Mogli – O Menino Lobo

“Mogli - O Menino Lobo”- “The Jungle Book”, Estados Unidos, 2016

Direção: Jon Favreau

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No fim dos anos 60, a Disney lançou o desenho animado “Mogli-O Menino Lobo”, baseado no livro de 1894, “The Jungle Book”, de Rudyard Kipling, que nasceu em Mumbai, antiga Bombaim, em 1865 e morreu em Londres em 1936.

Autor e poeta inglês, que viveu quando a India ainda fazia parte do Império Britânico, ele também ficou conhecido por “Kim”de 1901 e poemas como “Mandalay”, “Gunga Din”e “If”. Foi o primeiro inglês e o mais jovem ganhador do Nobel de Literatura até hoje, com 42 anos.

Seu “The Jungle Book” foi traduzido para o português por Monteiro Lobato e publicado em 1933, com o título “O Livro da Jângal”. Herdei o livro de minha mãe e foi para mim uma espantosa e magnífica viagem pela selva indiana. Acho que devo  a esse livro minha empatia com os animais selvagens.

O filme de Jon Favreau tem um visual espetacular. Toda a engenhosidade da computação gráfica, herdada do incrível “As Aventuras de Phi”(2012), foi aprimorada e usada para criar personagens que parecem animais reais. Durante o filme, o encantamento é tal, que esquecemos que o único ser vivo ali é o menino Mogli, interpretado por um descendente de indianos, Neel Sethi.

A selva é uma invenção genial e grandiosa. Árvores imensas que Mogli escala, cachoeiras, flores exóticas,  rios e riachos, lugares onde mal penetra a luz do sol, tamanho é o enrodilhar de galhos e cipós e aquele pingo de gente voando de galho em galho, correndo com a bela pantera negra de olhos verdes, Bagheera, sua protetora (voz de Ben Kingsley/ Dan Stulbach).

Quando Mogli se perde de Bagheera e, sózinho, explora uma parte escura da floresta fica conhecendo a sedutora cobra Kaa (voz de Scarlett Johansson/ Alinne Moras). Quase entra na dela e é salvo pela pantera.

Outro perigo são os macacos liderados pelo rei Louie, um orangotango com tamanho de King Kong (voz de Christopher Walken/ Tiago Abravanel) que diverte cantando e dançando “I Wan‘na Be Like You” do desenho de 1967, além de comandar momentos de susto para Mogli.

E como é doce e meiga a loba Raksha (voz de Lupita Nyong’o/ Julia Lemmertz) que criou o filhote de homem em meio à ninhada de lobinhos.

O urso Baloo (voz de Ben Murray/ Marcos Palmeira), obcecado pelo mel que escorre pela pedra com as colmeias fora de seu alcance, manipula gentilmente Mogli e faz o menino inventar instrumentos para conseguir o cobiçado alimento. Ele é simpático, canta (“The Bare Necessities” de 1967) e movimenta-se com graça, apesar de seu tamanhão e conquista a todos na tela e na plateia.

E é muito bonta a “Trégua da Água”, momento em que todos os animais podem tranquilamente saciar sua sede na época da seca. Lado a lado, predadores e sua comida se esquecem do que representam um para o outro e respeitam a vida.

Nesse momento, mesmo o inimigo de Mogli, o tigre Shere Khan (voz de Idris Elba/ Thiago Lacerda), esquece suas diferenças com o representante do homem que, crescendo, poderá tornar-se um adulto destrutivo com o poder de usar a “flor vermelha”, que é como chamam o fogo, contra a floresta e os animais.

Vá ver e leve as crianças. Todos vão se encantar com a floresta e os bichos incríveis, criados em um estúdio em Los Angeles.

Truman

“Truman”- Idem, Espanha, Argentina, 2015

Direção: Cesc Gay

Alguém pode estranhar o nome do novo filme de Cesc Gay, diretor de cinema catalão, de “O que os homens falam”, que passou em São Paulo há uns três anos, no qual também atuava Ricardo Darín.

Podem se espantar mais ainda quando descobrirem que “Truman”, nada a ver com o presidente americano, é o nome de um “bullmastiff”, cão de origem inglesa de grande porte e já velhinho, que Julián, o ator de teatro interpretado por Darín, trata como se fosse um filho.

O diretor e co-roteirista conta que se inspirou num episódio de sua vida mas que o cão do filme chamava-se Troilo.Ora, Anibal Troilo (1914-1975) foi um grande compositor de tango argentino e Darín quis convencer Cesc Gay a manter o nome verdadeiro, que lhe caia tão bem, já que o compositor também era corpulento como o cão e o filme tem tudo a ver com tango e seu personagem argentino. Não conseguiu, porque o nome Truman era uma homenagem prometida, que ficou em segredo.

Ricardo Darín ama os cachorros e era ele que tomava conta de Troilo durante as filmagens. Quando soube que ele morreu, alguns meses depois do filme ter sido rodado em Madrid, conta que chorou uma semana inteira em Buenos Aires:

“- Ficamos amigos. Ele era um cão especial. Trabalhava com crianças autistas”, explicou numa entrevista.

Mais magro e macilento, tossindo com classe e com aqueles olhos azuis expressivos, Darín, 59 anos, nos presenteia com mais uma interpretação magnífica. E o amigo Thomás é o grande Javier Cámara, 49 anos, dos filmes de Almodóvar. Ambos excelentes, os dois dividiram o prêmio de melhor ator no Festival de San Sebastian.

E o filme levou 5 das 6 indicações ao Goya, o Oscar espanhol: melhor filme, direção, interpretação masculina (Ricardo Darín), ator coadjuvante (Javier Cámara) e roteiro original (Cesc Gay e Tomás Aragay).

A história dos dois amigos que não se veem há muito tempo, começa com Thomás em Montreal, Canadá, onde mora com a família, pegando um avião para Madrid, onde vive Julián, que sofre de um câncer terminal. Durante quatro dias ele vai fazer tudo que o amigo pedir e tentar convencê-lo a continuar com a quimioterapia.

Não é fácil para Thomás, que vemos se jogar na cama do hotel com um suspiro profundo, ao final do primeiro dia com Julián.

Tinham ido ao veterinário, já que Julian se perguntava como tratar de Truman depois que ele se fosse. Do que precisaria um cão enlutado? Que perdeu seu melhor amigo? Ele procurava alguém para adotar Truman, o que não era fácil. Quem quer um cão idoso?

E Thomás se dá conta de quanto Julián ama aquele animal:

“- Thomás, eu tenho dois filhos. Um se chama Truman ”, diz enfaticamente ao amigo.

Depois vão ao médico, onde Thomás tenta convencer Julián a continuar com o tratamento, sem sucesso, porque é Julián que o convence que quer usufruir de seus últimos dias a seu modo.

Zanzam por Madrid e na livraria Thomás compra um livro sobre o comportamento dos cães e Julián um de Elizabeth Kubler-Ross, “A morte: um amanhecer”.

Mas não pensem que o filme é trágico. Longe disso. Trata do assunto com leveza e dignidade, evitando o melodrama. O humor está presente no diálogo dos dois amigos, que sabem que estão se despedindo para sempre. Há olhos marejados e emoção, sem nunca resvalar para o lugar comum.

Assistir ao filme leva-nos a pensar no assunto morte. Vai acontecer a todos nós. Com certeza. Mas não há porque perder tempo de vida só porque ela vai acabar um dia. Essa é a lição que “Truman” quer nos ensinar, mostrando que é preciso demonstrar nosso amor enquanto os seres que amamos estão vivos, sejam pessoas ou animais.

Um filme humanista.