Drive My Car

“Drive My Car”- “Doraibu mai kâ”, Japão, 2021

Direção: Ryusuke Hamaguchi

Quando aparecem os créditos aos 40 minutos do filme, levamos um susto. Acabou? Não. É somente o prólogo o que vimos. O tempo voou e não queremos interrupções. Porque “Drive My Car” nos envolve e fabrica uma teia que nos prende em suas 3 horas.

Deixe-se levar pelas cenas que, no início, são misteriosas.

Assim, aquele casal na cama, faz amor enquanto ela, uma Sherazade em transe, conta uma história erótica. Ela tem uma voz sexy e um corpo belo. Ele, atento ao que ela conta à noite, escreve tudo pela manhã. Porque ela não se lembra de mais nada.

Ambos são artistas. Ryusuke Kafuku ( Hidetoshi Nishiijima) é ator e diretor de teatro. Sua mulher Oto (Reika Kirishima) é roteirista.

Mas tudo vai mudar. Ele vai viver uma traição e outro luto. Oto no presente e a filha deles no passado, aos 4 anos de idade.

Muito fechado em sua dor, o vemos, dois anos depois, no seu amado Saab 900 Turbo de 1987, vermelho e muito bem cuidado. Envelopado por metal e couro é ali  que ele ouve as fitas cassete na voz de sua esposa morta. Ela gravara as falas dele como ator na peça “Tio Vania “. Convidado para apresentar sua versão num festival de teatro em Hiroshima, ele segue para lá.

É dele um projeto inovador. Os atores dirão suas falas em suas línguas natais e estas serão mostradas em legendas traduzidas. Haverá inclusive uma atriz surda que se expressa em linguagem de sinais.

Yusuke, como diretor, quer que os atores sejam compreendidos não pelas palavras que usam mas pela emoção do texto.

E uma surpresa desagradável espera pelo diretor. Devido ao seguro que fez a produção do espetáculo, ele não vai poder dirigir seu carro amado, uma proteção e um lugar para reviver o passado na voz da mulher que tanto amou. Terá que ter uma motorista, Misaki (Toko Miura), tão calada e jovem, quanto experiente na direção.

Nas idas e vindas de sua casa cercada pelo azul do mar e as estradinhas de Hiroshima que levam ao teatro, uma viagem com duração de uma hora, os vemos calados e, um pouco mais tarde, ouvindo as fitas gravadas.

Aqueles dois irão se aproximar pouco a pouco e confessar culpas imaginárias que até então os impediam de viver. Há um trabalho de luto que implica na aceitação da pessoa que se foi e a certeza de que ninguém conhece o outro a fundo, mortos ou vivos e  seus segredos. É necessário também abrir mão da tentação de pensar em vidas alternativas que mudariam o rumo dos acontecimentos. E se…não é a solução para aliviar essa dor da perda.

O diretor Hamaguchi usou um conto de Haruki Murakami, com o mesmo título do filme, um trecho de “Esperando Godot” de Beckett e a peça teatral russa de Anton Tchecov, “Tio Vania” e arquitetou “Drive My Car” que é um mergulho profundo nas dores escondidas e mal curadas do coração humano.

Mas é também uma proposta com alusões a caminhos criativos para chegarmos a um lugar onde possa haver intimidade e harmonia, lá mesmo em Hiroshima, onde a crueldade humana matou pessoas inocentes, com um venenoso cogumelo gigante que vimos tantas vezes no cinema.

“Drive My Car” nos convida a ter compaixão e a perdoar o nosso passado para andar em frente e continuar a construir um futuro.

A caminho do Oscar, o filme que já ganhou vários prêmios, foi indicado a melhor filme, melhor direção, melhor roteiro adaptado e melhor filme internacional.

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