Custódia

“Custódia”- “Jusqu’à la Garde”, França, 2017

Direção: Xavier Legrand

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Acompanhamos uma mulher pequena, de óculos, pelos corredores de um prédio, com uma assistente. Depois nos damos conta de que é uma juíza que vai presidir uma audiência de custódia de um menino de 11 anos.

O casal de pais, recém-divorciados, cada um com sua advogada, exibem rostos sérios, apreensivos. Nada sabemos sobre eles.

Quando a advogada da mãe de Julien (Léa Drucker) começa a falar, muito rápido, ficamos sabendo que há outra filha do casal, Joséphine, que vai fazer 18 anos logo e que, portanto, não entra na questão da custódia. Abruptamente, uma carta é lida e desperta em nós um desconforto. A advogada acrescenta:

“- Julien não quer ver seu pai. Há uma total rejeição. Joséphine foi tratada com violência pelo pai. A criança em questão quer ficar com a mãe.”

A outra advogada, de óculos e muito segura de si, diz simplesmente o oposto do que a advogada da mãe afirmou:

“- Pai e mãe são responsáveis pela educação dos filhos. A mãe acusa o pai de violência. Não há provas. Ele é descrito por pessoas que convivem com ele como sendo equilibrado, generoso, normal. Não combina com o que a mulher diz dele. Meu cliente está aterrado com a imagem que a mãe faz dele. Se ele não foi um bom marido, isso não quer dizer que foi mau pai. Pedimos a guarda compartilhada de Julien.”

E, apesar de haver um relatório da enfermeira da escola sobre sinais de comportamento violento do pai contra a filha, a juíza decide pela guarda compartilhada.

“Custódia” merece ser visto pelo espectador que não tem informações sobre o  filme. Porque o diretor nos convida a fazer um juízo próprio sobre essa cena da introdução. Paira no ar uma dúvida. Afinal, quem fala a verdade?

Mas se a juíza deu a guarda compartilhada…

E vamos ver acontecer as discórdias familiares cada vez que o pai vem buscar Julien para o fim de semana com ele. Alto, corpulento, ele se mostra empenhado em ter a companhia do filho, que o olha com apreensão. O close da câmera em seus olhos assustados, diz tudo.

Mas nos perguntamos ainda se a mãe ou uma outra pessoa não foi o responsável por fazer a cabeça do filho contra o pai (Denis Ménochet).

O filme do estreante Xavier Legrand, 39 anos, é um convite para o espectador viver essa relação de pai, mãe e filhos. Dentro da casa, do carro, onde eles estiverem. Vamos sentir na pele o que está acontecendo ali.

A tensão inicial vai num crescendo até que o filme vira um thriller. E o espectador se envolve e fica também muito assustado com tudo aquilo, até a aterrorizante cena final.

“Custódia” é um filme surpreendente, com excelente direção de atores bem escolhidos e menção especial para o ator mirim Thomas Gioria. O roteiro inteligente foi escrito pelo próprio diretor.

Grande filme, que não somente conta uma história bem contada, mas faz também uma reflexão sobre a violência doméstica e suas vítimas.

Uma Casa à BeiraMar

“Uma Casa à Beira Mar”- “La Villa”, França, 2017

Direção: Robert Guédiguian

O barulhos das ondas antecede a visão do terraço debruçado sobre o mar. Um pequeno porto rodeado de rochedos, casas e árvores. Atrás da casa, um antigo aqueduto romano tornou-se ponte para o trem que vem e vai.

Um homem velho, cabelos brancos, olhos azuis e pele crestada de sol, olha a paisagem do por do sol e pensa em algo:

“- Azar…”, diz com impotência e cenho franzido.

Acende um cigarro e um close em sua mão que tenta agarrar a mesa, mostra que ele não está bem. As imagens do mar ficam desbotadas, quase em preto e branco.

Mas ele não morreu. Pior. Está na cama, com uma respiração agônica e olhos abertos que nada veem. Teve um derrame que o deixou paralisado e sem fala.

A doença do pai e, por que não dizer, a expectativa que ele morra, traz de volta à casa seus outros dois filhos, recebidos pelo irmão mais velho Armand (Gérard Meylan). Ele ficou na casa da infância e cuida do pequeno restaurante modesto fundado pelo pai.

“- Por que veio? Não precisava. Mas estou contente de te ver. Você não?”, pergunta a Angèle, sua irmã.

Ela (Ariane Ascaride, mulher do diretor e um rosto sempre presente em seus filmes) é atriz de sucesso e não volta à casa paterna há 20 anos. Está angustiada, já que essa visita vai trazer à tona memórias funestas, que ela quer evitar. Nunca perdoou o pai por causa de uma tragédia acontecida naquele lugar.

E Joseph (Jean-Pierre Darroussin) chega com uma namorada bem mais nova (Anais Demoustier) e traz consigo uma amargura e acidez que pioraram com o tempo e os infortúnios. Ele é um escritor que não consegue escrever nada há muito tempo.

A primeira parte do filme vai contar a história dos irmãos e como eles vão lidar com as recordações boas e más, que aquela casa traz de volta. Um balanço da vida é inevitável e e eles vão ter que encarar a realidade que foi possível, apesar de querer que quase tudo tivesse sido diferente.

Há também histórias de amor que ajudam a pensar em dias melhores, contadas com humor e doçura.

Na segunda parte, há uma reversão das preocupações por causa das crianças imigrantes que sobreviveram ao naufrágio que os trazia da África do Norte. São encontradas vivendo escondidas e à mingua pelos irmãos. O coração deles vai se abrir à essa tragédia

que roubou pais e país daqueles refugiados.

Robert Guédiguian, 65 anos, faz um filme com uma  visão humanista e parece que nos acena com esperança de um mundo melhor, baseado não em ideias de progresso ou de um retorno ao passado, mas na possibilidade das pessoas se reinventarem enquanto é tempo.

A vida é curta mas enquanto ela palpita em nosso coração, há sempre tempo para rever nossos passos e se inspirar para trilhar novos caminhos.