, quanto totalmente inventada. Não havia testemunhas vivas.
Ele diz para o reverendo (o diretor David Cronemberg) que o contratou:
“- Com tantos sofrimentos e uma vida roubada, quanta raiva deve estar guardada nos porões de sua mente? “
Razões haviam. Mas seria ela capaz de matar?
Excelentes atores. Sarah Gadon é dona de uma interpretação brilhante. Direção e o roteiro impecáveis e uma história fascinante.
Não perca.