Guerra ao terror

"Guerra ao terror" - "The Hurt Locker", Estados Unidos, 2008

Direção: Kathryn Bigelow

Kathryn Bigelow, aos 58 anos, conseguiu algo impensável. No dia 7 de março, na cerimônia do Oscar, seu filme “Guerra ao terror” poderá em tese ganhar os nove prêmios para os quais foi indicado.
E não são aqueles prêmios de consolação. O filme está na lista dos dez mais, ela é indicada para melhor direção, o ator Jeremy Renner é indicado para melhor ator, assim como são candidatos ao Oscar o roteiro original, a trilha sonora, a edição, a edição de som e a fotografia.
A história do filme é impar. Custou 11 milhões de dólares, rendeu 16 milhões na bilheteria e no Brasil foi direto para as locadoras em abril do ano passado. Só estreou na tela do cinema agora em fevereiro depois que os prêmios começaram a pipocar.
O grande feito de Bigelow foi ganhar o prêmio de melhor filme pelo sindicato dos produtores americanos. Para vocês entenderem o que isso significa, é bom saber que, nos últimos 20 anos, os vencedores desse prêmio e do Oscar de melhor filme empataram 13 vezes.
“Guerra ao terror” emplacou tantas indicações ao Oscar quanto “Avatar” de James Cameron, uma superprodução campeã de bilheteria, que destronou “Titanic” também dirigido por Cameron, e que já rendeu mais de 2 bilhões de dólares.
E a graça toda está em que esses dois diretores foram marido e mulher por dois anos e que Cameron incentivou a sua ex-mulher a fazer “Guerra ao terror”.
Se ganhar, Kathryn Bigelow será a primeira mulher a empalmar a estatueta de melhor direção.
“The Hurt Locker”, título original do filme, expressão em inglês para grande sofrimento, foi filmado na Jordânia, em um acampamento de refugiados palestinos, num verão de 46 graus de temperatura.
O roteiro é do jornalista Mark Boal que passou semanas com o exército americano em Bagdá em 2004. Com essas reportagens escreveu um livro que ganhou o Prêmio Pullitzer.
Utilizando a técnica de câmara na mão, cortes rápidos e muitos closes, a diretora consegue fazer com que nos sintamos dentro do cenário de inferno que se tornou Bagdá com a guerra.
Acompanhando um pelotão incumbido de desarmar as bombas espalhadas em uma cidade destruída, nos vemos em meio a escombros, ruas cheias de detritos, poeira, lixo.
A câmara impiedosa de Bigelow nos transporta para o cenário íntimo da guerra: medo, suor, respiração ofegante, olhares assustados, reações automáticas e pouco discernimento do que está realmente acontecendo.Visita os corpos humanos numa incômoda intimidade com o perigo.
O som também é um instrumento importante na criação de um clima de suspense porque é usado de maneira inteligente, ajudando a câmara a convencer na criação de um ambiente de pesadelo e caos, no qual a vida de cada um está sempre por um fio.
Até os animais estão sofridos nesse lugar de dura sobrevivência. Às tantas a câmara foca um gato que passa com a pata ferida.
Do lado iraquiano há crianças brincando nos becos e os adultos nas janelas, observando e acompanhando os lances daquele “reality show” de horror do qual participam.
Diferente de outros filmes de guerra a que já assistimos, “Guerra ao terror” não dá tempo para o espectador descansar. A ação onipresente e o efeito da câmara correndo, desfocando, quase que não encontrando o que possa dar um sentido à cena, induz em quem assiste ao filme um tremendo mal-estar.
A história do filme começa de chofre e acaba também assim. Há poucos momentos de reflexão sendo que mesmo assim o que predomina na mente dos soldados é a vontade de ir embora, contando os dias que faltam para voltar para casa.
A única exceção é o soldado interpretado com realismo por Jeremy Renner que faz um especialista em desarmar bombas. Ele veio substituir outro especialista morto em ação.
É o único da equipe que parece ter prazer com o perigo que passa. Chega às raias de um comportamento suicida.
Ele já desmontou 873 bombas e guarda lembranças de todas elas. É a sua coleção particular de “componentes”, como ele diz:
– “Acho interessante guardar esses pedaços de bombas que poderiam ter matado muitas pessoas…”
Sempre truculentos e com uma linguagem recheada de palavrões, mesmo quando voltam à base para uma noite de sono, não conseguem repousar. Stress,testosterona e adrenalina em altas doses.
Um dos soldados é um garoto que tem muito medo e joga videogames quando não está em ação. Neles se reconforta porque tem certeza de que os tiros aqui só vão acertá-lo dentro da maquininha onde sempre ressuscitamos. Mantém conversas picadas com um psiquiatra inepto que tenta ajudá-lo.
William James, o especialista, é o que tem mais dificuldade de se afastar da guerra. Na base propõe lutas, bebe muito com o seu colega negro Sanborn que mostra uma fachada dura, só desmentida pelo modo como conta os dias que faltam para voltar para casa.
Há uma cena patética na qual James coloca o capacete do traje de escafrandista que usa para aproximar-se das bombas, na cama, para tentar descansar sentado.
Penso que ele é o citado na frase que abre o filme e que diz mais ou menos assim: A emoção da batalha pode ser fatal porque é uma droga.
E o mais assustador para o espectador é entrar em contato com essa forma de prazer de brincar com a morte que substitui o convívio com a família, os amores, a vida civil.
A própria diretora comentou em um de suas entrevistas publicadas na Folha:
– “Não vou generalizar, mas, para alguns indivíduos, o combate pode ser uma coisa sedutora”.
O mais insensato de tudo isso é sabermos que esses soldados são voluntários, já que o alistamento para a guerra do Iraque não é obrigatório.
Kathryn Bigelow fala sobre seu filme:
– “Estou interessada em cinema como comentário social. E como entretenimento também, é claro. O filme deixa ver pela perspectiva do soldado e formar a sua opinião (….) Mostra a futilidade desse conflito em particular.Você sai do cinema mais bem informado”.
E pensar que ela rodou esse filme em plena era Bush…
E o pior: rapazes americanos continuam a ser mandados para o Iraque apesar das promessas em contrário do presidente Obama.

Este post tem 0 Comentários

  1. Sylvia Manzano disse:

    Fiquei lembrando do ano em que o ótimo O JARDINEIRO FIEL, foi indicado ao Oscar e eu resolvi assistir todos os filmes indicados daquele ano.
    Sempre tive um pé atrás com essa coisa de Oscar, mas os filmes daquele ano foram excelentes e muitos eram sobre as guerras e os conflitos no Oriente Médio, o que acho ótimo pra preguiçosos como eu, que têm preguiça de ler sobre o assunto.
    O cinema tem essa função de ser educativo e instrutivo sem ser chato ou talvez os livros de história é que sejam chatos demais.
    Sempre acho que no currículo das escolas deveria existir a matéria cinema.
    Garanto que muito se aprenderia através de filmes selecionados, que tratem de assuntos como esse.
    Aprendemos mais, quando histórias da vida real, emoções vividas são contadas junto com a história oficial.

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