Fatima

“Fatima”- Idem, França, 2015

Direção: Philippe Faucon

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Existem pessoas invisíveis ao nosso redor. Não as vemos mas são úteis a todos que vivem em sociedades ocidentais. São os que fazem trabalhos que ninguém mais quer fazer.

Aqui entre nós, essas pessoas pertencem a classes sociais inferiores, não tiveram acesso a quase nenhuma educação e fazem trabalhos braçais. O mesmo sucede na Europa, onde se passa o filme “Fatima”, na periferia da cidade de Lyon, na França. Lá os invisíveis são imigrantes vindos de países que antes foram colônias francesas.

Fatima nasceu na Argélia, veste o véu, muçulmana e tem duas filhas nascidas na França. O preconceito as atinge já na abertura do filme quando um apartamento para alugar passa a ser uma dificuldade.

Existem bairros que aceitam esse tipo de pessoas, outros não.

Mas conseguiram um lugar para viver e as filhas de Fatima se sentem mais francesas do que a mãe. Estão na escola, andam com os iguais a elas e também com alguns franceses.

Percebe-se que as meninas amam a mãe que vive em função delas mas se ressentem de Fatima falar apenas algumas frases em francês, apesar de viver há tempos na França, vestir o véu e querer que elas se comportem como se estivessem na aldeia natal. Além disso é separada, o pai vê pouco as filhas e não ajuda em quase nada. Uma conversa num restaurante ou no carro, um presentinho de vez em quando e só. Ele tem uma nova família.

Às vezes não compreendem a própria mãe, o que ela pode estar sentindo. Egoísmo próprio da geração delas.

Nesrine, a mais velha, é séria, estudiosa e prepara-se para entrar na faculdade de medicina. Ela sabe que tem que estudar muito mais que os outros, que serão os preferidos para as vagas e está bastante motivada. Mas pede para a mãe um dinheiro extra para poder compartilhar um outro apartamento com uma colega porque precisa de silêncio e concentração.

Por isso Fatima vai trabalhar como faxineira numa casa francesa. Mas fica pouco tempo lá, porque não se sente respeitada. Por sorte consegue outro trabalho no município. Sai às 6 da manhã de casa e só volta à noitinha quando o segundo turno a espera. Arrumar, lavar, passar, cozinhar.

A filha mais nova, Souad, vai mal na escola, não se esforça e um dia diz para a mãe que cobra dela mais empenho:

“- Você é uma incapaz. Nem sabe ler o francês. Como vai me ajudar nos deveres da escola?”

Essa frase fere Fatima lá no fundo porque é assim mesmo que ela se vê.

“- Vou ao encontro com os professores de minha filha mas não sei falar francês…Só escuto e observo. Eu precisava aprender…”, comenta com a colega faxineira.

As outras mulheres da comunidade que vivem perto delas tem inveja de Fatima porque suas filhas estudam e a mais velha vai ser médica. Elas não tiveram essa escolha e inventam mexericos sobre Nesrine.

Mas a vida de Fatima vai mudar quando ela sofre um acidente e começa a escrever tudo que está trancado em seu coração até aquele momento. A dor física faz com que ela se dê conta de outras dores. E entende que precisa se esforçar para poder pertencer ao lugar onde mora e onde suas filhas vão viver. Fátima quer provar que não é incapaz:

“O medo começou a recuar e reencontro confiança em mim mesma”, escreve ela.

Sua intifada começa. Sem bombas, nem ódio. Fatima vai conquistar seu lugar naquela sociedade que a excluía até então. E entende que a educação é inclusiva.

É preciso compreender a cultura em que se vive para poder participar. E isso não quer dizer virar as costas para a cultura onde se nasceu. Uma convivência saudável tanto com as pessoas, através da língua, como consigo mesma, com sua autoestima aumentada.

Uma vida melhor espera por Fatima.

Fome de Poder

“Fome de Poder”- “The Founder”, Estados Unidos, 2016

Direção: John Lee Hancock

O sonho americano do sucesso é perseguido por muitos. Aliás quem quer ser um “looser”? No capitalismo, as regras são ganhar sempre e então você será um “winner”(vencedor) ou um “looser”(perdedor).

Ray Kroc, 52 anos, um vendedor de produtos aparentemente inovadores, rodava os Estados Unidos à cata de compradores para uma máquina de fazer “milk-shakes”. Ele tem uma boa lábia e sabe vender seu produto que é diferente dos outros do mercado. Faz mais, com menos tempo. Porém vende um aqui, outro acolá. O mercado é restrito.

Até que em 1954, ele entra em contato com um comprador que encomendara seis multimixers. Ele liga, certo de que se tratava de um erro da secretária. Mas não, era verdade. Dick McDonald precisava de oito daquelas máquinas.

Ray olha o mapa e de Illinois vai até San Bernardino pela Route 66, atravessando planícies imensas, perseguindo sua intuição. Quem será esse tal de McDonald?

Ray come em drive-ins pelo caminho e se irrita com a espera pela comida. Isso quando não vem errada.

Quando chega ao quiosque McDonald fica encantado com o que vê. Filas que andam rapidamente. Clientes satisfeitos. Limpeza. E comenta com o sujeito que varre o chão:

“- Foi o melhor hamburger que já comi”.

“- Sou Mac, quer fazer um tour pelo nosso quiosque? Vou apresentar meu irmão Dick para você”, diz sorrindo um dos donos da lanchonete que não serve em pratos. Só embalagens de papel e cada um come seu hamburguer onde quiser.

A linha de montagem dos irmãos Dick (Nick Offerman) e Mac (John Carroll Lynch), o cérebro e o coração do McDonald, é perfeita. Em 30 segundos sai um sanduiche feito com cuidado e habilidade. Vendem também batata frita e refresco.

“- Quero ouvir a história de vocês. São o melhor restaurante que eu conheço. E olha que eu conheço bem a área alimentícia!”, diz Ray simpático.

Aí começamos a entender como foi possível partir de um quiosque para um império bilionário, presente em todo os Estados Unidos e em 100 países do mundo.

O diretor John Lee Hancock conta essa história, que quase ninguém conhece, de maneira correta.

Michael Keaton está ótimo e passa para a tela a ambiguidade de Ray Kroc, um homem batalhador mas pouco atento à ética de suas ações. O roteiro de Robert Siegel mostra a escalada da ambição de Ray e o lugar cada vez mais remoto que a preocupação com os outros ocupa em sua mente.

Para muitos ele será sempre admirável, um verdadeiro “winner”. Para outros, um sujeito sem moral, que passou por cima dos verdadeiros donos do negócio, aproveitando-se de sua boa fé.

Será verdade aquilo que dizem que por trás de um negócio bilionário tem sempre um jogo sujo?