É Apenas o Fim do Mundo

“É Apenas o Fim do Mundo”- “Juste la Fin du Monde”, Canadá, França, 2016

Direção: Xavier Dolan

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“Em algum lugar, já há algum tempo” é a frase que abre o sexto filme de Xavier Dolan, 27 anos, menino prodígio canadense. Parece aludir a algo que amadureceu nele, ao longo de seu curto e fascinante trajeto nas telas do cinema.

Aqui ele usa palavras de um outro talento precoce, adaptando a peça do escritor, diretor e ator teatral francês, Jean-Luc Lagarce, que aos 21 anos já tinha sua própria companhia de teatro e que escreveu 25 peças até sua morte em 1995, em consequência da AIDS. É o autor teatral contemporâneo mais representado atualmente na França.

No filme, Louis (Gaspard Ulliel) de 34 anos, é um bem sucedido escritor gay, que viaja num avião e o vemos tristonho. As mãos de uma criança que viaja atrás dele, cutucam e brincam de tapar seus olhos, com isso conseguindo um sorriso.

Mas compreendemos seu rosto ensombrecido pois ele mesmo diz em “off” que não vê a família há 12 anos e que agora volta para casa para contar que vai morrer. Adivinhamos nele uma esperança de consolo, de abrigo mas também medo, já que sabe das razões que o afastaram da família.

No taxi, ele observa pessoas pela janela. Desconhecidos. Logo ele vai ter que enfrentar os que conhece.

Entra na casa e lá está sua família: a mãe Martine (Natalie Baye, ótima), exagerada, unhas azuis, super “makeup”e “tailleur”de rosas vermelhas; Suzanne (Léa Seydoux), a irmã mais nova que ele mal viu crescer; Vincent Cassel que é Antoine, o irmão mais velho, bruto, complexado, invejoso e Catherine (Marion Cotillard, num papel difícil, excelente), a cunhada que Louis não conhece.

A recepção ao filho que volta à casa é de início calorosa e barulhenta. E depois, continua menos calorosa e mais briguenta. Louis é ora espectador, ora participante de poucas palavras. A câmara faz closes dos vários rostos e cada qual passa para a plateia o dito que esconde o não dito.

E como contar o que havia para contar?

O rosto grave de Louis parece transparecer a trágica notícia mas ninguém quer ouvir nada. Os closes mostram cada um com seus motivos. Querem falar, preencher o vazio evidente entre eles e Louis.

E, fazendo seu número teatral particular, tornar claro que estão bravos, que foram rejeitados, que ele os abandonou e não partilhou seu sucesso e que eles não o querem ali, 12 anos depois, tendo dele somente cartões postais impessoais, abertos, lidos pelos carteiros, guardados numa caixa debaixo da cama de Suzanne, a tatuadora rebelde da família.

Ninguém quer ouvir o que Louis tem a dizer. Com exceção talvez da cunhada tímida, confusa e balbuciante, com um rosto onde os olhos falam, revelando solidariedade. Mas ela não é da família.

E bem que a mãe tenta ser carinhosa e aproximar o filho dos irmãos…Mas o faz sem esperança de conseguir.

“É Apenas o Fim do Mundo” ganhou o Prêmio do Júri no Festival de Cannes 2016 e o prêmio do Júri Ecumênico.

Xavier Dolan, não é à toa o menino prodígio do cinema contemporâneo. Merece toda a admiração e os prêmios que já ganhou e que certamente vai ganhar ainda no futuro. 

Pequeno Segredo

“Pequeno Segredo”- Brasil, Nova Zelândia 2016

Direção: David Schurmann

É difícil falar sobre um filme que foi tão discutido e que tanto dividiu opiniões. Eu vi o trailer antes da indicação para representar o Brasil no Oscar 2017 e a primeira impressão foi a que ficou.

“Pequeno Segredo” tem lindas imagens do mar, do rio Amazonas e belos pores do sol (fotografia do peruano Inti Brionis). Noites estreladas e o encanto de uma menina loura, dançando como a  borboleta que voa sobre o mar na primeira cena.

O clima é de um conto de fadas. A relação mãe e filha (Julia Lemmertz e Mariana Goulart) coloca as duas em estado de graça. As vozes são suaves e os rostos expressivos das atrizes inspiram amor e devoção. Só existem elas no mundo.

E isso, de tal maneira, que o resto dos personagens são secundários. O pai (Marcello Antony) é figura apagada. Os pais verdadeiros de Kat, a talentosa Maria Flor e o opaco Errol Shand, filho da bruxa neozelandesa, a avó Barbara (Fionnulla Flanagan,  a única que consegue se sobressair), mais os irmãos adotivos, são pessoas que entram e saem, sem qualquer composição mais aprofundada.

E o que é o foco central da história, a vida e a morte precoce da irmã adotiva, contada pelo diretor David Schurmann, 42 anos, está impregnado de idealização.

Aos menos ingênuos ressalta a vontade de emocionar, de usar a música para que a plateia chegue às lágrimas e até mesmo a escolha dos atores com o objetivo de enfeitar a cena com rostos e palavras de ternura. Tudo em exagero.

E não precisava nada disso porque a história de Kat é suficientemente triste e comovente para as pessoas se emocionarem com naturalidade, sem precisar ser empurradas por clichês melosos.

Não li o livro do mesmo nome do filme, escrito por Heloisa, a mãe adotiva de Kat, mas dizem que é “devastador”. O que aconteceu então? Algo ocorreu na adaptação para o roteiro, escrito principalmente por Marcos Bernstein (“Central do Brasil”) e pelo diretor, que diz que quis honrar a mãe e seu gesto de adotar a menina, com o filme “Pequeno Segredo”.

Mas se o filme ganhar o Oscar porque combina com “a cabeça dos velhinhos da Academia”, como disseram alguns para justificar a escolha pela comissão do Ministério da Cultura, será um insulto tanto para os votantes do Oscar quanto para David Schurmann, que teria feito um filme para agradar pessoas conservadoras.

E além de tudo, essa justificativa não passa de um grande equívoco porque, se pensarmos no último filme premiado como melhor estrangeiro, o húngaro “Filho de Saul”, ele é um dos mais cruéis retratos da natureza humana. Nada a ver com “velhinhos conservadores”.

É uma pena porque parece que, mais uma vez, o Brasil fica fora do Oscar. Mas não custa esperar pela primeira lista dos nove escolhidos que sai no começo de janeiro…