Macbeth – Ambição e Guerra

“Macbeth – Ambição e Guerra”- “Macbeth”, Reino Unido, França, Estados Unidos, 2015

Direção: Justin Kurzel

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Uma história como a de “Macbeth”, tão conhecida, encenada e filmada por gênios, parecia não guardar nada de novo. E, no entanto, quanta coisa interessante a natureza humana dos personagens de Shakespeare tem ainda para mostrar, a quem tem olhos para ver e ouvidos para ouvir, nessa versão de Justin Kurzel, que se lê nas entrelinhas, nos sussurros, nos olhares encobertos e dissimulados.

Tudo começa com a morte do filho ainda criança do casal. Os rituais fúnebres e do luto, o pesar, o silêncio em torno ao pequeno cadáver. Fogo consome o corpinho mas não aquece o frio dos corações enlutados.

E a canção macabra das feiticeiras, a velha, a de meia idade com o bebê no colo e a menina:

“- O belo é feio, o feio é belo…”

Tudo ali vai mudar. A inversão do que seria esperado. A surpresa vai acontecer. A perda e a raiva vão superar o bom senso.

Paisagens vastas dão lugar a campos de neblina onde só se veem os vultos dos homens. Rostos pintados de negro, preparam-se para a batalha. Quando soa a hora, correm para o corpo a corpo com o inimigo. Enfrentam-se com ferocidade. O sangue jorra junto à lama.

E o guerreiro Macbeth vê as feiticeiras:

“- Serás rei…”

Elas estão fora ou são projeções de sua mente, já tomada pela loucura? O que dizem são profecias ou desejos loucos?

Vencida a batalha, o rei recebe seus nobres e dignifica Macbeth.

Pobre rei que não sabe o que o espera. Pobre reino da Escócia que irá presenciar tantos horrores. Pobre Macbeth que, quanto mais consegue o poder, mais perde a sanidade, a possibilidade de viver bem com sua Lady que, também infeliz, porque guiada por seus próprios demônios interiores, vai visitar o inferno.

Marion Cotillard, com sua coroa de pérolas, vestido de linho e pérolas em cascata sobre o peito, é a imagem da desolação, quando percebe que o rei seu marido, um Michael Fassbender ferido na alma, não está mais lá. Habita outro reino já. A loucura tomou conta dele. Nada restou.

Há quem diga que esse “Macbeth” do australiano Justin Kurzel está muito longe do original. Querem ver mãos sendo lavadas de um sangue imaginário, querem ouvir gritos ensandecidos.

Sem dúvida, o conceito estético do Macbeth apresentado aqui é original e sofisticado. A beleza terrível dos campos, águas e montanhas tingidos de sangue talvez sejam outra tradução do som e fúria. Os puristas podem não gostar. Eu, que sou fã das imagens que dizem mais que mil discursos, fiquei fascinada.

Labirinto de Mentiras

“Labirinto de Mentiras”- “Im Labyrinth des Schweigens”, Alemanha, 2015

Direção: Giulio Ricciarelli

Nosso personagem herdou do pai o lema “Veritas” e tornou-o seu. Lutou contra forças extraordinárias, tudo em nome de descobrir uma verdade que quase todos queriam esconder.

O jovem promotor Johann Radmann (o único personagem fictício do filme, um composto de três promotores que lideraram a história que vai ser contada), começa sua carreira em Frankfurt em 1958, em plena reconstrução da Alemanha, que, dividida em duas, quer se esquecer da guerra da qual saiu derrotada e olhar para o futuro.

Ele está no início de sua carreira, e tem que se ocupar com pequenas questões burocráticas, como infrações de trânsito, mas sonha com grandes causas.

Quase sem querer, depara-se com Auschwitz:

“- A maior catástrofe da humanidade, esquecida e silenciada!”

No corredor da promotoria, grita um jornalista, indignado pelo fato de um professor ter sido reconhecido como um dos nazistas que trabalharam no campo de concentração.

Todos os que escutam seus protestos violentos ficam constrangidos mas desinteressados. Só Johann Radmann se sensibiliza pelo caso.

Na verdade, o jovem promotor vai se deparar com um muro de silêncio em torno ao assunto dos nazistas e os crimes cometidos durante a Segunda Guerra. Todos haviam prescrito, menos o de homicídio. Mas como conseguir provas?

Os próprios americanos não estavam nem de longe preocupados com isso. E tentavam tirar a ideia da cabeça do promotor:

“- Mas já houve o Julgamento de Nuremberg…”, diziam para ele.

“- Foi um julgamento conduzido pelos Aliados. Eu quero que a justiça alemã condene os criminosos que trabalharam em Auschwitz”, repete Radmann, incansável.

E tinham sido 8.000 alemães, todos suspeitos de executar ou mandar executar centenas de milhares de judeus no campo na Polonia.

Radmann tem o apoio do Procurador-geral Fritz Bauer, judeu, que o encarrega do caso. Esse personagem-chave é interpretado com talento por Gert Voss, que morreu antes da estreia do filme, a quem ele é dedicado.

Vemos o promotor enfrentar a tudo e a todos, na esperança até de capturar, em Buenos Aires e trazer para ser julgado na Alemanha, o próprio Josef Mengele, o “Anjo da Morte”, médico que praticara atrocidades em Auschwitz, especialmente com gêmeos que ele levava para seu laboratório de experiências perversas.

Essa história real, contada em “Labirinto de Mentiras”, que mexe com a consciência de culpa e o uso coletivo de um mecanismo de negação da realidade vivido por uma nação, foi o filme escolhido para representar a Alemanha no Oscar 2016.

Primeiro longa do italiano Giulio Ricciarelli, o filme busca a sobriedade e foge do sensacionalismo. Num acerto, os depoimentos das vítimas de Auschwitz, em 1963, não são ouvidos mas uma música de timbre judaico, com violinos tristes, nos sensibiliza para o que adivinhamos que está sendo dito.

“- Senhores, hoje estamos fazendo História”, diz o Procurador-geral ao promotor Radmann e a todos que o cercam, pouco antes de entrarem no tribunal.

O Julgamento de Frankfurt marcou uma virada na justiça alemã, que julgou e condenou os criminosos nazistas culpados de homicídios em Auschwitz.

Um filme que, sem ser uma mega produção, chama a atenção para algo importante que não pode ser esquecido pela humanidade: cuidado, porque o homem é o lobo do homem.

Nunca deve ser esquecido que todos somos iguais e temos os mesmos direitos à vida. Isso é sagrado.