Infâmia

“Infamia”- “Infâmia”, Polonia, 2023

Direção: Anna Maliszewska

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Uma garota raspa os cabelos na tela em close. Vozes femininas a condenam e ela chora. O filme começa pelo fim.

Mas vamos voltar ao princípio da história de Gita, morena bela, cabelos pretos ondulados, um rosto onde brilham olhos cor de mel, boca carnuda. Ela é cigana e tem 17 anos.

Vemos quando a família dela, pai, mãe, irmão e irmãzinha deixam o País de Gales e voltam para a Polonia onde a família maior vive num casarão. Gita está triste por deixar seus amigos.

Aliás o motivo de voltarem para a Polonia, Gita ainda não sabe. Os pais, endividados, fizeram um trato. A filha vai ter que casar-se com o filho de um cigano rico que tem negócios escusos. O pai dela é viciado em jogo e perde sempre. Foi um dos motivos que obrigaram a família de Gita a sair da Polonia.

Mas agora, o casamento vai abrir as portas do casarão e os abraços virão.

Gita Burano gosta de música e de cantar. Tem uma bela voz. Compositora de rap, ela vai contar muita coisa através de suas canções.

Contrariando a família vai matricular-se na escola assim que chegam.  É importante para ela ter amigos de sua idade.

É aí então que, apesar de sua rebeldia, Gita vai ter que submeter-se às leis não escritas pelas quais vive o seu povo. A família tem que vir antes de tudo e cabe à mulher ter filhos, cuidar da casa e dos homens. Tem que usar saia, não pode maquiar-se e sair sempre acompanhada. E o principal é manter-se pura. Casar-se intacta. Do contrário é infâmia.

O filme traz as cores que os ciganos usam, joias, cantos e danças. Violões, violinos e sanfonas animam as pessoas.

Mas, infelizmente, fica claro o preconceito que os ciganos sofrem, vistos sempre como ladrões e mentirosos. Há uma incompatibilidade dos ciganos e dos outros povos com quem convivem à distância. Vieram do norte da Índia séculos atrás. Eram nômades. E conservaram sua cultura nos lugares  onde viveram. Crimes de ódio contra essa comunidade não são raros.

Durante a Segunda Guerra foram mandados para os campos de concentração nazistas e muitos morreram. Uma história de ódio e racismo sempre cercou os ciganos.

Zofia, a atriz que encarna Gita é fotogênica e carismática. Quando ela aparece, ilumina a tela com sua intensidade. A diretora é talentosa e as cenas, mesmo as mais banais, são vividas com emoção pelos atores. A direção de arte e a fotografia ajudam a criar um clima romântico, sensual e dramático.

“Infamia” tem 8 capítulos e é comovente, nos envolvendo com a história bem contada. Ela nos aproxima de um povo desconhecido pela maioria, que não imagina que no Brasil vivem 500.000, distribuídos em três etnias Calon, Roma e Sinti, com acampamentos em 21 estados brasileiros, principalmente Goiás, Bahia e Minas Gerais.

Vamos apoiar de algum modo os que lutam por direitos civis para esse povo tão injustiçado?

Cavalos Selvagens

“Cavalos Selvagens” - “Caballos Salvages”, Argentina, 1995

Direção: Marcelo Pineyro

Não estar morto não significa estar vivo. Pois é assim que pensa aquele senhor com mais de 70, e um revólver na garganta, quando ameaça matar-se se não lhe devolverem o dinheiro que o banco não ignora que lhe deve. Depois de milhares de e-mails não respondidos, exige que o façam agora. Seus 15.345 dólares, nem mais nem menos.

Mas antes que lhe neguem mais uma vez os seus direitos, um rapaz que ali trabalha o ajuda a sair do escritório, assumindo o papel de refém.

E eis que os dois, por acaso, encontram dando sopa numa gaveta da sala da vice-presidência, muito mais que os míseros dólares devidos. E levam tudo com eles. Surpreendentes 500.000 dólares. Dinheiro sujo certamente.

E começa uma viagem na qual o rapaz (Leonardo Sbaraglia)  e o velho anarquista (Hector Alterio) encaram suas diferenças de temperamento e existenciais.

Uma troca de papéis espera a dupla que, de ladrões fugitivos, passa a ser recebido como heróis pelo povo argentino que encontram pelo caminho rumo à Patagonia. Uma chuva de 500.000 dólares e vídeos mandados para a televisão os transformam em “Os Indomáveis”.

E a dupla vira trio quando uma mocinha “punk” (Cecilia Dopazo) junta-se a eles.

O filme, um clássico do cinema argentino, foi considerado como um dos melhores retratos dos anos 90 no país. O roteiro, fotografia e edição, além da atuação esplêndida dos atores e as belas paisagens da Patagonia, se aliam num elogio à solidariedade, amizade e gosto pela aventura. Mas principalmente, à liberdade.

A realização de um sonho, que quase não aconteceu, encerra o filme num movimento amoroso. Valeu estar vivo e fazer acontecer o que o velho José mais queria.

“Cavalos Selvagens” é divertido, não tem momentos tediosos, ensina muita coisa, inclusive que nunca abandonemos aquilo que nos faz melhores, a luta pelos nossos sonhos.