Um Belo Verão

“Um Belo Verão”- “La Belle Saison”, França, Bélgica, 2015

Direção: Catherine Corsini

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A paixão é um sentimento que não escolhe hora, nem lugar. E assim, envolve duas pessoas, tão inteiramente, que elas criam um mundo à parte, pelo menos por algum tempo, fortificando-se com as dificuldades encontradas.

É o que acontece na história de Delphine (Izia Higelin) e Carole (Cécile de France).

As duas se encontram em Paris em 1971, um momento de grande ebulição de ideias e de novas maneiras de viver descobertas através do clima de liberdade que imperava.

Delphine, que vem do interior para a cidade grande, deixando a fazenda de seus pais, é uma jovem camponesa que aceita sua inclinação sexual, que surgiu nela muito pequena. Ela sente atração por mulheres. Mas, dado o conservadorismo reinante, ela preserva seus relacionamentos juvenís dos olhos críticos dos camponeses do local e da família.

Já Carole é uma mulher urbana, mora com o namorado e gosta justamente de enfrentar os preconceitos burgueses e de divertir-se com um grupo de outras mulheres politicamente envolvidas com a defesa dos direitos femininos. A vida delas é livre e agem até como adolescentes, longe da vista dos pais.

Delphine olha de longe esse tipo de ativismo mas não se envolve. Ela se encanta mesmo é por Carole e toma todas as iniciativas para seduzi-la.

A princípio surpreende a outra, que encara aquilo como um divertimento a mais. E uma oportunidade de escandalizar burgueses.

Mas a bela Carole, que pensava poder ser livre e levar a vida como bem entendesse, se vê envolvida por aquela menina saudável, que não se engana com o que sente e é mais livre do que Carole para aceitar essa atração, que logo se transforma em paixão.

Quando circunstâncias familiares obrigam Delphine a voltar para casa e tomar a liderança da fazenda em suas mãos, ela se mostra à altura dos acontecimentos e percebe que o trabalho com a terra e o trato com os animais é o que mais a deixa à vontade nesse mundo. Ela não é uma pessoa da cidade. Sente-se feliz no campo.

Carole aparece na fazenda, certa de poder recuperar a atenção e o amor de Delphine. Mas, apesar de sentir-se atraída pela ideia de largar tudo e seguir Carole, Delphine vai ter que refletir sobre as escolhas que vai fazer e que vão determinar o rumo de sua vida.

Belas imagens e excelentes atuações são o ponto forte de “Um Belo Verão”, que não hesita em mostrar os corpos femininos em seus mais íntimos detalhes. Mas será que isso ainda escandaliza alguém? Talvez os mais puritanos.

E certamente esse filme não é para pessoas que ainda não aceitam que o sexo é saudável e pode se expressar de diferentes maneiras.

 

 

Marguerite

“Marguerite”- Idem, França, Bélgica, 2015

Direção: Xavier Gianoli

A rica baronesa Marguerite Dumont vivia isolada mas dava festas e recitais disputados em sua casa palaciana, nos arredores de Paris. Sempre beneficentes e para o círculo “Amadeus” de amantes de óperas. E ela era, claro, a principal atração.

Estamos em 1920, os “anos loucos” e a Primeira Guerra deixara traços trágicos na Europa.

Quando começa o filme, Marguerite abre seus salões para um recital de novos talentos, entre eles uma bela e jovem soprano (Christa Theret), em benefício dos órfãos de guerra.

Pulando o muro, já que não tinham sido convidados, um crítico de música (Sylvain Dieuaide) e um artista de vanguarda (Aubrey Fenoy) vão presenciar a apresentação da baronesa, que se crê soprano coloratura e vai cantar a ária da Rainha da Noite, da “Flauta Mágica” de Mozart.

E, quando começa, os três, a jovem soprano e os dois rapazes, que nunca tinham escutado Marguerite cantar, se surpreendem. Ao invés do canto mágico e difícil, da garganta dela saiam grasnidos e notas erradas. Total e perdidamente desafinada.

Mas a plateia, apesar dos risinhos disfarçados, a aplaudia ao som de “Brava!”. Como era possível tanta loucura? Fácil. Marguerite era muito rica e patrocinava toda aquela gente que vinha aos seus recitais. Tudo ali era comprado. Inclusive o título de barão e baronesa.

O marido (André Marcon), o que mais se aproveitava da riqueza de Marguerite, conseguia chegar sempre no fim de suas apresentações, com mil desculpas, para evitar a vergonha. Ele e o mordomo fiel Madelbos (o ator do Congo, Denis Mpunga, ótimo), cuidavam para que Marguerite continuasse a acreditar em seu sucesso.

Aliás quem, em sã consciência, iria abrir mão de seus favores e contar a verdade trágica para Marguerite?

E o diretor, Xavier Gianoli, conduz com tanto talento essa história, baseada na vida da americana Florence Foster Jenkins (que será vivida por Meryl Streep no filme de Stephen Frears), que antes horrorizados, vamos nos afeiçoando a Marguerite, vivida com carisma pela atriz francesa Catherine Frot, premiada com o César, o Oscar francês.

A Marguerite de Catherine Frot convence na sua ingenuidade e carência afetiva. Ela acreditava piamente nas palmas dos hipócritas que a ouviam nos recitais em sua casa. Usando de uma forte negação, ela cantava para fugir da loucura, como confessa ao marido. Precisava dos holofotes, das roupas que tinham vestido famosas Carmens, Normas e Walkírias, que trajava nas fotos de Madelbos e que criavam uma falsa carreira para ela. Precisava ser vista e ouvida para existir nessa vida inventada, que a fazia esquecer de quem na verdade era e não queria ser.

Até o dia em que resolve apresentar-se ao grande público, nada mais, nada menos que na Opera Garnier, palco ilustre, vestida com asas brancas como um anjo.

O filme de Xavier Gianoli, quase uma fábula, mostra o poder de uma elite e o fato de que quase todo mundo tem um preço.

Nem comédia, nem tragédia, mas algo que mistura esses gêneros de forma harmoniosa, “Marguerite” comove e nos leva a torcer por ela. Ficamos divididos, por piedade e compaixão, entre a vontade de que ela pare de cantar e o medo de que isso faça com que ela sofra mortalmente.

“Marguerite”, sem dúvida, conquista a plateia.