Presságios de um Crime

Presságios de um Crime”- “Solace”, Estados Unidos, 2015

Direção: Afonso Poyart

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Quando o crime se apresenta com uma razão humanitária, ficamos na dúvida em condená-lo?

Essa é a premissa básica de “Presságios de um Crime”, filme que tem uma história que sugere que um “serial killer” pode não ser um psicopata mas um consolo (“solace” em inglês).

E quando o roteiro ainda traz um médico vidente que trabalhou muitos anos para o FBI, até que se isolou do mundo, por causa da morte da filha, temos um filme de suspense e mistério que prende o espectador.

O agente do FBI Joe Merriweather (Jeffrey Dean Morgan), que é amigo do dr John Clancy (Anthony Hopkins, ótimo ator, que leva o sorriso do dr Lecter por onde vai), tenta trazê-lo para investigar os crimes de um “serial killer”, que não deixa pistas e que tem uma estranha assinatura: os assassinados, que não tem conexão aparente, morrem mortes indolores, sem sofrimento.

A psiquiatra Katherine, interpretada pela australiana Abbie Cornish, não acredita no vidente até ter provas de que ele conhece tudo sobre a vida e a morte dos que entram em contato com ele.

Ninguém sabe que John Clancy tem um segredo, que teme ser revelado. Por isso se isolou no campo. Mas ninguém foge do que é. E do que fez.

O assassino (Colin Farrell) vai brincar de gato e rato com o FBI, visando justamente o dom do dr Clancy. Parece que ele também adivinha o que John vai ver em suas visões, que são o ponto forte desse filme.

O brasileiro de Santos, Afonso Poyart, é o diretor do filme e foi chamado para Hollywood por causa de “Dois Coelhos”(2012), muito elogiado pela crítica.

Aqui, ele mantém sua câmara nervosa, participando da ação muito de perto. E cria as visões do médium com uma beleza de cores e detalhes originais que enriquecem a trama misteriosa. É um visual de estética contemporânea, que apela para o sensual mas não esquece do atrativo do sangue fresco. Tudo rodado em câmara lenta ou muito rápida, desdobrando os personagens na tela por causa do elemento tempo, importante nas visões do médico.

O roteiro contou com a participação de vários nomes porque, a princípio, deveria ser uma continuação de “Seven”. Engavetado, foi trazido à luz pelos que assinam a história e os diálogos: Sean Barley, Ted Griffin  com toques de Jamie Vanderbilt e Peter Morgan.

A edição do filme, realizada com brilho pelo também brasileiro Lucas Gonzaga, é um requinte a mais.

Mas “Presságios de um Crime”, rodado em 2013, não foi bem distribuído, só chegando agora aos nossos cinemas e sem estreia nos Estados Unidos.

Vamos seguir a carreira de Afonso Poyart e torcer para que ele emplaque outros bons filmes em sua passagem por Hollywood.

“Presságios de um Crime – Solace” é um bom entretenimento.

 

Nossa Irmã Mais Nova

“Nossa Irmã Mais Nova”- “Our Little Sister”- “Umimachi Diary”, Japão, 2015

Direção: Hirokasu Kore-Eda

Conviver com as irmãs Koda, ao assistir “Nossa Irmã Mais Nova”, é partilhar de momentos de delicadeza, feminilidade, beleza e humor, mas também perceber o amor e o ódio subterrâneos, a culpa à espera de perdão, o egoísta julgamento severo só para os outros e outros sentimentos humanos universais.

A diferença é que aqui há graça e calma.

Três irmãs moram numa casa antiga e acolhedora, que foi da avó delas, em Kamakura, cidade litorânea, perto de Tóquio. No jardim há uma árvore que foi plantada quando a mãe delas nasceu. A ameixeira tem 55 anos e produziu  frutos para o licor que três gerações de mulheres compartilharam. Na cozinha ainda existem frascos da época da avó das irmãs Koda. É o mais saboroso.

A mãe delas se foi quando se separou do pai das meninas ainda muito pequenas e é a mais velha, Sachi, 29 anos, (Aruka Ayase, bela como uma boneca de porcelana), que cuida da casa e das irmãs, além de trabalhar como enfermeira num hospital.

A segunda irmã, Yoshino, 22 anos, (Masami Nagasawa) adora uma cerveja e tem um namorado atrás do outro. Ela trabalha num pequeno banco, atendendo o público. E a terceira, Chika, 19 anos, (Kaho), vende artigos numa casa de esportes.

Confrontadas com a notícia da morte do pai, que não viam há 15 anos, partem para o enterro em Yamagata, cidade mais ao norte. E lá, ficam conhecendo a meia-irmã mais nova, filha da mulher que “acabou com o casamento da mãe delas”, segundo as palavras da tia. A mãe de Suzu, de 13 anos, morrera muito cedo e o pai se casara de novo, com uma mulher que já tinha um filho.

A irmã mais nova é doce, delicada, educada e logo conquista as irmãs. Foi ela que cuidou do pai delas até o fim, já que a madrasta é uma pessoa egoísta e não disponível.

Quando o trem parte com as três irmãs, Suzu (Suzu Hirose) escuta o convite da irmã mais velha, que percebeu que ali não era mais um lugar para a irmãzinha:

“- Venha morar conosco. A nossa casa é velha e grande. Pense nisso!”

Mas Suzu, abre um sorriso e responde imediatamente, antes que a porta do trem se feche:

“- Eu vou!”

E corre atrás do trem, acenando para as irmãs.

O diretor Kore-Eda adaptou a história das quatro irmãs de um mangá (história em quadrinhos) muito conhecido no Japão, de Akimi Yoshida, “Diário de uma cidade à beira-mar”. E visita o universo feminino pela primeira vez. Seu filme anterior, que Ganhou o Prêmio do Júri no Festival de Cannes 2013, “Pais e Filhos”, centrava-se no papel de pai e filho. Mas agora é a vez de mostrar o papel da mãe. Um personagem do filme diz:

“- É difícil quebrar o elo entre mãe e filha.”

E a história mostra que nem sempre é a mãe que cuida dos filhos. E também que, quando uma menina diz que odeia a mãe que morreu, é porque queria ficar mais tempo com ela. E outra ainda, só pede perdão por não ter sido uma boa filha, defronte ao túmulo da mãe, na frente da própria filha para a qual também não foi uma boa mãe.

Ou seja, ser uma boa mãe não é algo instintivo. Tem a ver com a personalidade da mulher, que não obrigatoriamente se sente maternal.

Certamente algumas pessoas vão se entediar com o filme. Mas outras vão aproveitar para receber a porção de doçura e beleza, ao som da trilha sonora de Yoko Kannoi, que o filme de Kore-Eda proporciona. Não estamos precisados disso nesse mundo apressado e duro em que vivemos?