Nomadland
“Nomadland”, Idem, Estados Unidos, Alemanha, 2020
Direção: Chloe Zhao
Na tela negra, letras brancas contam que, em 31 de janeiro de 2011, a fábrica de gesso da pequena cidade de Empire, Nevada, foi fechada, após 88 anos dando emprego e vida a seus habitantes que, com isso, saiu do mapa.
Um cenário desolado, vento, neve, frio e neblina.
Fern (Frances McDormand, dois Oscar por “Fargo” e “Três anúncios para um crime”) prepara-se para partir. No depósito onde estão as coisas de sua casa, ela pega uns pratos e abraça um casaco, emocionada. Deixa o resto para trás, despede-se do encarregado e na tela aparece o título “Nomadland”.
Em sua van branca, preparada para nela viver como se fosse casa, Fern cantarola uma canção de Natal, cercada de neve. Seu rosto sem expressão, os olhos vazios. Canta triste para si mesma.
Seu destino é um estacionamento. Vai trabalhar num imenso galpão da Amazon, repleto de caixas e esteiras rolantes.
“Lar é só uma palavra ou é algo que se leva consigo? ” lê-se na tatuagem no braço de um homem que também trabalha lá e almoça com Fern e os demais. Todos mais velhos. Não há jovens entre eles.
Linda May, uma senhora que mais se aproxima de Fern, pergunta qual foi o nome que ela escolheu para a sua van. “Vanguard”, responde ela. Nós entendemos sua necessidade de proteger-se.
Serão retalhos da vida dessa mulher que veremos. Uma viagem onde acontecem pequenos encontros, alguns relatos e na qual os rostos marcados pela idade, vão estar ao lado de Fern.
Em algum momento, histórias serão contadas. Todos tem motivos para estar na estrada. A crise de 2008 bateu neles como uma onda gigante. E deixou marcas profundas. Semeou morte e desespero. A estrada os salvou.
Ao longo do caminho, gestos de solidariedade, fogueiras à noite, cantorias, danças, vão levando Fern que quando, por acaso, encontra uma sobrinha, diz que não é uma “homeless” mas uma “houseless” (não é sem teto, é sem casa).
Pequenos trabalhos pelo caminho dão o dinheiro para a gasolina e comida.
E encontros marcantes abrem a carapaça que Fern criara para sobreviver. E eis que ela conta do marido Bo, tão amado que casaram meses depois de se conhecer. E o seguiu para Empire, porque ele gostava do trabalho dele e lá era amado por todos.
Perder o marido, a cidade, o emprego, a casa e os amigos não é pouca coisa. Ela, que sempre fora a excêntrica da família, não quis ser consolada, quer viver esse luto, lembrar-se dele, um homem bonito numa foto antiga que ela guarda com carinho.
O cenário por onde ela vai é feito de deserto e montanhas, rochas enormes, o por do sol é sempre lindo e as nuvens ficam cor de rosa. Mas ela segue em frente e vai até o mar bravio, de espumas geladas levadas pelo vento, outra imensidão que ela observa do alto de uma falésia.
Essa conexão com a natureza vai, aos poucos, devolvendo a Fern a dimensão da vida dela. Como diz uma senhora, observando a aliança de Fern:
“- Esse círculo é como o seu amor por seu marido. Não vai acabar nunca. ”
Ouvimos, de vez em quando, notas tocadas por um piano lírico e discreto que amacia as cenas.
Quando Fern terminar essa viagem em busca de regeneração, quem sabe outro amor? Mas não importa. O que fica é o aprendizado de que o amor está dentro dela. Para onde for, ele estará sempre com ela.
A diretora Chloe Zhao, nascida em Beijin, tem 38 anos e poucos filmes. Ela conta que foi reescrevendo o roteiro pelo caminho. Escolheu outros nômades para figurantes e atores que interpretam a si mesmos. Ela adaptou um livro, “Nomadland: Surviving America in the Twenty First Century” de Jessica Bruder, jornalista americana.
Zhao ganhou quase todos os prêmios do ano por sua direção. Começou com o Leão de Ouro de Veneza, Globo de Ouro, Prêmio do Sindicato dos críticos, dos diretores, dos produtores, Bafta, o Oscar inglês. Vai ser difícil não ganhar o de melhor direção no Oscar.
“Nomadland” recebeu merecidas 6 indicações ao Oscar.
Vai levar muitas estatuetas para casa.