Jogo do Dinheiro

“Jogo do Dinheiro”- “Money Monster”, Estados Unidos, 2016

Direção: Jodie Foster

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Nada naquele estúdio de televisão fazia prever que ali iria ocorrer um drama.

Lee Gates (George Clooney), a estrela do show “Money Monster”, prepara-se no camarim, enquanto seus assistentes volteiam em torno dele, um arrumando o cabelo, outro mostrando um creme erótico, o outro dando um recado sobre um jantar. A diretora Patty Fenn (Julia Roberts) aborrecida, vendo que não consegue a atenção dele, diz:

“- Vou estar no seu ouvido”, aludindo ao ponto que liga a sala das imagens com o estúdio de gravação.

O programa ao vivo vai começar e Lee coloca uma cartola dourada para dançar, freneticamente, ao lado de duas bailarinas, um cifrão pendurado no peito.

Ele é um tipo arrogante, faz gracinhas tolas e barulhentas e leva tudo na farra. Só que o assunto é sério: dinheiro e ações. Ele é o guru da Bolsa, dando dicas para quem quer ganhar dinheiro.

O programa rola com Gates indo de um telão para outro. Fala sobre ações de uma companhia chamada Ibis e se jacta de que tem informações da fonte, o braço direito do dono, Diane Lester (Catriona Balte), uma moça bonita, visivelmente constrangida.

“- Por que vocês valorizam tanto esse Dow Jones? Seja macho! Ibis é a ação do milênio!” grita Lee, de maneira debochada para a câmara.

Nesse momento a diretora Patty vê um sujeito com duas caixas, numa das imagens do palco. E, para seu horror, o cara tira um revolver e dá um tiro para cima.

“- Estamos ao vivo? Se tirarem do ar, eu atiro na cabeça dele!”

E arrasta Jones pelo estúdio, mandando ele abrir uma das caixas, de onde sai um colete com explosivos.

Essa é a situação que vai perdurar durante todo o filme. O rapaz, um investidor da Ibis, perdeu todo o seu dinheiro do dia para a noite, seguindo o conselho de Lee e quer saber o porquê. E Lee Jones, vestido com o colete, está à mercê do rapaz cada vez mais exaltado que se chama Kyle (o ótimo Jack O’Connell) e que tem o detonador na mão.

Patty, através do ponto no ouvido de Lee, tenta colocar um pouco de discernimento na cabeça dele, avisando que tratar esse rapaz com o respeito que ele merece, é a única saída possível. Só ela mantém a cabeça no lugar.

Essa introdução é a melhor coisa do filme e consegue ser muito rápida, tensa e envolvente. O espectador se liga logo na história do pobre investidor que acreditou nas tais dicas do cínico Lee e agora está sem um centavo. Desesperado e disposto a tudo. Não quer seu dinheiro de volta. Quer saber o que foi que aconteceu.

E isso, nem Lee Gates sabe.

O filme, na linha dos últimos que vimos falando da crise de 2008, faz uma denúncia sobre o jornalismo financeiro, os “gurus” da TV, que não sabem do que falam.

A identificação do espectador com a indignação do rapaz, faz do filme, bem dirigido por Jodie Foster, um drama pessoal que todo mundo entende. Kyle é a voz de todos os enganados.

Mas o filme caminha para responder à pergunta de Kyle (quem é o culpado?) e não se aprofunda na crítica ao sistema financeiro. Mesmo que, no finzinho do filme, uma voz que sai de uma imagem na TV avise:

“- Wall Street é um cassino! Eles estão jogando com o dinheiro de vocês!”

“Jogo do Dinheiro” é entretenimento e de boa qualidade, para quem não quer aprofundar questões.

 

Espaço Além – Marina Abramovic e o Brasil

“Espaço Além – Marina Abramovic e o Brasil”, Brasil, 2016

Ela é a “avó da arte da performance”. Assim se intitula a artista sérvia de 69 anos, conhecida no mundo todo. Começou suas performances nos anos 70 e surpreendeu as pessoas pela facilidade com que dispunha de seu próprio corpo para o público interagir com ela, impassível, seja quando tocada por penas, seja quando machucada  com objetos pontiagudos, tesouras e facas. Uma dessas performances teve que ser interrompida no momento em que uma bala foi colocada num revolver, também à disposição do público e a arma foi encostada na cabeça da artista.

No MOMA, durante a performance “O Artista está Presente”, ficou 700 horas sentada numa cadeira, imóvel e calada, para quem quisesse encará-la sentando-se na cadeira em frente.

Aqui no Brasil, onde se passa o documentário de Marco Del Fiol, Marina Abramovic percorreu 6.000 km, de 2012 a 2015, em busca do que chamou “lugares e pessoas de poder”.

No início, a vemos na entrada de uma caverna e, em “off”, ela conta que uma xamã disse a ela:

“- Você nunca se sente em casa em lugar nenhum. Você vem de estrelas distantes. E seu propósito é ensinar os humanos a transcender.”

Desligada de toda e qualquer religião, o que interessa à Marina Abramovic é a espiritualidade.

E assim, a vemos visitando em Goiás o médium João de Deus. Sua posição é contemplativa e serena. Diz em “off”:

“- Milagres acontecem quando não há nada mais a perder.”

A próxima parada é o Vale do Amanhecer, em Brasilia. Mulheres fantasiadas de orixás, cantos, procissões. E a artista pergunta a si mesma:

“- Por que eu sou tão fascinada por rituais? São como performances. Sempre se aprende algo.”

E confessa que veio em busca de cura afetiva:

“- Tive dois amores. O segundo quebrou meu coração.”

Na tela, lindas imagens captadas por Cauê Ito em Alto do Paraiso e Chapada dos Veadeiros, em Goiás.

Ficamos conhecendo dona Flor e sua medicina natural e o método Abramovic de defesa contra bactérias: comer alho e cebola crus.

Na Bahia, Salvador, é a vez da comida dos orixás de Dadá, que Marina aprecia com prazer.

Numa foto de Pierre Verger, ela encontra a imagem do perfeito equilíbrio em pleno movimento e  visita uma feira de objetos e produtos de culto:

“- Aqui tem tudo que você precisa para entrar em contato com realidades paralelas. É uma passagem secreta”, diz sussurrando para a câmara.

Quando é a vez de um terreiro de candomblé em Cachoeira, Bahia, ela vê a dança de pessoas em transe, ao som dos tambores:

“- Os orixás são como as almas do mundo. Essa é a dança dos deuses transformando o universo.”

E quando ela encontra Mãe Filhinha de 104 anos, famosa mãe de santo baiana, seu olhar é de pura admiração.

E então, surpresos, ouvimos Marina Abramovic falar de sua infância:

“- O que há por trás de tudo? É isso que me interessa. Eu fui uma criança muito solitária. Minha mãe tinha mania de limpeza e só deixava pessoas entrarem no meu quarto se estivessem usando máscaras. Eu brincava com as sombras. Via seres invisíveis…”

Seguimos com a trupe para a Chapada Diamantina, Bahia, onde Marina se encanta com um trompete que toca “Eu Sei que Vou te Amar”.

Mas logo a vemos passar, com câmara desfocada, pela “pior experiência” de sua vida, o chá de ayahuasca, tomado, por insistência dela, em dose dupla.

“- Foi como se alguém quebrasse minha mente.”

Ela quer compreender, procura e insiste.Sua curiosidade comanda.

Em Curitiba, Paraná, depois de um ritual de purificação com os xamãs Rudá e Denise, Marina Abramovic toma outra vez o mesmo chá e a experiência é completamente diferente.

“- A criança traumatizada dentro de mim foi cuidada. Foi uma cura.”

Em Minas ela reencontra os cristais que já tinha usado na criação dos “sapatos de ametista para a mente partir”, na primeira vez que visitou Marabá, no Pará em 1979.

E tudo termina no SESC Pompeia em São Paulo, onde o público interage com cristais:

-“Precisamos de arte nas cidades, não na natureza” e acrescenta “essa viagem foi importante para mim para abrir minha cabeça para coisas novas. Entendi que tenho que dar ferramentas para o povo, para que descubram seu próprio self. Eu só preciso ser uma maestrina. O público é o trabalho.”

Aquela que chegou na beira do precipício e não pulou, parece mais tranquila e em contato consigo mesma.

O que é difícil nesse documentário é perceber quando ela é Marina, espontânea, triste ou divertida e quando aparece a artista. Ou é tudo performance?

Não importa. O que vale é conhecer Marina Abramovic e  o Brasil que ela vê através de sua sensibilidade.