Steve Jobs

“Steve Jobs”- Idem, Estados Unidos 2015

Direção: Danny Boyle

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A natureza humana é tão complexa que, às vezes, é quase inexplicável. Por que aquele homem tão inteligente não percebe que tudo que faz tem a marca de uma vingança destrutiva? E que isso vai acabar com ele?

Nada foi fácil para Steve Jobs. Para ele chegar onde chegou, o mago das tecnologias que mudaram nossos conceitos sobre a relação entre as pessoas, teve que lutar muito. Principalmente contra o que latejava lá dentro dele, impedindo que esquecesse da história de sua vida.

Claro que não foram lembranças mas memórias afetivas de rejeição, falta de amor e calor. E alguém contou a ele como sua jovem mãe biológica o colocou para adoção, como foi devolvido pelo primeiro casal, como o segundo casal teve que brigar com sua mãe biológica porque não preenchiam os requisitos que ela considerava indispensável para adotar o filho que ela não queria…

E, principalmente, como a mãe adotiva distanciou-se dele, por um ano, com medo de apegar-se e depois o tirarem dela.

Conclusão, ele deve ter fantasiado sobre si mesmo que deveria ter algo horrível nele que afastava todo o amor que merecia. E então, nega toda espécie de sentimento, a não ser o doloroso ódio e abraça a onipotência. Nada o atinge.

Apega-se ao que pode ser visto, a fachada, o exterior, o espetáculo. Quer mudar o mundo.

“- Por que você quer que todos o odeiem?” pergunta um dia alguém de sua equipe.

“- Não me importo. Não preciso que me odeiem nem que me amem.”

Mas, quando se apresenta para as plateias que gritam seu nome no lançamento de seus produtos, quer que o aplaudam. Só recebe bem o amor da multidão, anônimo.

Mesmo Joanna (Kate Winslet, ótima), que o amou calada todo o tempo que trabalhou com ele, não podia se aproximar muito. Ela funcionou como uma espécie de mãe substituta, atenta à agenda dele. E ele falava com ela e recebia respostas. Nem sempre o que ele queria ouvir. Mas não gritava nem era arrogante com ela. Parece que esse foi o máximo de proximidade que Steve Jobs conseguiu ter com uma pessoa.

Mas tudo é bem mais complicado. Aquele que diz, na presença de uma menina de 5 anos e sua mãe, que ele não é seu pai, esconde o desejo de que ela mostre que é sua filha.

Quando a menina (Mackenzie Moss) usa a máquina que ele inventou para desenhar, o narcisismo dele recebe uma dose do que precisava para apaziguar um pouco aquela ferida antiga. Mas muitos anos se passaram até que ele admitisse que o nome da máquina era mesmo o nome dela, Lisa.Tarde demais?

O filme dirigido energicamente por Danny Boyle conta a história em três capítulos:1984, lançamento do Macintosh pessoal; 1988, o “black cube” NeXT, com Jobs fora da Apple; 1998, volta à Apple e lança o iMAC.

O que prende o espectador é a briga de Jobs para ser sempre o único, o dono da verdade, o maestro que dirige a orquestra enquanto os outros da equipe só tocam os instrumentos. Ele é o produto que ele vende.

E Michael Fassbender, foi muito bem escolhido, não por sua semelhança física, que não existe, mas pela compreensão de quem foi o homem que ele interpreta. Ele extasia a plateia.

Fassbender e Kate Winslet (que já ganhou o Globo de Ouro e o Bafta como atriz coadjuvante), estão na lista dos indicados ao Oscar 2016.

Grande filme.

Trumbo – Lista Negra

“Trumbo - Lista Negra”- “Trumbo”, Estados Unidos, 2015

Direção: Jay Roach

A expressão “caça às bruxas” lembra o medo de bruxaria que acontecia no século XVII nos Estados Unidos, quando pessoas eram acusadas de praticar “vudu”, uma religião africana trazida pelos escravos. Essas pessoas eram julgadas e condenadas à morte, apesar de inocentes.

Por isso, foi também conhecida por esse nome a perseguição aos comunistas americanos, durante a Guerra Fria nos anos 50.

Vinte anos antes, durante a Grande Depressão e frente à ameaça crescente do fascismo, muitos americanos se inscreveram no Partido Comunista, que era perfeitamente legal. Durante a Segunda Guerra, a União Soviética foi aliada dos Estados Unidos e o Partido Comunista recebeu outros milhares de adeptos.

Dalton Trumbo (1905-1976), o mais bem pago roteirista de Hollywood, entrou no Partido em 1943. Ele era conhecido como defensor dos direitos humanos e apoiava os movimentos grevistas.

A “caça às bruxas”, que aconteceu então, foi o medo do comunismo, incentivado pelos seguidores do macartismo, ideias defendidas pelo senador Joseph McCarthy. Criou-se um Comitê de Atividades Anti-Americanas no Congresso, que acusava pessoas de subversão ou de traição, sem qualquer prova real.

Em Hollywood, a colunista Hedda Hopper (Helen Mirren) foi uma das principais incentivadoras do movimento que visava perseguir a “ameaça vermelha”, acusada de corromper os valores da democracia e desejar derrubar o governo.

Os “radicais perigosos”, como eram chamados, Dalton Trumbo e mais nove diretores e roteiristas, são convocados a depor no Congresso perante o Comitê.

Trumbo, inteligente e irônico comenta:

“- Isso é o início de um campo de concentração americano.”

Processados, “os 10 de Hollywood” foram demitidos de seus empregos sem qualquer compensação, presos e proibidos de escrever e ganhar dinheiro com o seu trabalho. Constavam da conhecida “lista negra”, que só aumentava com a delação dos próprios colegas, diretores, atores e produtores.

Trumbo (Bryan Cranston, ótimo, foi indicado ao Oscar 2016 de melhor ator), casado com Cleo (Diane Lane), sua companheira fiel, pai de três filhos, vai preso por um ano e quando sai da prisão está atolado em dívidas com seu advogado e precisa sustentar a família.

É então que, sempre com seu cigarro e piteira na mão, ele tem uma ideia fantástica. Cria uma rede de escritores de roteiro que assinavam os roteiros dele e também dos colegas da lista e dividiam os ganhos.

Algumas vezes usou pseudonimos e é famosa a história do momento em que Richard Rich ganha o Oscar por “The Brave One-Arenas Sangrentas” em 1957 e não aparece para receber a estatueta. Claro, porque ele era Trumbo, que comemorava na frente da TV com a família.

Além de brilhante em seus roteiros premiados (“Johnny got his gun”1971, “Roman Holiday – A princesa e o plebeu”1953, “Spartacus”1960, “Exodus”1960, “Papillon”1973, para só citar alguns), era um homem justo e conciliador mas sabia defender suas ideias.

Ele lutava para que todos estivessem atentos para não ceder à tentação, invejosa e prepotente, de negar a alguém que defenda suas ideias, mesmo que sejam diferentes das nossas, porque essa é base da democracia, sistema de governo que escolhemos.

Nunca é demais lembrar que em nenhum lugar estamos a salvo de uma outra infeliz “caça às bruxas”. “Trumbo – Lista Negra” é exemplar.