Desobediência

“Desobediência”- “Disobedience”, Inglaterra, Irlanda, Estados Unidos, 2018

Direção: Sebastián Lelio

O velho rabino Rav Kruschka (Anton Lesser) fala para sua comunidade de judeus ortodoxos na sinagoga no norte de Londres. E o assunto é a “Criação” e a liberdade. Diferente dos anjos e dos animais, seres que seguem o plano em que “Hashem” os criou, o homem e a mulher podem desobedecer, diz ele.

“- Hashem nos deu livre arbítrio. Ele nos deixou escolher…”e, não conseguindo terminar sua fala, cai morto.

Assim começa o filme “Desobediência”. E está colocada a questão para uma reflexão através dos personagens que vivem o drama da história a ser contada.

Em Nova York, Ronit (a bela Rachel Weisz, Oscar pelo filme de Fernando Meirelles, “O Jardineiro Fiel”), uma fotógrafa famosa, recebe uma estranha ligação. O que ficou sabendo que a tirou completamente fora de seu eixo?

Foge para um bar, bebe e transa com um homem desconhecido. Parece desnorteada. Depois vai patinar no gelo com um semblante grave e olhos vazios. Até que, sentada, tira os patins e rasga sua camisa. Tomou uma decisão. E a vemos num avião.

Seu destino é o norte de Londres, uma rua tranquila, casinhas geminadas. Bate na porta de uma delas:

“-  Dovit está? ”

E vem atendê-la um jovem rabino (Alessandro Nivola, excelente):

“- Ronit! Não esperávamos você…”

Ela ensaia um abraço mas recua a tempo. Rememora quem está à sua frente. Não mais o amigo íntimo da juventude, o discípulo mais próximo do pai dela, o rabino Rav, mas alguém que talvez ela não conheça mais.

Entra na casa e mulheres de peruca e roupas simples e escuras a olham com curiosidade.

“- Ronit! Então você veio! ”exclama com simpatia a única que a recebe com um abraço, tia Fruma.

Todos os outros ali a fazem sentir-se deslocada.

E quando chega Esti (Rachel McAdams, comovente), a mulher de Dovit, ela fica surpresa. Sentimos que há algo mais acontecendo naquele reencontro. Logo percebemos que o motivo do exílio de Ronit é Esti. As duas viveram na juventude uma relação proibida.

Mas o diretor chileno Sebastián Lelio, 43 anos, que foi escolhido por Rachel Weisz, também produtora do filme, é talentoso. Não à toa, ganhou o Oscar pelo melhor filme estrangeiro do ano passado, “Uma Mulher Fantástica”. É dele também o filme “Glória”, que premiou Paulina Garcia como a melhor atriz do Festival de Berlim de 2013. Filmes sobre mulheres incomuns.

Em “Desobediência” também há mulheres transgressoras aos olhos da comunidade à qual pertencem. E novamente o diretor usa de delicadeza, cuidado e respeito, dirigindo com maestria seus esplêndidos atores. O que faz o filme não ser apenas um drama sobre mulheres que se amam, mas algo bem mais profundo. Trata-se de uma reflexão complexa sobre a liberdade, a fé, a responsabilidade, o perdão e o amor.

Adaptado do romance da escritora inglesa Naomi Alderman, o filme teve o roteiro escrito pelo próprio diretor e Rebecca Lenkiewicz (de “Ida”), que conseguiram criar diálogos naturais e humor, o que muitas vezes alivia o peso das situações vividas pelos personagens.

Sem julgamentos morais, o filme coloca em foco a tolerância, a compaixão e a complexidade das decisões que são tomadas.

Um dos melhores filmes do ano.

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