Pegando Fogo

“Pegando Fogo”- “Burnt”, Estados Unidos, 2015

Direção: John Wells

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Ele tinha sido um ótimo “chef” de cozinha. É o próprio Adam Jones (Bradley Cooper) quem conta isso para o público, em “off”:

“- Jean Luc foi o meu mentor. O cara que me ensinou tudo. Como um jovem “chef”, eu tentei… Eu era bom. Certas noites eu fui tão bom quanto eu mesmo achava que eu era… Pelo menos é o que dizem. Daí, destruí tudo.”

Ele tinha conseguido duas estrelas no Michelin, em Paris. Mas seu passado conturbado, que se adivinha aqui e ali, o levava a um comportamento auto-destrutivo. Drogas, envolvimento com traficantes e álcool.

A penitência foi abrir um milhão de ostras.

Ele vai para Londres e tem a intenção de tentar outra vez. Diz que não se lembra do que aprontou durante os surtos com as drogas. Parece que tem muita coisa que precisa ser esquecida ou perdoada. E muito dinheiro que ele deve para o pessoal das drogas.

Remonta sua equipe de Paris (Omar Sy). Até na cadeia vai buscar um deles (Riccardo Scamarcio). E convida Hélène, uma sub-chefe de um restaurante chic para trabalhar com ele.

Para um outro, ele pergunta:

“- Quanto você me pagaria para trabalhar comigo?”

Ele é assim. Arrogante, malcriado mas tem um charme irresistível, olhos muito claros e sabe cozinhar com criatividade.

Quando marca um encontro com Hélène no BurgerKing, ela estranha e ele diz:

“- Esqueceu de quem ganha salário mínimo? A comida aqui é para a classe trabalhadora. São camponeses fazendo comida para camponeses”, aponta irônico e mordaz.

Ele marcou um ponto e sabe disso mas ela também é dura na queda e responde:

“- Sr Jones, estou feliz no meu emprego. Boa sorte.”

Esses dois são teimosos mas ela acaba cedendo e ele sonha com a terceira estrela para o restaurante de Jean Luc, que ele está comandando e onde Tony (Daniel Bruhl), o maitre, é apaixonado por ele.

O “chef” é temperamental como uma diva de ópera e joga fora tudo que ele acha que não está à altura. É o jeito dele. Comanda a cozinha aos berros e atira coisas nas pessoas.

Mas filmes com “chefs” e comida, são geralmente agradáveis de se ver. E esse filme é um deles.

O roteiro é previsível mas o ponto forte é a cozinha do restaurante. Impressionante como Cooper lida bem com tudo aquilo. Ele contou numa entrevista que foi aprendiz de cozinheiro aos 18 anos:

“- Eu me sinto muito confortável numa cozinha, o que foi uma grande coisa. Acho que ajudou porque não tínhamos dublês para cozinhar. Fazíamos tudo.”

A cor dos ingredientes, a montagem dos pratos, o ritmo de preparo de tudo com cuidado, carinho, arte. É fascinante. E a fotografia do brasileiro Adriano Goldman foi fundamental nessa parte.

Depois de “O Lado Bom da Vida”, “Trapaça” e “Sniper Americano” será que Bradley Cooper pode conseguir outra indicação para o Oscar com esse filme?

 

O Clã

“O Clã”- “El Clan”, Argentina, Espanha, 2015

Direção: Pablo Trapero

Aquele dono de uma rotisseria em Buenos Aires, que varre a calçada todas as manhãs, parece um cidadão pacato, pai de família, cumpridor de seus deveres.

Interpretado com eficiência assustadora por Guillermo Francella, Arquimedes Puccio passa desapercebido na vizinhança.

Dos cinco filhos, dois garotos e duas mocinhas moram com o pai e a mãe Epifania (Lili Popovich) e o filho mais velho vive na Nova Zelândia. O pai orgulha-se de Alejandro (Peter Lanzani), jogador de rúgbi na seleção nacional da Argentina.

Quem não sabe do que se trata o filme, fica confuso porque não entende as rápidas cenas iniciais de pessoas entrando com violência na casa da família Puccio em 1985, no final de tudo.

Voltamos no tempo para 1982 e, durante a comemoração da vitória dos Pumas, time de rúgbi argentino, Ricardo Manoukian é apresentado a Alejandro Puccio. Todos ali parecem pessoas de classe média alta, vestem-se bem e brindam à vitória.

O susto portanto é enorme, quando vemos o pai de Alex, cúmplices e o próprio Alex, sequestrarem Ricardo Manoukian, arrastando-o para o porta-malas do carro.

E o mais terrível. O rapaz está encapuzado e amarrado com correntes no banheiro do piso superior da casa, gritando por socorro, quando Arquimedes leva um prato de comida para ele, preparado pela mulher.

Casa modesta, paredes finas, impossível que os outros não escutassem o que se passava de horror, colado à vida que levavam.

Arquimedes, que fizera parte do serviço secreto da ditadura militar argentina (1976-1983), não queria abrir mão dos serviços que prestara aos militares, sequestrando e eliminando os inimigos do regime. Continuava frequentando reuniões, achava que a democracia do governo Alfonsín não iria durar e mudara o foco. Passou a sequestrar pessoas ricas.

Frieza e eficiência, aliadas à certeza da impunidade, já que era protegido dos militares, faziam com que Puccio não hesitasse em torturar suas vítimas, para obter cartas que emocionavam as famílias e incentivavam o pagamento do resgate.

Com pavor, assistimos à execução sumária dos reféns, antes mesmo de Puccio entrar na posse do dinheiro extorquido.

Quanto ao filho Alex, vemos ele dobrar-se à uma obediência cega ao pai, que exercia domínio completo sobre a família. Claro que também entra no cenário do filho, a ganância pelos dólares que o pai fornecia como recompensa.

O que mais choca é a contaminação que um regime de exceção exerce sobre os participantes e, muito pior, sobre todos os que se prestam à corrupção. A psicopatia dos Puccio é um fato. A situação de impunidade, o incentivo a exercê-la plenamente.

A trilha sonora de música pop dos anos 80 é o toque de ironia final do diretor Pablo Trapero (“Abutres”2010, “Elefante Branco”2012)

Produzido pelos irmãos Agustín e Pedro Almodóvar, “O Clã” fez a segunda maior bilheteria do cinema argentino com quase 2 milhões de espectadores. Trapero ganhou o prêmio de melhor direção no festival de Veneza, o Leão de Prata e seu filme foi pré-indicado ao Oscar pela Argentina.

É com espanto que ficamos sabendo dessa história verídica dos Puccio e de outra mais recente. Porque em 1991, o atual presidente da Argentina, filho de uma das famílias mais ricas do país, Macri, foi sequestrado pela “gangue dos policiais” e ficou 12 dias no cativeiro, libertado após um resgate de U$6 milhões. Assustador.