Sociedade da Neve

“Sociedade da Neve”- “Sociedade de la Nieve”, Espanha, Chile, Uruguai, Estados Unidos, 2024

Direção: Juan Antonio Bayona

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Essa é a história real de um milagre. É tão inacreditável que seduz mesmo o mais cético dos mortais. Ninguém imaginava que nesse avião caído nos Andes pudesse alguém ter sobrevivido.   Impossível.

Mas não. Aconteceu o inesperado e virou filmes. “Alive” de 1993, o mais famoso e agora esse “Sociedade da Neve”, indicado ao Oscar de melhor filme internacional.

A história começa no Uruguai onde uma equipe de rugby, todos muito jovens, embarca num avião com destino a Santiago, Chile. Mas nunca chegaram lá. O avião da Força Aérea Uruguaia sofreu um acidente e caiu, no meio de uma tempestade, nas  montanhas dos Andes em 13 de outubro de 1972.

É uma cena horripilante. Os destroços e os que conseguiram sobreviver, cercados pelas altas montanhas de rocha e neve. O avião despedaçado, partido ao meio, parecia um lugar de morte.

Mas, e esse é o milagre, ouvimos e vemos vida em meio ao caos de corpos misturados ao que restou do avião.

Baseado no livro de Piers Paul Read de 1974, “Alive:The history of the Andes survivors”, o diretor e roteirista J.A. Bayona consegue fazer um filme que nos choca e nos aflige. Apesar de saber que existirá um final feliz para alguns dos sobreviventes, sofremos junto.

Foram 72 dias de luta pela vida e dos 40 passageiros e 5 da tripulação, só 16 conseguiram sair vivos desse inferno.

O anseio pela vida leva a discussões sobre como iriam sobreviver sem comida. Uma decisão difícil, nem todos concordam mas enfrentam o tabu com coragem.

Numa (Enzo Vogrincic) é o narrador. Através dele ficamos sabendo dos conflitos da esperança de resgate e a espera da morte, do desafios enfrentados mas, principalmente, da solidariedade  entre eles que foi a tábua de salvação que poupou os que sobreviveram.

Os mais fortes cuidavam dos feridos, afastavam os mortos com respeito, enfrentando a neve e o frio e, quando começou o degelo, alguns partiram para encontrar o caminho para o mundo dos homens.

Foram 140 dias de filmagem em locação na neve com cinco protótipos do avião. Os atores quase todos novatos, escolhidos pela aparência semelhante aos sobreviventes reais, transmitem em imagens, dentro e fora do avião, o que viveram os verdadeiros heróis dessa história extraordinária e terrível.

Um filme inesquecível.

Anatomia de uma queda

“Anatomia de uma queda”- “Anatomie d’une chute”, França, 2023

Direção: Justine Triet

Nas montanhas brancas dos Alpes franceses, pousa isolado um chalé. Lá vivem Sandra (Sandra Huler), escritora de sucesso, Samuel (Samuel Theis), professor, também escritor, mas bissexto e o filho deles, Milo (Milo Machado), de 11 anos.

Samuel nasceu nesse lugar e é para lá que foram quando ele desistiu de ser professor. Mas Sandra gostava mais de Londres onde moravam.

Ela estava dando uma entrevista para uma jovem jornalista sobre seu último livro. Mas a música altíssima que vem do andar de cima, torna impossível a continuação de algo que estava fazendo bem à Sandra. Havia uma companhia interessante, risadas e vinho branco. O que parece que desagradou ao marido de Sandra. A música alta habitual estava acima do suportável naquela tarde.

Temos aí o primeiro contato com o casamento de Sandra, bem sucedida e Samuel, que parece ciumento e invejoso, além de mostrar uma auto estima baixa.

Quando a jornalista vai embora, Milo sai com o cachorro, o border collie (Messi) que o conduz e em quem confia, já que o menino é cego. Quando começam as discussões entre os pais, ele sempre sai. Dessa vez não foi diferente.

De certa forma, o menino é o centro das desavenças do casal. Sandra não fala sobre isso abertamente mas percebe-se nas entrelinhas que culpa Samuel pelo acidente que deixou Milo cego aos 4 anos.

Passam-se duas horas e, quando o menino volta, os latidos do cachorro assinalam que algo grave aconteceu. O corpo morto de Samuel jaz numa poça de sangue. Milo grita pela mãe que aparece numa janela e corre para baixo. Liga para a polícia e abraça o filho.

Justine Triet, a diretora e roteirista, nos coloca nessa cena terrível e intrigante. O que aconteceu? Foi um acidente? Um assassinato? Um suicídio?

No tribunal, Sandra, acusada de assassinato, repete: “- Eu não matei meu marido”.

E assistimos ao desfile das testemunhas que trazem as mais diversas versões e hipóteses sobre o ocorrido. Técnicos de medicina legal mostram fotos, desenhos e simulações em vídeo. Uns falam em acidente, outros em crime. O promotor se esmera em apresentar Sandra como a assassina. Mas não há provas.

A vida do casal é exposta sem pruridos.

E a plateia lotada segue também os depoimentos, quase que se divertindo com o espetáculo midiático.

Sandra está nas manchetes sensacionalistas e ao vivo na TV.

E, por vontade própria, em todas as sessões do tribunal, Milo está presente. Ouve os depoimentos, calado mas atento.

A cena final é comovente porque alguém, finalmente, recebe um consolo amoroso, desinteressado e sincero.

“Anatomia de uma queda” levou a Palma de Ouro em Cannes, está na lista dos melhores filmes do Oscar, Justine Triet está na lista dos melhores diretores, Sandra Huller foi indicada a melhor atriz, a diretora e seu companheiro Arthur Harari disputam o Oscar de melhor roteiro original e o filme recebeu a indicação de melhor edição.

O filme trata de muitos assuntos mas principalmente da cultura do espetáculo, da busca do sensacionalismo pelas mídias e da difícil relação entre a “verdade” subjetiva e fatos que ocorrem na vida dos mortais.

Imperdível.