Flores Raras

“Flores Raras”, Brasil, 2012

Direção: Bruno Barreto

De Nova Iorque, num banco do Central Park, ela vem para o Brasil, em busca de inspiração, à procura de uma “cura geográfica”, como sentencia seu amigo e confidente, o também poeta Robert Lowell.

Muito branca, abre a escotilha do navio e vislumbra a Baia da Guanabara, com seu azul do mar e rochas negras, enfeitadas de verde tropical.

Elizabeth Bishop, 40 anos, vai encontrar aqui o amor, mas ela ainda não sabe.

Veio visitar a amiga Mary (Tracy Middendorf) e vai com ela e sua companheira Lota, num carro conversível, para a serra de Petrópolis.

Um cenário deslumbrante.

Lota assobia “Kalú”, acompanhando a cantora no rádio, jeito confiante, despachada, pele morena, cabelos negros num coque, óculos e um sorriso grande.

“- Bem-vinda à Samambaia!”, diz Lota para Elizabeth.

Naquela casa (projetada por Sergio Bernardes), pousada num jardim de plantas tropicais (Burle Marx), com um lago espelhando a montanha ao fundo, a poeta americana Elizabeth Bishop (1911-1979) ou Cookie, como Lota a chamava, vai viver um romance com a brasileira nascida em Paris, Maria Carlota Costallat de Macedo Soares (1910-1967), paisagista que concebeu o parque do Aterro do Flamengo.

“- Onde você estudou arquitetura, Lota?” pergunta Elizabeth.

“- Eu nasci arquiteta”, responde Lota.

Bishop, que viveu quase duas décadas com Lota, entre a fazenda Samambaia e o apartamento do Leme, no Rio de Janeiro, escreveu aqui seu livro “Poems – North & South – A Cold Spring” que ganhou o Prêmio Pulitzer de Literatura de 1955.

Lota, amiga de Carlos Lacerda, governador do então Estado da Guanabara, ganhou o aterro conseguido com o desmanche do Morro de Santo Antonio. E liderou os trabalhos.

Foi justamente esse projeto de um parque para o Rio e as dificuldades em sua implantação, que afastou Elizabeth de Lota. A maneira diferente das duas de encarar o golpe militar de 1964 também contribuiu para um afastamento.

A poeta voltou aos Estados Unidos, depois de uma séria recaída no alcoolismo e foi ensinar numa universidade.

Quando voltou ao Brasil, Elizabeth comprou uma casa em Minas Gerais, hoje um centro cultural. Havia se apaixonado por Ouro Preto quando visitou a cidade com Lota.

O filme de Bruno Barreto é de uma beleza e delicadeza surpreendentes.

Glória Pires, brilhante como Lota e a australiana Miranda Otto, tímida e reticente como Bishop, bem dirigidas, emocionam na maneira como passam a alegria e a melancolia de ser quem são, mulheres talentosas, sensíveis e sofridas.

A opção sexual das duas, que poderia afastar um público mais conservador, é tratada com suavidade e uma tensão contida.

Adaptado do livro “Flores Raras e Banalíssimas”, Ed. Rocco, de Carmen Lucia Oliveira, o filme reconstrói com bom gosto o cenário e figurinos da época, anos 50 e 60 e, com diálogos naturais e concisos, a maioria deles em inglês, conta a história das duas artistas com respeito pelas mulheres que elas foram.

Numa palavra, “Flores Raras” não se perde em vulgaridades.

O grande mérito do filme é trazer à luz a história que poucos brasileiros conheciam e resgatar a figura de Lota Macedo Soares que bem merecia ser homenageada, como foi, por esse belo filme.

Este post tem 0 Comentários

  1. Erandy Bandeira Albernaz disse:

    Louca para ver este filme Eleonora!
    Sumiu do face?
    Bela resenha, bjo

    • Eleonora Rosset disse:

      Erandy querida,
      Será que vc está entrando na página certa? Posto todo dia sobre o filme que está no blog. Aliás ” Flores Raras” está fazendo o maior sucesso! Muitos comentários e recorde de likes. Aliás olha quem está comentando aqui abaixo na página!
      Bjs

      • erandy albernaz disse:

        Sim tenho visto seus posts de filme. Acompanho sempre. Sumida nos comentários gerais, depois que este pais começou esta Crise convulsiva, rsrsrsr
        Tambem passei uns tempos na Bahia, minha casa de verdade.
        bjos

        • Belíssima história. O diretor trata de forma sutil e delicada questões tão comuns para todos nós como amor, perda e ainda faz um link da história infantil singular de cada uma delas com a vida presente. O desejo do pai de Lota que ela fosse um menino. Os passeios com o pai no Central Park e sua obstinação em construir o parque na capital fluminense. A morte do pai de Bishop quando ela tinha apenas 8 meses e a eterna espera do retorno da mãe do hospital psiquiátrico. Angustia que fica visível quando Bishop se sente sozinha esperando Lota voltar do Rio e passa a beber mais e mais. Muito além de um filme sobre homossexualidade feminina. Glória está perfeita no papel.

  2. Marta Suplicy disse:

    É um filme para Oscar! Teremos, no Ministério da Cultura, todo o empenho para que isto ocorra.

    • Eleonora Rosset disse:

      Marta querida,
      Um filme maravilhoso mesmo!
      Se não der para concorrer ao Oscar de filme estrangeiro , porque é falado em inglês quase o tempo todo, pode entrar na lista dos melhores filmes do ano e melhor atriz para a irretocável Glória Pires!
      Com o seu apoio tenho a certeza de que a chance a Oscares aumenta muito!
      Fiquei muito contente com o seu comentário!
      Bjs

    • Marta,
      qdo vi o burburinho q esse filme provocou, pensei: desta vez o Bruno Barreto ganha o Oscar.
      Afinal, foi como se ele fosse se aproximando passo a passo da estatueta.
      Agora, lendo seu comentário, mesmo não querendo ser tão puxa-saco sua, penso q qdo vc coloca “todo empenho” em algo,sai de baixo.
      São favas contadas: o Oscar será nosso no glorioso ano de 2014, ano da Copa e da reeleição de nossa presidenta.

  3. theodore disse:

    Que graça, a ministra Marta, sempre, fazendo o seu melhor… Mas Elizabeth Bishop é uma das minhas grandes paixões, assim como arquitetura modernista, sendo um dos meus favoritos Affonso Reidy (há o belissimo documentario “Reidy”, porém incompleto, ja que não narra os ultimos momentos de Reidy, que assisti em uma sala “superlotada”, haviam, comigo, 8 pessoas… bem, ministra Marta, nosso país continua macunaímico, como sempre, apesar de seus “esforços”… da mesma forma o recente “Dossiê Jango”… bem, tenho uma amiga jornalista, na casa dos 30 anos, que achava que o presidente deposto em 64 era Jânio Quadros, então… João Goulart é com certeza, ao invés do folclórico JK ou o ditador fisiológico Vargas (de quem o ogro Lula pretende ser uma cópia desenhada pelo capeta), de quem Jango era um herdeiro, mas salvo da influencia de Vargas pela sua veia socialista, enfim, Goulart “é” nossa trágica democracia sacrificada e jamais ressuscitada…). Mas Bishop, por que Barreto não a deixou em paz, essa maravilha de poeta?? E a Lota, que parece uma fanchona do falecido “Ferro’s Bar”??? (li um livro recentemente sobre esse reduto gay feminino, maravilha!! Que porcaria de época fui nascer, mas fazer o que?). O problema todo é o cineminha de Bruno Barreto, com certeza digno de Oscar, sem duvida, é lixo a altura de… Mas Bishop?? Que ja recebeu uma homenagem e versão lindissima de Regina Braga, que me emocionou as lágrimas em “Um Porto para Elizabeth Bishop”, e ai vem o Barreto para obrar em tudo… Francamente, e a blogueira não percebeu a péssima qualidade do filme?? Glória Pires é uma excelente atriz de TV, mas faz cinema marionete, horror!!! E aquele chapéu?? Lota era uma mulher chiquérrima, um tanto masculina, mas não existe registro de que usasse chapéu!! Na verdade, as melhores coisas para se ler de Bishop, na minha humilde opinião, é seu “Poemas do Brasil”, magnifico (“Ida a Padaria” é obra-prima da poesia mundial, uma visão estrangeira sobre nosso “paraiso” carioca tropicalissimo!! E claro, “Uma Arte”, suas cartas e praticamente seu diário sobre sua vida no Brasil, seu amor por Lota, seu trabalho, enfim, é ela inteira, e que mulher era Bishop, de um brilho intelectual (amorosamente era bem desonesta..) ao pé-na-jaca mais sincero, maravilhosa até nas bebedeiras, que foi um dos grandes motivos do fim de sua separação trágica de Lota (o suicidio de Lota é uma das mais macabras declarações de amor que conheço…). Quanto ao aterro, bem, estão querendo “moderniza-lo” (eufemismo de “destrui-lo”…hello, ministra!! menos Oscar e mais atenção a demolição do já pifio patrimonio arquitetonico do país, aonde ninguém sabia que a marquise do Maracanã era um monumento do art-deco tardio brasileiro,e demoliram!! horror!!!…). Lota incentivou muito e segurou Reidy no projeto, que ja não suportava mais Lacerda (que era unha-e-carne com Lota, uma filha da elite reacionaria carioca, é incompreensivel que duas mulheres tão inteligentes pudessem ter impressão tão equivocada sobre aquele monstrengo, um psicopata..!), e Burle-Marx se recusava a conversar com o dito cujo, se dirigindo apenas a Lota. Duas magnificas mulheres, multifacetadas, repletas de erros e acertos, como hoje não mais se encontra. Não mereciam esse aviltamento que o filme de Barreto é, alias se baseia em material suspeito, ja que “Flores Raras e…” de Carmem Lucia Oliveira, contém apenas as versões e opiniões da turma de Mary, que odiavam Bishop, é um livro extremamente tendencioso. Divertido tb são as opiniões de Bishop sobre morar na casa Samambaia, projeto modernista de Sergio Bernardes, não percam em “Uma Arte”, é melhor que essa porcaria do Barreto.

    • Eleonora Rosset disse:

      Theodore,
      Sabe que estou cansada de suas promessas vãs? Vc sp disse que era a última vez que me escrevia. Dessa vez não disse… Acho que a vontade de se expressar é maior que a de me odiar. Sugestão: por que vc não escreve suas próprias resenhas? Vc sabe muito sb cinema, iria agradar.
      E não estou sendo irônica.

  4. Bebel Alves de Lima disse:

    Vou assistir hoje. No Estado a crítica dá 2 estrelas… Estrelas certas mesmo só no céu!bjs

    • Eleonora Rosset disse:

      Bebel querida,
      Concordo. Essa mania de qualificar filmes é tão subjetiva… Eu adorei. Me conta depois o que vc achou.
      Bjs

  5. theodore disse:

    Ódio? Nunca passou pela sua cabeça que eu apenas me divirto com você, com esse espaço repleto de gente oca? Como quem vai ao circo de aberrações? Quanto a falar sobre cinema, amo demais os filmes para cometer sobre eles linhas tolas como as suas. Goodbye, my dear.

    • Eleonora Rosset disse:

      Theodore,
      Vc já vai tarde… Aliás, nāo engana ninguém com essa tirada ” amo demais os filmes para cometer linhas tolas com as suas.” Ato falho? Vc se acha tão tolo assim? Pensei que nāo percebesse. Pois além de tolo, vc é invejoso e nulo.
      A única aberração nesse espaço é vc. Por favor, presenteie- nos, realmente, com o alívio de sua ausência.

      • Ana Duarte disse:

        Eleonora!
        Penso que nem voce e nem nós, suas leitoras, precisamos ter o dissabor dos comentários grosseiros desse Theodore. Deve haver uma forma de bloquear pessoa tão desagradável.
        Também adoro cinema e gosto de ler seus comentários.
        By the way… adorei’Flores Raras’, um filme delicado e muito bem feito. Bjssss
        Ana Duarte

  6. theodore disse:

    Que porcaria de psicanalista vc é: nada, absolutamente nada nesse mundo, nem o bem, tampouco o mal, é nulo. Zero para você.

  7. Sônia Matos disse:

    Adorei Flores Raras, um filme intenso, delicado, a Gloria Pires realmente, sua interpretação será inesquecivel como Lota, uma mulher forte e frágil.

  8. Prezada Eleonora, acertadas as suas observações sobre o filme. Acredito, entretanto, que faltou ao diretor contextualizar com mais cuidado e informações o cenário político que uniu duas pessoas importantes da época ( Lota e Lacerda) aos artífices do Golpe de 64, o embaixador Lincoln Gordon, por exemplo, que em vários momentos ´penso ter surgido no filme. Poderia ter ficado muito mais clara essa relação. No mais, o filme é belíssimo.
    abraço,
    margarida nepomuceno

  9. maria helena correa disse:

    obrigada pela dica……..gostei do seu comentário,vou com certeza assisti-lo.abraço Maria Helena

  10. Fernanda disse:

    Bela resenha, parabéns!

    Bom, eu sou suspeita pra falar porque, sendo homossexual, me envolvi com o filme também em um nível pessoal, apesar da fácil constatação de que a homossexualidade não é o tema principal do filme. Ela serve apenas como um “plano de localização” – como Gloria definiu de forma bastante feliz – para relatar um encontro tão inusitado e tão fascinante entre duas pessoas e duas culturas tão distintas. Mas é impossível não admirar a entrega das atrizes e a coragem dos produtores em levar esse filme adiante, nadado contra a maré do preconceito dos investidores e tudo mais. Somente isso já seria suficiente para Flores Raras ter meu olhar carinhoso.

    Mas, felizmente, o filme é uma grata surpresa. Sim, existem problemas no roteiro, no meu ponto de vista. Dois pontos, pra mim, ficaram meio vagos. Um é como nasceu esse amor das duas, pois acho que o romance caiu no colo dos espectadores sem maiores explicações, sem mostrar a construção desse sentimento. E o outro é como se chegou àquele momento final (que não vou falar pra não dar spoilers), mas senti falta de ter mais bases para compreender o que levou àquela “desconstrução” de uma delas no fim. Foi tudo meio abrupto. Mas tirando isso, o filme é realmente encantador e delicioso de se assistir. O discurso da Bishop sobre a reação do povo brasileiro diante de uma ditadura é sensacional! Fora que, independente de qualquer coisa, somente a interpretação da Miranda Otto já seria suficiente pra dizer que Flores Raras é um filme que vale muito a pena. Ela está magnífica como Elisabeth Bishop! Interpretação sensível, contida e que emociona. Não sei se Flores Raras tem muitas chances de uma indicação ao Oscar, mas, se tiver, acredito que seria somente talvez uma indicação de melhor atriz para Miranda. Adoro a Gloria Pires e acho ela uma atriz como poucas no nosso país, mas é justamente por já tê-la assistido em papéis tão inspirados que arrisco dizer que ela teve um desempenho maravilhoso, sim, mas não o suficiente para concorrer a um Oscar.

    No mais, Flores Raras definitivamente é um filme que vale a pena ser visto, e uma das melhores produções nacionais dos últimos tempos.

  11. Yasmin Nasser disse:

    Estimada Eleonora, felicito-a por criar e compartilhar esse espaço, com os amantes da sétima arte.
    Flores Raras me emocionou, e me surpreendeu por trazer à luz ,a história dessas mulheres brilhantes, com seus erros e acertos,mas sobretudo humanas delicadas e sensíveis que contribuíram muito para contrução de fatos que se passaram nosso país.Onde poucos conhecem.Agradeço sua crítica e espero continuar visitando esse espaço.Grata
    Yasmin

  12. Emilene disse:

    Um dos filmes mais lindos. Não dá para assisti apenas uma vez! O filme é pura poesia e amor…Lembro o livro para entender um pouco mais..

    Parabéns!!

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