Pais e Filhas

“Pais e Filhas”- “Fathers and Daughters”, Estados Unidos, 2015

Direção: Gabriele Muccino

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Há um amor imenso entre aqueles dois. Abraços e beijos entre pai e filha pequena acontecem com espontaneidade e carinho. Aliás, todos os pais e filhas tem um pouco ou muito disso.

Mas a vida foi dura com esses dois. Ele (Russel Crowe, muito bom) e ela (a ótima atriz mirim, Kylie Rogers) sofreram juntos um acidente de carro que matou Patrícia, mãe de Katie e mulher de Jake Davis, escritor de sucesso, que sofre um sério trauma na cabeça.

O luto vai ser pesado. O pai, destroçado, porque no fundo sente-se culpado pelo acidente, só encontra forças para cuidar da menina de cinco anos que perdeu a mãe. A depressão atinge os dois profundamente.

Mas Jake é muito mais frágil do que pensa. Seu talento e criatividade sofrem um bloqueio com a tragédia e ele começa a apresentar sintomas graves de tremores que levam a convulsões. É internado num hospital psiquiátrico para tratamento, onde fica quase um ano.

E a pobrezinha da Katie, que já tinha perdido a mãe, agora perde também o pai adorado, porque não tem idade  para entender o que está acontecendo. Ela fica na casa da tia (Diane Kruger) que não gosta de ver a menina sendo criada pelo pai e tenta adotá-la.

Tudo isso é a primeira parte da história que acontece em Nova York em 1989. A segunda parte, em 2014, intercala-se com a primeira em “flashbaks”. Nela, Katie já está formada na universidade, na área de psicologia e mostra um lado perigoso de comportar-se, frequentando bares e transando com homens desconhecidos.

Katie (Amanda Seyfried, linda e talentosa) é auto-destrutiva. Procura um castigo, inconscientemente.

Mas por que? A morte da mãe e a internação do pai teriam causado tantas feridas graves em sua mente?

Nem ela mesma compreende essa compulsão para o sexo perigoso, no qual não se envolve.

Não há prazer nem liberdade naquilo que ela faz ou deixa os homens fazerem com ela. É impulsionada por algo destrutivo que está dentro dela e que ela tenta controlar fazendo terapia:

“- Não sei porque faço isso… Acho que é para sentir…algo. O resto do tempo não sinto nada…”

Ou seja, não há um movimento de sedução induzido por narcisismo. Katie não quer alimentar seu ego, sentir-se bela ou atraente. Nada disso. Ela não é dona do próprio corpo. Dentro dela, um inimigo a empurra para o abismo. Procura a morte.

Num nível mais superficial, ela tem medo de envolver-se com alguém. Medo de amar e perder novamente. Mas há claramente algo mais tenebroso nela.

A escolha da profissão, ligada a ajudar pessoas, explica, de certa forma, a vontade de entender a si mesma e ajudar-se.

A menina negra que não fala, desde que a mãe foi assassinada, vai levar Katie a experimentar sentimentos que ela nega em si mesma.

O filme é bem conduzido pelo italiano Gabriele Muccino (“À Procura da Felicidade”2006). E o elenco, muito bom, tem também as ganhadoras do Oscar, Jane Fonda e Octavia Spencer.

A trilha sonora de Paolo Bonvino vai de Schubert a Burt Bacharach que, com sua canção “Close to you”, faz até os corações mais duros amolecerem com o dueto do pai e da filha.

“Pais e Filhas” é um filme para quem gosta de derramar uma lágrima no cinema.

Maravilhoso Boccaccio

“Maravilhoso Boccaccio”-“Maraviglioso Boccaccio”, Itália, França, 2015

Direção: Paolo e Vittorio Taviani

Um jovem pálido lança-se de uma torre. A imagem lembra as pessoas caindo das Torres Gêmeas em Nova York…

Mas estamos em Florença, Itália, no ano de 1348. A peste negra mata a torto e a direito. Nem animais escapam.

Pais enterram os filhos. Agarram-se tragicamente a eles, alucinados.

Todos tem medo de tocar um doente. Esses morrem sozinhos e depois são recolhidos por uma carroça e enterrados numa vala comum. Novamente imagens que lembram UTIs de hospitais e também a Segunda Guerra.

Mas as pessoas enlouquecidas que vagam pelas ruas de pedra da bela cidade vivem no século XIV.

Claro, tormentos fazem parte inevitável da vida da humanidade.

Mas sete moças resolvem abandonar a cidade e convidam três jovens, namorados de três delas, para acompanhá-las:

“- Estamos decididas a ter um pouco de paz…”

E, numa bela casa toscana, rodeada pelo esplendor dos campos e colinas verdes, os jovens tentam esquecer os horrores da cidade. Logo estão brincando e rindo. E combinam que cada um deles contará, a cada dia, uma história para distrair os outros.

Mas uma regra se impõe. Nada de amor. Afinal são só três pares e fariam inveja aos outros.

E, no dia seguinte, depois de uma noite ainda infestada de pesadelos, sentam-se nos bancos do jardim e uma das moças começa a contar uma história de amor. A bela Catalina, é abandonada pelo marido e levada morta para a cripta de uma igreja distante. Seu apaixonado secreto é o único que a segue.

O amor aqui é cura, ressureição. Mas, pensar no amor que sentem um pelo outro, faz um dos pares de namorados temer a morte e a separação e chorar.

E, por isso, a nova história volta-se para outros assuntos. Há trapaça, desrespeito, violência. Novamente a morte?

Para escapar de pensamentos mórbidos, nada melhor que comer e beber.

As cenas das histórias num cenário sempre teatral, com uma luz mágica, vinda das janelas ou de velas, mostram pessoas belas cercadas de uma natureza esplêndida. A idealização impera.

Mas como esquecer o desejo? E, fatalmente, o que é negado aos jovens, reaparece nas histórias. Na seguinte, um pai mata, de tanto amor que tem por sua filha.

E, novamente, precisando se esquecer do desejo, correm para o lago, onde mergulham as moças, depois de despir suas túnicas coloridas.

Mas não há como escapar e a nova história fala francamente da força do desejo numa insuspeitada abadia.

E a última história, a fábula do falcão, é a que traz à tona o amor generoso, que tudo dá, mesmo que nada mais reste.

O que querem dizer os irmãos Taviani com toda a sabedoria que acumularam em suas longas vidas?

Talvez que a vida sem amor não vale a pena. Que não adianta querer sepultar o desejo porque ele renasce. Assim como a chuva é benéfica para a terra, assim é o amor para a humanidade. Não afasta a morte porque é tão natural quanto ela.

Livremente inspirados no “Decameron” de Boccaccio, os irmãos Taviani fazem uma leitura estética dessa obra, com a cenografia, os figurinos e a iluminação, tudo a serviço de criar para a câmara, quadros renascentistas maravilhosos.

Um belo filme com uma sábia lição sobre a vida e sua inevitável fragilidade.