O Insulto

“O Insulto”- “L ’Insulte”, França, Líbano, 2017

Direção: Ziad Doueri

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Para entender um pouco melhor a situação política do Líbano, temos que lembrar que a região é conturbada e que houve uma guerra civil entre 1975-1990 que dividiu o país, colocando em confronto os muçulmanos aliados à Síria e os cristãos aliados ao Ocidente. É um lugar de relacionamentos tempestuosos. Para aumentar a tensão, ocorreu que milhares de palestinos buscaram refúgio no Líbano e países vizinhos, depois de expulsos pelos israelenses das terras que ocupavam.

Em 1982, tropas enviadas por Ariel Sharon, Ministro da Defesa de Israel, iniciaram uma operação, “Paz na Galileia”, destinada a neutralizar as tropas palestinas no sul do Líbano, que atacavam o norte de Israel.

Uma frase dita com raiva por um dos personagens do filme refere-se a essa operação militar:

“- Quisera que Ariel Sharon tivesse exterminado todos vocês.”

E o acontecimento que deflagrou o conflito entre um libanês do partido cristão, Toni Hanna (Adel Karam) e o refugiado palestino Yasser Salameh (Kamal El Basha) foi uma coisa boba. A discussão na rua acabou no tribunal e tomou tal proporção que levantou embates entre grupos inimigos na cidade de Beirute.

O roteiro de Ziad Doueri, muçulmano e sua ex mulher cristã, Joelle Touma, vai mostrando camada por camada dessa briga que tem raízes profundas e antigas. E o talento do diretor, que foi assistente de Quentin Tarantino, envolve o espectador.

Quando o filme começa, vemos os partidários do partido cristão num comício atacando verbalmente os palestinos. E a mulher grávida do libanês cristão pede para o marido que a leve para a aldeia de Damour, terra da família de Toni, próxima de Beirute mas onde haveria um ambiente mais calmo. Ele se recusa a ouvi-la. É um homem jovem e autoritário.

Seu opositor, o refugiado palestino, mais velho, comanda reformas da prefeitura. Estando debaixo da sacada do apartamento onde moram Toni e sua mulher, cai água na cabeça dele, que fica zangado, xinga o outro que está molhando as plantas e diz que a calha está colocada de maneira errada. Pede para fazer o conserto mas o outro não deixa e exige que ele peça desculpas.

Quando o palestino vai pedir as desculpas, aconselhado por sua mulher, a coisa esquenta já que a TV na oficina de Toni berra um discurso do partido cristão contra os palestinos.

E mais, o libanês solta a frase já citada sobre Ariel Sharon olhando com raiva para o outro e leva um murro no estômago.

Pronto. A situação adquire contornos radicais e vai para o embate jurídico no tribunal.

E é lá que o filme cresce porque coloca questões difíceis de responder. Quem é o culpado? Quem agrediu primeiro? Ou ainda: são todos vítimas?

As razões para as guerras fratricidas são inúmeras. As cicatrizes não se consolidam, as feridas se abrem ao menor acontecimento que parece fútil, como a exigência do pedido de desculpas pela água derramada que levou à uma ofensa, que gerou ofensa maior ainda e por fim, deu vazão à violência.

A natureza humana não é pacífica. Em nós todos a agressividade é uma condição natural para a defesa da vida. Mas, diferente dos outros animais, guiados pelo instinto, temos acesso à reflexão, ao adiamento do primeiro impulso. Só isso pode nos levar a pensar em convivência com os que são diferentes de nós.

No estacionamento do tribunal há uma cena, envolvendo os dois ótimos atores, que acena com uma leve esperança e alívio da tensão. Mas até quando?

O filme escapou da censura no Líbano e foi a terceira maior bilheteria do ano passado no país. Está na lista dos indicados ao melhor filme estrangeiro e é a primeira vez que o Líbano concorre ao Oscar.

 

Três Anúncios para um Crime

“Três Anúncios para um Crime”- “Three Billboards Outside Ebbing, Missouri”, Estados Unidos, 2017

Direção: Martin McDonagh

Na neblina da manhã, vemos três cartazes semidestruídos ao longo de uma estrada deserta. Mais tarde, quando o sol aquece aquela mesma estrada, Mildred Hayes (Frances McDormand, extraordinária) olha aqueles cartazes e tem uma ideia. Seu rosto, vincado e triste, se ilumina, enquanto a voz da divina Renée Flemming canta uma melancólica canção irlandesa.

Mildred segue até a agência de publicidade na cidadezinha e aluga os três cartazes. À noite, um policial vê os cartazes ostentando duas perguntas e um lamento: “E aí xerife Willoughby? ”, “E ainda nenhuma prisão? ”, “Estuprada enquanto morria “.

A mãe de Angela Hayes quer que o assassino seja descoberto e preso. Já se passaram sete meses e nada aconteceu.

A atriz Frances McDormand (“Fargo”) faz uma mãe abrutalhada e teimosa com tanta convicção que espanta. A personagem pouco fala mas sabe agir. E transmite essa certeza da vingança com os tons da dúvida. Uma mulher contra tudo e todos. Porém, ela mesma está em conflito com a culpa que também sente por sua relação tempestuosa com a filha.

O elenco de apoio está muito bem. Desde o xerife Willoughby (Woody Harrelson), passando pelo policial Jason Dixon (Sam Rockwell), até o ex marido Charlie (John Hawkes). Todos expressam vivamente o quanto é rude e grosseiro o pessoal que habita aquele lugar. Brigas, palavrões que pontuam cada frase que é dita, tudo neles é intempestivo e cru.

Carregados com “a raiva que germina a raiva”, como diz uma personagem que não sabe o que diz, vão ter que passar por um inferno de retaliações, até conseguir, talvez, ter calma antes de agir, como aconselha outro personagem que sai de cena deixando cartas.

Com 7 indicações ao Oscar (melhor filme, atriz, dois atores coadjuvantes, roteiro original, edição e trilha sonora), o filme dirigido pelo britânico Martin McDonagh passa um retrato de um lugar distante, no coração dos Estados Unidos, onde a lei do mais forte impera. A violência é a solução dos problemas, o racismo está entranhado na alma dos brancos e a sexualidade se expressa com brutalidade.

Um retrato assustador e irônico, pontuado por um humor corrosivo. Um alarme para o mundo de hoje que descamba para a crueza.