Elefante Branco

“Elefante Branco”- “Elefante Blanco" Argentina/ Espanha 2012

Direção: Pablo Trapero

Numa cena intrigante, em close, um homem está cercado de aparelhos que giram em torno dele. Aos poucos vamos deduzindo que ele faz um exame médico. Parece uma tomografia da cabeça. Tem barba e cabelos grisalhos e olhos azuis (Ricardo Darin, um dos atores mais extraordinários do cinema).

Na próxima cena, estamos na selva à noite e um homem chora, enquanto vê, escondido, uma matança.

Soldados gritam em espanhol com os ainda vivos:

“- Cadê o estrangeiro?”

No dia seguinte, esse homem anda entre os corpos e as cinzas da aldeia indígena. Parece desesperado e ferido.

Logo, um barco singra um rio, levando pessoas deitadas em redes. Em seguida, uma canoa a remo leva um homem a um precário hospital na selva.

Chega-se a um leito onde jaz alguém e diz:

“- Nicolás? Sou eu, Julian. Vim te buscar.”

E vemos o amigo Julian ( Darin), amparar e consolar o outro (o ótimo ator belga Jérémie Renier).

De chofre, estamos em uma cidade. Uma morena jovem (Martina Gusman, mulher do diretor Trapero) conduz um carro na chuva. Os dois resgatados da selva estão com ela.

Chegam a uma zona pobre, casinholas desajeitadas, poças de água na lama, cachorros vira-latas. É uma favela.

Os homens entram em uma casa muito simples com goteiras. Deitam-se e dormem. Parecem esgotados. Acordam no meio da noite com o som de tiros. O perigo ronda e assusta.

Julian foi buscar Nicolás na selva porque precisa do amigo para ajudar na Paróquia de Jesus Operário, que ele dirige. A moça morena é assistente social e auxilia o padre Julian no amparo quotidiano aos moradores da favela, que vivem em condições desumanas, em meio ao perigo dos tiroteios entre os grupos que guerreiam entre si pelo domínio do tráfico.

Os padres servem de escudo entre os moradores, os donos da droga e a policia.

O sonho do padre Julian é transformar um hospital imenso, abandonado inacabado desde os anos 30, em moradia para centenas de famílias. O “Elefante Branco” teria finalmente um uso. Mas é dura e inglória essa luta diária para conseguir dar alguma dignidade aos moradores da favela chamada A Oculta.

Pablo Trapero é o diretor argentino que se interessa pelo lado mais difícil da vida do ser humano, a miséria no sentido de falta e no sentido moral. Não para arrogantemente dar lições de como fazer (mesmo porque, sabe que ninguém tem tais respostas prontas), mas para denunciar e fazer com que pensemos em algo que é difícil alguém querer parar para pensar.

“Elefante Branco” é uma homenagem ao padre Carlos Mujica, que trabalhava nessa mesma favela e foi assassinado em 1974 em circunstâncias ainda não esclarecidas.

O filme tem como extras os moradores das favelas argentinas, o que dá uma emoção especial e realidade ao roteiro escrito por Trapero e colaboradores.

“Elefante Branco” coloca as perguntas certas sem demagogia nem medo de constatar difíceis verdades, envolvendo inclusive a Igreja Católica, a quem os padres Julian e Nicolás devem obediência.

É um filme que faz doer as almas dos homens justos. Os outros não vão se interessar pelo filme.

 

Este post tem 0 Comentários

  1. Vania Dutra disse:

    Gosto do olhar humano e observador que voce tem a respeito da vida e das pessoas. Seus comentarios nos remetem a momentos de reflexição que nos ajudam a perceber e entender melho o mundo e a nos mesmos. Adoro seu blog e estou sempre atenta às suas dicas!!! Parabéns

    • Eleonora Rosset disse:

      Vania querida,
      Obrigada por suas palavras carinhosas. Eu adoro cinema e escrevo pensando em passar para os meus leitores a visão que eu tive do filme, tentando explicar pq eu gostei.
      Trapero é um diretor especial, sincero e humano.
      ” Abutres” que foi o último que eu vi antes desse , tb era mt bom. Comentei no blog. Se vc quiser ler, procure na Janela de Busca, tá?
      Volte sp para me dizer o que vc pensa sb os filmes que eu escolho.
      Bj grande!

  2. anna schvartzman disse:

    O filme é otimo

    a interpretação do Darin e do Jérémie Renier impecavel

    O seu comentario como sempre com tantos detalhes que só resta recomendar o filme.
    Parabens!!!!!!!!!!!!!!!

    • Eleonora Rosset disse:

      Anna querida,
      Estou gostando da sua frequêcia aqui no blog! Vc sabe que isso é o que me agrada e me põe a escrever minhas resenhas com gosto!
      Pena não termos podido nos ver hoje à noite. Depois vc me conta como foi ovespetáculo, tá?
      Bjs

  3. Maria Lucia Romanauskas (Malu) disse:

    Como sempre vc pontua muito e bem alguns detalhes do filme, que as vezes passa despercebido….a um olhar não tão atento assim…
    Gosto do Trapero, tenho outras obras dele, e desta vez ele e Ricardo Darin se superaram…é um filme, que nos remete a nossa realidade, e a tantas realidades que existem, mas que enxergamos só a nossa, só o que está no nosso umbigo (como sempre)…Trapero faz um retrato ácido e furioso da desigualdade social na Argentina, assim como fez em Leonera, Abutres, Família rodante, etc, que parece sempre querer ensinar algo as pessoas, ou fazer ver as pessoas, que todos temos problemas, e parecidos….
    Assisti o filme e recomendo a todos que gostam do tema social!!!!

    • Eleonora Rosset disse:

      Malu querida,
      Trapero é realmente um diretor que nos obriga a encarar problemas que a gente prefere esquecer… As favelas da Argentina parecem com todo lugar no mundo onde moram os esquecidos… E o trabalho dos padres, interpretados por Darin e Renier nos comove e faz pensar no assassinato do padre José Mugica, cruel e não esclarecido até hoje…
      Este é um cinema humanista que mostra o problema social e moral que a natureza humana não consegue resolver…
      Incômodo e necessário.
      Obrigada pelo belo comentário!
      Bjs

  4. edson disse:

    Querida Eleonora…

    Me doeu tanto a alma, me deu tanta angústia este filme, que fora do meu costume, saí a 20 minutos do final… Não aguentei mais a ansiedade que foi tomando conta de mim…
    É como aquela música Mensagem, onde a pessoa em dúvida se a carta seria de alegria ou de tristeza, rasga a carta e não a lê…

    Beijos

    • Eleonora Rosset disse:

      Edson querido,
      Entendo essa dor e essa agonia. Aludi a elas na minha resenha. Mas eu achei isso o ponto alto do filme. Criar um clima irrespirável.
      Como bom profissional que vc é, sabe que essa via de identificação pela sensibilidade é uma ótima maneira de tornar real um problema a ser pensado. O filme traz perguntas e não respostas prontas. Cabe aos homens justos achar uma solução ética para esse problema da desigualdade social . Vc não acha?
      Bjs

  5. Bebeth Menezes disse:

    Como você, sou uma fã incondicional do cinema “arte”. O “Elefante Branco” que acabei de ver hoje nos mostra realmente uma realidade que está a nossa frente e muitos não querem ver. Fotografia belissima, direção como sempre impecável e atores maravilhosos. Para quem gosta de cinema um filme imperdivel mesmo. A sua análise do filme é perfeita como sempre. Parabéns!

    • Eleonora Rosset disse:

      Beneth querida,
      Que delicia ver um filme humano, bem dirigido e com atores excelentes! Para mim é o céu e vejo que para vc tb. Gostei mt do que vc escreveu e gostaria de tê-la sp comigo nesse nosso espaço!
      Bjs

  6. Francisca Juliana Fernandes de Sousa disse:

    Gosto das resenhas, gosto de suas fotos.
    Essa foto de óculos….sabe, uma certa ponta de tristeza parece “lhe cair bem”….ou melancolia….Beijos.

Deixe seu comentário

Obter uma imagen no seu comentário!