De Amor e Trevas

“De Amor e Trevas”- “A Tale of Love and Darkness”, Israel, 2015

Direção: Natalie Portman

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A bela israelense Natalie Portman chegou aos três anos de idade, com a família, nos Estados Unidos. Lá estudou psicologia em Harvard e como atriz ganhou um Oscar pelo papel em “Cisne Negro”.

Admiradora de Amos Gitai, ela resolveu tentar a direção e, no seu primeiro longa, escolheu adaptar para o cinema as memórias do mais famoso escritor israelense, Amós Oz, 76 anos.

Assim fazendo, ela homenageou suas origens e mostrou talento para adaptar e dirigir um livro denso, com mais de 600 páginas, que conta 20 anos da história de Israel.

Foi obrigatório um recorte e Natalie Portman escolheu retratar, como o centro de seu filme, a relação entre o menino Amós (o excelente Amir Tessler) e sua mãe Fania, vivida com intensidade pela atriz e diretora.

O filme começa mostrando, através da visão do menino judeu de 6 anos, a vida em 1945, na Palestina, ainda sob o mandato britânico, passando depois pela criação do Estado de Israel e a guerra da Independência em 1948/49, retratando o sofrimento e a coragem dos que lutaram pelo nascimento de uma pátria.

A diretora faz o próprio Amós Oz ser o narrador de sua vida, interpretado por um ator, que repete as palavras que ele escreveu aos 30 anos, idade com que sua mãe morreu. Ela era uma romântica sonhadora, conta ele. Acreditava na terra onde jorrava leite e mel.

Seu pai, o escritor Arieh Klausner, era de uma família que veio da Polonia (na época Ucrânia) para a Palestina, em 1933. Era o oposto de sua mãe, entusiasmado e acadêmico, apaixonado pela lingua hebraica, mas sem muito público para seu livro “Os Contos da Literatura Hebraica”.

Os avós paternos de Amós viviam também em Jerusalém e a mãe e as irmãs de Fania em Telavive. A mãe de Amós tinha uma péssima relação com sua mãe dominadora e repetia, com certa distância, a mesma relação com a sogra.

No filme, vemos como ela procurava a solidão, parou de contar histórias e desenvolveu um quadro de enxaquecas que não a deixavam dormir. Da apatia para uma mudez, da insônia para sintomas de uma depressão grave, que vão levá-la ao suicídio. Sempre inexplicável para os que ficam.

E é tocante perceber como o menino agia com ela com cuidado, como se pudesse mitigar suas angústias. E, nos damos conta de como deve ter sido trágica essa morte para ele. Escreveu: “Minha mãe começou a pensar na morte como se fosse um amante protetor, quando as promessas de sua infância não foram cumpridas”.

E como eram pungentes as histórias, verdadeiras parábolas sobre sua vida, sempre com elementos de tragédia, que Fania contava para o filho. Ao ouvi-las, vemos as imagens poéticas escolhidas por Natalie Portman para ilustrá-las: a aldeia abandonada invadida pelos pássaros negros, a mulher vendida pelo marido no jogo de cartas que se mata com fogo, o jovem militar polonês que atira na própria cabeça, o comerciante de peles raras que enlouqueceu de pena pelas raposas mortas e outras mais, que certamente inspiraram o filho escritor.

Aos 15 anos, ele mudou seu sobrenome para Oz, que quer dizer “coragem” em hebraico e foi viver num”kibutz”, onde fica afastado do pai.

E, desde cedo, ele se preocupava com o destino dos árabes que compartilhavam a Palestina com os judeus. Isso é traduzido numa frase que ele, pequeno, diz para a menina árabe, Aisha, que ele encontra numa festa: “nosso país tem lugar para nossos dois povos”.

Nos anos 70, Amós Oz vai fundar o movimento pacifista israelense “Schalom Achschan”(Paz Agora), que defende a criação de dois estados independentes, um judaico, outro árabe.

“De Amor e Trevas” é um filme comovente, que ensina um pouco da história de Israel e mostra que Natalie Portman, 35 anos, além de grande atriz, promete como diretora.

 

Alice Através do Espelho

“Alice Através do Espelho” – “Alice Through The Looking Glass”, Estados Unidos, 2016

Direção: James Bobin

Quem nunca quis voltar ao passado e consertar algo errado ou mesmo fazer o que deveria ter feito e não fez? Ora, isso é impossível. Será?

Essa é a intrigante questão de Alice nesse “Através do Espelho”, com os mesmos personagens de “Alice no País das Maravilhas”, dirigido por Tim Burton em 2010 e que no novo Alice é somente produtor, ajudando o diretor James Bobin a recriar o mundo que ele imaginou.

Aqui estão de novo Mia Wasiskowska (Alice), Johnny Depp (O Chapeleiro Maluco), a Rainha Branca (Anne Hathaway) e a Rainha Vermelha (Helena Bonham Carter). O Tempo (Sacha Baron Cohen) é o novo e temido personagem que tenta impedir Alice de se aventurar pelo passado.

Ela volta para Londres em 1875, depois de uma longa expedição à China, com o navio “Maravilha”, que era de seu pai e do qual agora é capitã. Lembrem-se de que Alice não foi feita para ficar em casa tricotando.

Nas cenas iniciais, uma corajosa Alice salva o navio do naufrágio certo e da pilhagem dos piratas.

Mas parece que, em terra firme, os problemas que Alice encontra são desanimadores. A mãe hipotecou a casa delas e ela terá que entregar o navio para poder ficar com a casa.

Pior, novas expedições não estão no programa dos investidores e, como ela é sócia minoritária, só lhe resta trabalhar no escritório e receber a pensão do pai. Que pesadelo para uma feminista como Alice…

Pobre dela. E, como o mundo é cruel, dessa vez ela escolhe entrar no espelho e reencontrar os personagens de sua infância no País das Maravilhas.

O que acontece quando somos surpreendidos pela vida com uma realidade que ultrapassa nossa habilidade de lidar com ela? Algumas pessoas enfrentam tal realidade com as armas que possuem, outras preferem fugir. Criam uma nova realidade ilusória. Parece que esse foi o caminho que Alice escolheu.

Mas as coisas não vão bem no País das Maravilhas. Tudo continua tão bonito como sempre foi mas o Chapeleiro Maluco está morrendo de tristeza. Quer encontrar sua família, mas não sabe como. Todos estão preocupados com ele.

Claro que, em outra leitura, o País das Maravilhas é o mundo interno de Alice, povoado com seres que são parte dela e que, portanto, vivem os problemas dos quais ela quer fugir no mundo real.

A fantasia é um escape mas deixa entrever o que ela precisa enfrentar. Ajudando seus “pedaços de mim”, Alice estará se ajudando e colocando ordem em seu íntimo, para recuperar as forças que perdeu com a depressão.

E Alice vai aprender, navegando nas ondas e túneis do tempo, as lições que cada uma de suas partes tem que aprender com o passado e assim sair do surto e superar as dificuldades atuais em sua vida.

É um filme para adolescentes e adultos. Crianças podem ver também mas mais para se distrair com as belas imagens.

Tudo é muito colorido, há humor nos personagens, mas como são muitos, a trama proposta pelo roteiro é difícil de ser seguida. Então, o que mais encanta o espectador são as imagens deslumbrantes em 3D, os personagens vivos e os desenhados.

Se, no filme de Tim Burton, Alice lidava com o luto pela morte do pai e saia do buraco do coelho mais sadia e forte com a experiência, nessa nova versão, mais velha, ela parece mais surtada do que nunca, enredada em delírios e sonhos alucinantes.

Dá até uma certa pena ver todo o esforço e energia desperdiçados na movimentação maníaca de Alice para finalmente, sobreviver como ela quer, capitaneando o “Maravilha” como seu pai, seu herói para sempre.