Truman

“Truman”- Idem, Espanha, Argentina, 2015

Direção: Cesc Gay

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Alguém pode estranhar o nome do novo filme de Cesc Gay, diretor de cinema catalão, de “O que os homens falam”, que passou em São Paulo há uns três anos, no qual também atuava Ricardo Darín.

Podem se espantar mais ainda quando descobrirem que “Truman”, nada a ver com o presidente americano, é o nome de um “bullmastiff”, cão de origem inglesa de grande porte e já velhinho, que Julián, o ator de teatro interpretado por Darín, trata como se fosse um filho.

O diretor e co-roteirista conta que se inspirou num episódio de sua vida mas que o cão do filme chamava-se Troilo.Ora, Anibal Troilo (1914-1975) foi um grande compositor de tango argentino e Darín quis convencer Cesc Gay a manter o nome verdadeiro, que lhe caia tão bem, já que o compositor também era corpulento como o cão e o filme tem tudo a ver com tango e seu personagem argentino. Não conseguiu, porque o nome Truman era uma homenagem prometida, que ficou em segredo.

Ricardo Darín ama os cachorros e era ele que tomava conta de Troilo durante as filmagens. Quando soube que ele morreu, alguns meses depois do filme ter sido rodado em Madrid, conta que chorou uma semana inteira em Buenos Aires:

“- Ficamos amigos. Ele era um cão especial. Trabalhava com crianças autistas”, explicou numa entrevista.

Mais magro e macilento, tossindo com classe e com aqueles olhos azuis expressivos, Darín, 59 anos, nos presenteia com mais uma interpretação magnífica. E o amigo Thomás é o grande Javier Cámara, 49 anos, dos filmes de Almodóvar. Ambos excelentes, os dois dividiram o prêmio de melhor ator no Festival de San Sebastian.

E o filme levou 5 das 6 indicações ao Goya, o Oscar espanhol: melhor filme, direção, interpretação masculina (Ricardo Darín), ator coadjuvante (Javier Cámara) e roteiro original (Cesc Gay e Tomás Aragay).

A história dos dois amigos que não se veem há muito tempo, começa com Thomás em Montreal, Canadá, onde mora com a família, pegando um avião para Madrid, onde vive Julián, que sofre de um câncer terminal. Durante quatro dias ele vai fazer tudo que o amigo pedir e tentar convencê-lo a continuar com a quimioterapia.

Não é fácil para Thomás, que vemos se jogar na cama do hotel com um suspiro profundo, ao final do primeiro dia com Julián.

Tinham ido ao veterinário, já que Julian se perguntava como tratar de Truman depois que ele se fosse. Do que precisaria um cão enlutado? Que perdeu seu melhor amigo? Ele procurava alguém para adotar Truman, o que não era fácil. Quem quer um cão idoso?

E Thomás se dá conta de quanto Julián ama aquele animal:

“- Thomás, eu tenho dois filhos. Um se chama Truman ”, diz enfaticamente ao amigo.

Depois vão ao médico, onde Thomás tenta convencer Julián a continuar com o tratamento, sem sucesso, porque é Julián que o convence que quer usufruir de seus últimos dias a seu modo.

Zanzam por Madrid e na livraria Thomás compra um livro sobre o comportamento dos cães e Julián um de Elizabeth Kubler-Ross, “A morte: um amanhecer”.

Mas não pensem que o filme é trágico. Longe disso. Trata do assunto com leveza e dignidade, evitando o melodrama. O humor está presente no diálogo dos dois amigos, que sabem que estão se despedindo para sempre. Há olhos marejados e emoção, sem nunca resvalar para o lugar comum.

Assistir ao filme leva-nos a pensar no assunto morte. Vai acontecer a todos nós. Com certeza. Mas não há porque perder tempo de vida só porque ela vai acabar um dia. Essa é a lição que “Truman” quer nos ensinar, mostrando que é preciso demonstrar nosso amor enquanto os seres que amamos estão vivos, sejam pessoas ou animais.

Um filme humanista.

Rua Cloverfield 10

“Rua Cloverfield, 10”- “10 Cloverfield Lane”, Estados Unidos, 2016

Direção: Dan Trachtenberg

Poucos filmes conseguem colocar a plateia em estado de alerta desde o começo. Isso acontece com “Rua Cloverfield 10”. Quem viu “Cloverfield-Monstro” de 2008 não pense que esse aqui é uma sequência, apesar do nome. O produtor diz que são filmes com certo parentesco, mais nada.

A imagem inicial mostra uma mulher jovem, visivelmente nervosa, olhando um celular que toca. Não ouvimos a conversa mas o semblante dela nos conta que ela discute com alguém.

A música de Bear McCreary faz com que o clima seja captado pelo espectador. Ansiedade, raiva, frustração.

Ela desliga e continua, às pressas, a colocar coisas das gavetas numa mala. Quando sai, deixa o anel de noivado e as chaves sobre a cômoda.

Horas depois é noite e a vemos numa estrada deserta. Para num posto de gasolina vazio. Chega outro carro. Ela sai. Continua aflita.

No carro o celular toca e ela não atende Ben mas ouve a mensagem (na voz de Bradley Cooper):

“- Michelle, fala comigo. Volta. Fala alguma coisa. Não acredito que você foi embora! Casais brigam…Fugir não é a solução.”

Ela desliga o celular. No rádio há uma notícia sobre falta de energia devido a uma explosão mas o celular toca de novo. Ela olha e é Ben insistindo.

Nesse instante, algo acontece e ela perde a direção do carro. Vidros se estilhaçam. Parece que ela foi atingida por algo e o carro despenca na ribanceira.

Na cena seguinte ela parece desmaiada. Acorda. Soro no braço. Mas aquilo não é um hospital.

Tateia a coxa e percebe que está acorrentada à parede. Está presa, numa cela de concreto.

Até agora ela não disse uma só palavra mas sentimos o pânico, como antes sentíamos a raiva e a frustração. Está ofegante. Seu olhar mapeia o lugar. Ela vê o celular e a bolsa num canto mas não consegue alcançá-los.

Lemos em seus olhos: como vou fugir daqui?

Esse início atordoante marca o que vamos ver. Uma mulher jovem  (Mary Elizabeth Winstead, ótima), amedrontada, não sabe quem a prendeu naquela cela. Quem vai entrar por aquela porta de ferro, sólida e com travas?

Tensa, ela escuta o destravar da porta e um homem mais velho, de barba e gordo (John Goodman, excelente) entra com uma bandeja com comida. E Michelle escuta que ele a tirou do carro acidentado e a trouxe com ele.

“- Meu noivo vai me procurar…Preciso ir para um hospital…”

“- Sinto Michelle, mas ninguém vai te procurar…Fomos atacados por algo que deixou o ar irrespirável. Todos morreram.”

E aí começa a história que mistura o suspense de um “thriller” com situações envolvendo medo e horror.

Mas o conteúdo psicológico é também importante. Porque Michelle vai confessar, a um terceiro personagem, que sempre fugia quando se sentia tomada por emoções fortes. Aqui ela vai passar por uma prova de fogo. Vai ter que enfrentar medos e dúvidas dos quais não consegue escapar. Vai ter que ser forte e usar tudo que pode e até o que não sabe para decidir como vai agir.

E nós nos grudamos na cadeira do cinema e enfrentamos com ela a tensão, que só cresce, com os acontecimentos inesperados e as reviravoltas do excelente roteiro (Josh Campbell e Mattew Stuecken com bons toques de Damien Chazelle, diretor e roteirista de “Whiplash”).

Competente estreia do diretor e investimento certeiro de apenas 10 milhões de dólares do produtor J.J.Abrams, (diretor de “Star Wars: O Despertar da Força”), que vai ter um ótimo retorno.

Filme inteligente com um suspense e surpresas de arrepiar.