Norman : Confie em Mim

“Norman: Confie em mim”- “Norman: The Moderate Rise and Tragic Fall of a New York Fixer”, Estados Unidos, Israel, 2017

Direção: Joseph Cedar

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Simpático, cabelos brancos, óculos, fala mansa e sempre vestido em seu elegante sobretudo, na fria Nova York, Norman Oppenheimer (Richard Gere, 67 anos, carismático como nunca) movimenta-se como se fosse esperado para o fechamento de um negócio importante. Celular em punho, fala com muita gente, o tempo todo.

Mas quem é ele? Em seu cartão que distribui generosamente, está escrito “Estratégias Oppenheimer” e perguntado, não explica, muda de assunto. Ele se diz amigo de todos os nomes importantes da cidade e se coloca à disposição para apresentá-los a quem possa interessar.

Quando um jovem político israelense aparece em Nova York para uma conferência, lá está Norman, de olho nele. Mas o que pretende esse homem misterioso?

Misha Eshel (Liar Ashkenazi, ótimo ator), vice-ministro do comércio de Israel, andando pelas ruas da cidade, para numa vitrine elegante. Olha com cobiça para um par de sapatos. E, imediatamente, Norman surge a seu lado, puxando conversa. Consegue arrastar o político para dentro da loja caríssima e faz o homem experimentar o luxo.

Sedutor como a serpente do paraíso, Norman consegue o que quer. Com um gesto aparentemente generoso, presenteia os sapatos para o agradecido desconhecido e compra um lugar em sua vida. Aquele gesto não será esquecido.

Mas por que? Qual o interesse de Norman em se acercar e agradar esse personagem do segundo escalão da política em Israel?

Ao longo do filme em quatro capítulos, vamos seguindo os passos de Norman, divididos entre torcer por ele, para que seus obscuros planos deem certo e uma aflição. Afinal o que move Norman?

Parece que não é a vontade do lucro, de ganhar dinheiro. Se existe, está em segundo plano. Não sabemos nada de pessoal sobre ele. Nem onde vive, nem se a mulher morta e a filha existem mesmo. Desconfiamos que se abriga de noite na sinagoga, onde é amigo do rabino (Steve Buscemi).

Com o desenrolar da história começamos a entender a solidão de Norman, sua existência sem raízes, a vida inventada à custa de personagens ilustres que ele seduz.

Todo mundo o conhece mas ninguém sabe quem ele é.

Num mundo cada vez mais interessado só em aparências, não há lugar para a verdadeira amizade que requer tempo, investimento afetivo e presença. Norman é um subproduto desse jeito de viver. Apoia-se no desejo do outro. Tenta satisfazer todos os seus “amigos” para ser visto, reconhecido, quem sabe até ser quase amado.

Joseph Cedar, diretor e roteirista americano radicado em Israel, em seu primeiro filme em Hollywood, toca num ponto sensível da sociedade contemporânea. E por isso fez um filme que angustia e pode não agradar a quem pensou que iria ver uma comédia. Porque não existe um pouco de Norman em todos nós?

Além das Palavras

“Além das Palavras”- “Quiet Passion”, Reino Unido, Bélgica, 2016

Direção: Terence Davies

Fica claro, desde o início, que Emily Dickinson (1830-1886) era uma alma rebelde. Na escola, é a única que enfrenta a pergunta da diretora do “Mount Holyoke Female Seminary” com uma resposta inesperada mas sincera:

“- O inferno a espera. Vai aceitar Deus?”

“- Acho que não” responde a mocinha (Emma Bell).

“- Está sozinha em sua rebelião Miss Dickinson.”

Quando a família vem buscá-la, sente falta da mãe:

“- A viagem seria demais para ela” responde o pai (Keith Carradine).

Emily, Vinnie e Austin são os filhos da família Dickinson que vive em uma grande casa amarela, de janelas verdes, com um belo jardim de altas árvores e canteiros bem cuidados, em Massachusetts.

Tia Elizabeth é velha, rica e esnobe mas principalmente conservadora como o pai de Emily. No teatro, onde está toda a família, o pai comenta sobre a soprano:

“- Uma mulher não deveria se expor assim…”

“- Mas ela é talentosa”, retruca Emily, que está encantada.

Quando recomeça o canto, ela exclama:

“- O demônio da música!”

“- Não seja vulgar, Emily”, censura o pai.

Então, no início, ela era vivaz e cheia de esperança. Vemos quando pede ao pai sobre sua vontade de escrever à noite:

“- Não vou aborrecer ninguém. Prometo.”

Chamada pela tia de ”Robespierre” por causa das ideias que expõe, Emily responde com humor:

“- Tia, no máximo uma Charlotte Corday!”

Essa rebeldia feminina, vista com maus olhos pela sociedade calvinista em que vivia, vai custar mais tarde a Emily uma vida reclusa e nenhum reconhecimento pelos pouquíssimos poemas que publica.

“- Eu gostaria de ter alguma aceitação em vida”, lamenta ela a alguém que a consola dizendo que ela escreve para a posteridade.

Emily admirava a beleza e, para seu infortúnio, não era bela como a irmã Vinnie (Jennifer Ehle, atriz maravilhosa) ou sua amiga coquete e esperta Vinyling Buffam (Catherine Bailey). Uma severa autocrítica e rigidez ficam ainda mais marcantes quando a juventude passa e não há mais esperança de ser amada e amar.

Uma mãe depressiva e reclusa (Joanna Bacon) não poderia ter dado à sensível Emily, na infância, o aconchego que ela nunca iria experimentar. Vinnie, sua irmã mais nova, que também não se casa, é a pessoa que mais consegue compreender a irmã e suas angústias.

Os poemas daquela que hoje é considerada uma das maiores poetas da língua inglesa, são lidos em “off” e acompanham cenas de episódios conhecidos de sua vida.

“ – Meus poemas são o meu consolo.”

Aos 55 anos morre ela de uma doença incurável que a faz sofrer muito.

O trabalho de Cynthia Nixon como Emily é esplêndido, retratando-a como uma mulher inteligente, rebelde, de personalidade complexa e carente de afeto mas muito rígida para aceitar a natureza humana e suas imperfeições:

“ – Acabamos nos transformando naquilo que tememos…” lamenta uma Emily já muito próxima do fim de sua vida, amarga e solitária.

Terence Davies, 71 anos, diretor e roteirista, faz um belo trabalho reconstituindo o século XIX por fora, com sua estética fotografada por Florence Hoffmeister e por dentro das pessoas, mostrando conflitos e a posição inferior da mulher na sociedade daquela época.

Um filme triste e belo.