Kóblic

“Kóblic”- Idem, Espanha, Argentina, 2016

Direção: Sebastián Borenztein

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Clima sombrio. Um homem, com ar pesado, olha por uma janela. Alguém o chama e ele caminha a passos largos para um hangar. Pessoas assustadas são levadas para um avião. O homem sobe à cabina. É o piloto. Para onde serão levadas aquelas pessoas?

Muitos filmes já foram feitos sobre a ditadura militar argentina que governou o país entre 1966 e 1973 e depois de um curto período, de 1976 a 1983, com mão de ferro e sem nenhuma piedade para com os opositores. Nesses filmes, há como que uma digestão lenta desse período amargo da História do país.

Ricardo Darín, 59 anos, o mais famoso ator de língua espanhola, protagonizou um dos mais comentados, “O Segredo dos Seus Olhos”, que ganhou o Oscar de melhor filme estrangeiro em 2009. Ele sempre escolhe muito bem os papéis que representa com sinceridade e talento.

Em “Kóblic”, Darín volta a ser dirigido por Sebastián Borenztein de “Um Conto Chinês” de 2011.

Estamos em 1977 e seu personagem é um homem que se debate para fugir de um passado do qual não se orgulha.

Tomás Kóblic, um homem que não sorri, fala pouco e usa uma máscara severa para olhar o mundo, está em permanente pesadelo. Atormentado por cenas assustadoras, tanto quando dorme como quando está acordado, ele não tem repouso.

Quando o vemos, está num vilarejo pobre e perdido, San Antonio de Areco no campo argentino, rebatizado de Colonia Elena no filme. Despede-se de uma mulher. Sem carinho. Ela parte de ônibus.

Guiando seu carro por uma estrada de terra, chega a um hangar onde vemos um aviãozinho de dois lugares, daqueles usados na pulverização das plantações locais. O horizonte é amplo nesse lugar plano, com nuvens espessas que não deixam ver o céu.

“- Sou amigo de dom Alberto. Espero aqui por ele”, diz Kóblic a Luis (Marcos Cartoy Diaz) o rapaz que trabalha no hangar.

Quando pousa um outro aviãozinho, o piloto corre para abraçar Kóblic:

“- Polaco querido! Que surpresa!”

Conversam e o amigo coloca o hangar à disposição de Tomás. Há roupa, comida e uma caminhonete para ele usar sem chamar a atenção com seu próprio carro. O principal é que é um esconderijo seguro. O amigo vai viajar por uns dias.

De noite, em meio a sonhos maus, escuta um barulho. De pronto, pega uma arma na cabeceira. Chove. Trovões e relâmpagos iluminam um cachorro ferido.

E vamos conhecer um Kóblic compassivo, que ama animais e não maltrata seus semelhantes. Fugiu de Buenos Aires porque não conseguia cumprir tarefas que iam além de seus limites éticos.

Mas Kóblic também não vai conseguir fugir do clima de terror da ditadura porque ele está presente em outros personagens no vilarejo, principalmente no odioso delegado Velarde (Oscar Martinez).

Vai haver o conflito que ele evitava.

E vai acontecer o amor, na pele da bela atriz espanhola Inma Cuesta, porque Kóblic anseia por liberdade e calor humano.

O final é antológico.

Outro ótimo filme de Ricardo Darín.

O Último Tango

“O Último Tango”- Un Tango Más”, Argentina, Alemanha, 2015

Direção: German Kral

Ao som do bandoneón, o tango envolve os pares que dançam com agilidade e graça. A história de amor que vai ser contada nesse documentário de German  Kral, argentino que mora na Alemanha, é a do par mais famoso dessa dança, que brilhou em espetáculos na Argentina e até na Broadway e no Japão.

Maria Nieves e Juan Carlos Capes vão recordar a vida deles, contada pelos dois, cada um a seu modo, através de suas lembranças, fotos e filmes da época, de seus arquivos pessoais.

No início, lembra Maria, nenhum dos dois sabia dançar. Ela tinha 16 anos e ia ao Clube Maldonado para ver o baile. Até que se olharam e ele, com menos de 20 anos, tornou-se o centro da vida de Maria.

Ao ver o par jovem dançar, como se fossem ele dois no começo, ela repara:

“- É lindo o que vocês fazem. Mas eu dançava mais colada e fazia menos passos. E você não olhou para ela”, diz para o rapaz, “o olhar dos dois é muito importante”.

Hoje, aos 81 anos, ela diz:

“- Na vida, só há uma única vez em que nos apaixonamos por alguém. É o primeiro amor.”

E ele, aos 84 anos recorda:

“- Ela era linda, tinha 16, 17 anos e era o que eu buscava. Quando dancei com ela, percebi que eu tinha encontrado o meu Stradivarius.”

E, realmente, quando os vemos dançando nos filmezinhos da época, como eram belos aqueles dois, que sincronia daquele par que parecia flutuar pelo salão, olhos nos olhos.

No documentário, uma companhia de dança entrevista os dois em separado e tenta entender o que aconteceu com aquele amor, que gerou o par mais famoso do tango argentino.

Produzido por Wim Wenders que dirigiu “Pina” de 2013, inesquecível, eternizando Pina Bausch, o documentário alterna depoimentos de Maria, contando com naturalidade e emoção a vida dos dois, com danças de dois pares que são eles em épocas diferentes. Juan Carlos também é entrevistado, mas ele é menos expansivo que Maria.

Ela relembra com alegria mesclada de tristeza sua infância pobre, a chegada de Juan em sua vida, o sonho realizado de dançar em palcos estrangeiros, onde encantavam as plateias com o estilo Capes, inventado por Juan enlaçando o corpo perfeito de Maria.

Cinquenta anos juntos, dançaram no começo muito apaixonados como se fossem um só e depois, separados, voltaram a dançar numa mistura de paixão pelo tango, amor frustrado e também ódio. E nunca foram tão perfeitos como nesse época, em que não se olhavam nem se falavam, longe do palco.

Vê-los é maravilhar-se com a precisão e a desenvoltura daquele par que competia pelo olhar do público no palco, calados, mas nunca indiferentes um ao outro.

E, claro, muitos tangos na trilha sonora que embala esse caso de amor emocionante.