Brooklyn

“Brooklyn”- Idem, Irlanda, Reino Unido, Canadá, 2015

Direção: John Crowley

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Eilis Lacey (Saoirse Ronan, ótima) é uma típica jovem irlandesa. Olhos muito azuis, pele branca, cabelos claros e um jeito sério, escondem uma personalidade que tem medo de se manifestar.

Vive num pequeno povoado perto do mar e tem uma vida simples, sem muita coisa para contar. Mas sua irmã mais velha, Rose (Fiona Glascott), sonha para ela uma vida diferente. E convence Eilis que ela deve imigrar para os Estados Unidos.

Tímida, bastante assustada, Eilis está a bordo do navio que a levará para Nova York. Rose providenciou uma pensão e trabalho numa loja de departamento “chic” para a irmã, através de um padre conhecido dela (Jim Broadbent).

No porto, dando adeus da murada do navio para Rose e a mãe delas, que é viúva, percebe-se o quanto a jovem imigrante está dividida. A irmã Rose, a melhor amiga e mesmo a mãe distante e fria, já começam a fazer falta para ela.

O que vai acontecer do outro lado do oceano?

Quando ela passa pela imigração, com sua capa verde (uma das cores da bandeira da Irlanda) e abre a porta azul que dá para a rua americana, sentimos nela uma vontade de viver que briga com sua timidez.

“Brooklyn” é um filme delicado que foca sobre a auto-estima e sua importância na vida do ser humano. Eilis foi criada por uma mãe fria e Rose era seu porto seguro. As duas irmãs se amavam. Deixá-la para trás para viver uma nova vida enchia Eilis de culpa e receio. Mas, ao mesmo tempo, abria um espaço para que ela pudesse ver do que era capaz.

E um jovem italiano, Tony (Emory Cohen) vai ter um papel importante no desabrochar da mocinha irlandesa. Ela não se joga numa aventura, porque não é do seu feitio. Eilis avança devagar nos sentimentos.

E por que o título “Brooklyn”? Talvez porque o lugar onde queremos viver e fazer casa, ninho, não seja fácil de escolher para um imigrante. Há sempre uma nostalgia do lugar onde nasceram, que atrapalha a tomada de decisão. Para criar raízes, há que existir uma razão forte. E é isso que Eilis vai descobrir.

A interpretação de Saoirse Ronan é feita de nuances, detalhes, olhares. Muito expressiva, ela não precisa falar para passar ao público os sentimentos contraditórios que sente. Merecida indicação para o Oscar de melhor atriz.

Os figurinos dos anos 50 são bem criados e a reconstituição de época é primorosa.

E o que mais atrai no visual do filme é o belo uso da cor. Seja nos tecidos das roupas, nos móveis, papéis de parede, na maquiagem e acessórios, seja nas ruas do bairro americano, parques e praças, quanto nas paisagens irlandesas, tudo é muito bonito.

Baseado no livro do irlandês Colm Tóibín, com roteiro do escritor Nick Horny e bem dirigido por John Crowley, “Brooklyn”, indicado na lista dos melhores filmes do ano para o Oscar 2016, é um filme sobre as escolhas difíceis que a vida traz, para quem se aventura a ir fundo nos próprios sentimentos.

O Regresso

“O Regresso” – “The Revenant”, Estados Unidos, 2015

Direção: Alejandro Inarritu

Imagens iniciais fascinantes. A câmara mostra uma floresta de árvores enormes, raízes seculares, invadida pela água. Uma floresta escura. Dois homens armados caminham à espreita da caça. Eis aí os temas principais de “O Regresso”.

Já estamos frente ao medo e o perigo, o homem e o animal sempre ameaçados e a natureza imponente, majestosa e impávida frente à fraqueza dos seres que a habitam. Pensamos com receio na pequenez das criaturas que lutam para sobreviver nesse cenário selvagem.

O filme é uma adaptação feita por Inarritu e Mark L. Smith do livro escrito por Michael Punke, em 2002, que conta, com toques de ficção, as aventuras de Hugh Glass, um personagem real que trabalhava em 1823-24 para a “Mountain Fur Company”, guiando caçadores de peles de castor num terreno hostil. Com ele está o filho adolescente, Hawk (Forrest Goodluck), descendente da tribo dos Pawnee, pelo lado da mãe. Aliás, vamos ver, no decorrer da história, representantes das várias tribos que habitavam a região e viam o homem branco como usurpador.

Hugh Glass sonha muito com essa bela mulher, morta quando a tribo dela foi atacada. As cenas dessas lembranças sonhadas são belíssimas. O filho Hawk é fictício e empresta um toque amoroso ao caráter de Glass, dando uma direção emotiva à sua luta pela sobrevivência.

Há cenas de arrepiar mas a mais horripilante vem logo no início de “O Regresso” e ficará na história do cinema. Uma mãe ursa e seus dois filhotes são surpreendidos pela presença de Hugh Glass. A fêmea ameaçada ataca com ferocidade. É um “grizzly”, urso conhecido por sua agressividade. Filmada num único “take”, faz o espectador afundar na cadeira, tal a veracidade com que o enorme animal é concebido. O ataque só não é fatal porque Glass consegue atirar e ferir mortalmente o animal. Mas Glass fica muito machucado. As garras e os dentes do animal, ferido e pesado, fazem um estrago no homem frágil frente a uma força muito superior à dele. Depois da morte da ursa, Glass jaz debaixo do corpanzil e os homens pensam que ele está morto.

Ele está vivo mas não consegue mais falar, nem andar. Seu corpo está retaliado e o pescoço tem cortes profundos. Glass não pode mais ser o guia dos caçadores. É deixado com o filho e dois outros para que possam dar a ele um enterro digno. Todos estavam certos de que ele não resistiria.

Mas esta é a surpresa. Em inglês, “revenant” quer dizer “o que voltou dos mortos” e Glass sobrevive quando todos o acreditavam morto.

Ele vive para uma vingança.

A dificuldade que o diretor mexicano Inarritu e sua equipe tiveram que enfrentar para filmar em locação foram terríveis. Todo dia, duas horas de carro até as montanhas no Canadá (Alberta) e uma temperatura de muitos graus abaixo de zero.

O mago das lentes, Emmanuel Lubeski, além de belas imagens da natureza, acompanha com sua câmara os esforços de Leonardo DiCaprio para lutar contra o frio, sua dificuldade de caminhar e encontrar abrigo, comida e segurança. Há momentos em que está tão perto da ação que fica embaçada pela respiração do ator enquanto em outras é respingada pelo sangue que jorra.

Leonardo DiCaprio mostra ser um ator completo. Emoção, medo, desespero e força de vontade, vemos em seus olhos. Arrastando-se, abrigando-se numa carcaça para se aquecer, lutando contra águas revoltas, tudo que ele faz mostra um empenho de seu corpo e mente para fazer justiça ao homem que ele interpreta com seu imenso talento. Já ganhou o Golden Globe e está na lista dos indicados a melhor ator no Oscar 2016.

“O Regresso – The Revenant” é um filme excepcional que homenageia o cinema verdade, aquele de antigamente, com locações em regiões perdidas e uma luta não só do ator mas de toda a equipe para fazer aquele filme e levar o espectador muito longe e, assim fazendo, nos confrontar com nossa fragilidade mas também com a insuspeitada força que nos garante a sobrevivência quando tudo está contra nós.

O filme ganhou o Golden Globe de melhor diretor e melhor filme e tem 12 indicações para o Oscar 2016.

Bravo Inarritu!