Uma Família de Dois

“Uma Família de Dois”- “Demain Tout Commence”, França, 2016

Direção: Hugo Gélin

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O que é uma família? A tradicional tem na receita pai, mãe e filhos. Mas, a cada dia que passa, vemos surgirem novas fórmulas que funcionam bem, porque se prestam ao que as crianças precisam. A família existe para proteger, alimentar e preparar os filhos para o futuro. É uma instituição a serviço da sobrevivência da espécie.

Bem, mas não é todo mundo que tem vontade de formar uma família. Samuel (Omar Sy), por exemplo, está muito tranquilo e confortável na vida de solteiro à beira-mar, na famosa “Côte d’Azur”.

Ele é o encarregado de divertir os hóspedes do “résort” onde trabalha e, para ele, tudo está perfeito. Leva uma vida sem responsabilidades, muitas namoradas e noitadas intermináveis até o sol nascer. E tudo recomeçar.

Até que…Pois é. A vida boa de Samuel termina de repente. Uma bebê de meses é colocada em seu colo, sem maiores explicações, por uma ex-namorada da qual já havia se esquecido, Kristin (Clémence Poésy), que afirma que ele é o pai da criança. E, assim como aparece, do nada, desaparece.

Atônito, Samuel tenta em vão chamar a fugitiva de volta. Ela sumiu. E Glória, a bebê, chora desesperada.

Há ocasiões em nossa vida que precisamos improvisar e Samuel, sem ter uma ideia melhor, larga a praia francesa e vai atrás da mãe de Glória, que parece que mora em Londres.

Mas, mesmo pai de primeira viagem e nada à vontade no papel, Samuel vai se ajeitando. Bebês precisam de atenção constante, alimento a horas certas e proteção carinhosa. Felizmente Samuel possui a ternura na medida certa para conquistar Glória e ser o pai-mãe dela.

Seu sorriso de dentes brancos brilhantes, estatura de gigante, carisma natural e cara de gente boa, atraem a atenção solidária de Bernie (Antoine Bertin), que simpatiza com o pai atrapalhado, que não fala inglês e acolhe a dupla perdida.

Até emprego de dublê no cinema ele arranja para Samuel. Torna-se o melhor amigo e protetor de pai e filha. O fato dele ser gay não interfere na relação com Samuel, que não é preconceituoso e sabe ser grato a quem lhe estende a mão.

É divertido ver o apartamento que Samuel inventou para a filha, um verdadeiro parque de diversões, que se torna o cenário do crescimento de Glória (Gloria Colston, um encanto de atriz). Os dois são “unha e carne”.

Samuel não desiste de procurar a mãe de sua filha na internet e inventa uma história maluca sobre a identidade da desaparecida, que convence a menina de não ter perdido a mãe para sempre.

Mas aos oito anos de convivência feliz, a mãe de Glória reaparece  novamente do nada e quer a filha. Assim como abriu mão dela sem explicações, reaparece exigindo exercer sua função de mãe. Isso mexe com a dupla e exige uma posição firme de Samuel.

O filme é uma refilmagem de um filme mexicano, “No se aceptam devoluciones” (2013) e parece que o diretor Hugo Gélin, em seu segundo longa, conseguiu melhorar a história e o clima do filme no qual se baseia. Levou milhões de franceses e alemães ao cinema.

Ternura, bom humor e uma lágrima vão conquistar também os brasileiros. E com razão. Só os mais implicantes vão torcer o nariz. Os outros vão sair do cinema emocionados.

 

Um Instante de Amor

“Um Instante de Amor”- “Mal de Pierres”, França, 2016

Direção: Nicole Garcia

O passado volta vivo e pulsante no coração de Gabrielle (Marion Cotillard, atriz soberba) quando ela vê o nome de uma rua, por acaso, em Lyon, cidade que não conhecia. É onde mora André Sauvage (Louis Garrel), seu grande amor. Ele desapareceu do lugar onde ambos se tratavam de problemas renais e nunca respondera às suas milhares de cartas enviadas àquele endereço, devolvidas pelo Correio.

Num longo “flashback”, vamos conhecer os personagens dessa história de amor, passada nos anos 50.

Gabrielle, jovem, intensa e desmedida, se apaixona pelo professor de piano que lhe empresta o livro “O Morro dos Ventos Uivantes”, sem saber que estava mexendo num vulcão.

O romance de Emily Bronte, publicado com pseudônimo, em 1847, era alimento sob medida para as paixões que tumultuavam o espírito de Gabrielle. E ela faz uma cena de ciúme em frente da comunidade, num festejo da colheita da lavanda.

Vista como histérica pela própria mãe, por causa de seus estranhos ataques de câimbras, Gabrielle é ameaçada de internação, se não fizesse o que ela queria para a filha: um casamento para acalmar seu temperamento. E José, o pedreiro que trabalhava para seu pai, é o escolhido.

Estranhamente, Gabrielle aceita casar-se mas impõem uma interdição: sem sexo. Porém, quando o marido diz que vai visitar mulheres, ela se pinta, coloca uma lingerie provocante e manda ele colocar o dinheiro sobre a mesa. Sexo sem prazer nem carinhos.

Gabrielle é uma mulher complexa, cujo corpo fala de repressões impostas a si mesma, baixa auto-estima e falta de acolhimento.

Um medo de amar se transforma no “Mal des Pierres”, doença renal que substitui o prazer pela dor.

Gabrielle parece obedecer à regra que diz que só aceitamos o amor que achamos que merecemos.

Com direção de Nicole Garcia, 71 anos, o filme é belíssimo e comovente. O roteiro foi escrito a quatro mãos pela diretora e pela autora do romance que foi adaptado (“Mali di Pietre”), Milena Agus.

Mas a grande atração é o trio principal do elenco: Marion Cotillard, bela, confusa, atormentada e sem controle de seus impulsos, Louis Garrel, sedutor e sofrido e José, o marido interpretado com força e delicadeza por Alex Brendemuhl.

Quando passou em Cannes, “Um Instante de Amor” foi ovacionado mas não ganhou nenhum prêmio. A fotografia sensível de Christophe Beaucarne nos faz ter olhos para a Provence da colheita das lavandas e para perceber o olhar quente e machucado de Marion Cotillard.

A “Barcarola de junho” de Tchaikovsky é o  fundo musical inesquecível, que parece falar de romances tristes.

“Um Instante de Amor” vai agradar ao público feminino e interessar ao masculino.

Sensual, delicado e romântico.