Cicatrizes
“Cicatrizes”- “Savovi”, Sérvia, Eslovenia, Croacia, Bosnia e Herzegovina, 2019
Direção: Miroslav Terzic
Sensação de impasse. Um muro à nossa frente. Ou serão colunas enormes? Se for, dá para passar entre elas. Tais pensamentos me foram sugeridos pela imagem pesada na tela. O obstáculo.
Quando aparece uma mulher, pequena, ela faz ainda maior esse cenário. Durante o filme todo vamos seguir essa mulher que procura algo perdido. E ela não descansa.
Depois de segui-la por itinerários diversos, mas sempre os mesmos, finalmente descobrimos que ela tenta desvendar um segredo: onde está meu filho?
Ela traz na alma uma cicatriz que não pode esconder.
Há 18 anos ela dera luz a um menino que foi dado como natimorto. Mas ela não se conforma. Algo muito verdadeiro e forte é seu guia: instinto materno? Mas o nome disso não importa. É uma certeza interna que a faz mover-se e procurar, indagar, espionar. É tida como louca e chega a ser mandada para um hospital psiquiátrico.
E Ana (a esplêndida Snezana Bogdnovia) aprende a se esgueirar e falar pouco. Ao seu redor, todos tentam dissuadi-la a parar com essa loucura e viver a vida. Ninguém aguenta mais tantas perguntas. Nem mesmo a polícia que a ameaça com prisão.
Mas Ana não se amedronta. Quando sua irmã, que está com ela em sua humilde oficina de costura em Belgrado, pergunta:
“- Mas Ana, afinal o que você quer? ”
“- A verdade ”, responde.
O marido Jovan (Marko Bakovic) e a filha Ivana (Jovana Stojiljkovic) convivem mal com essa obstinação de Ana. Mesmo calada, está escrito em seu rosto grave e em sua postura ereta, que não irá desistir de lutar pelo que acredita.
Ana não pode viver o trabalho do luto porque pensa, se meu bebê estava morto, por que não me mostraram o corpo? Onde está enterrado? Ninguém sabe. Não há respostas. E isso alimenta a suspeita daquela mãe obstinada de que seu filho está vivo e irá encontrá-lo.
Linda e emocionante a cena em que cansada, ela se senta ao sol e fecha os olhos. A câmera mostra uma mãozinha que procura a dela e se juntam por um momento. O semblante de Ana se descontrai e há um instante de intensa felicidade.
Com esse sentimento tão forte no coração como pode Ana desistir?
O segundo longa de Terzic se baseia em fatos reais e um texto no final conta que esse é o drama de 500 famílias que até hoje buscam seus filhos, roubados e vendidos.
Um drama sem gritos, nem cenas fortes. De quando em quando Ana chora silenciosamente. Ela também expressa o sentimento geral de que os sérvios são um povo sofrido e que muitas injustiças aconteceram com aquelas pessoas, os sobreviventes.