O Presente

“O Presente”- “The Gift”, Austrália, Estados Unidos, 2015

Direção: Direção: Joel Edgerton

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Sentimentos rancorosos há tempo enterrados, quando emergem, podem causar estragos inimagináveis, porque cresceram na sombra, esquecidos, sem a supervisão do bom senso.

Simon (Jason Bateman) está feliz com a mudança de Chicago para a sua Califórnia natal. A proposta do novo emprego é irrecusável e ele vai tentar fazer uma carreira fulminante. Ele é ambicioso e egoísta mas acha que é assim mesmo que se tem que ser, para enfrentar o mercado dos muito jovens concorrentes.

Já sua mulher Robyn (Rebecca Hall) não esconde um ar tristinho. Ela é paciente e tolerante. Mas a recente perda do bebê mexeu profundamente com ela e, além disso, teve que fechar sua promissora empresa de design, para acompanhar o marido na nova vida.

Ela tenta se adaptar sem reclamar e Simon acha que ela está feliz. O cão Bojangles, que ganhou de seu pai, é o companheiro de Robyn, que fica sozinha durante o dia na nova casa, toda cercada de janelas de vidro, enquanto Simon vai para o escritório.

Numa loja para uma compra rápida, Simon é abordado por um rapaz que parece conhecê-lo.O contrário não é verdade, mas o outro diz que estudou com ele e, de repente, Simon lembra-se do apelido, Gordo.

O ex-colega é alto, usa um cavanhaque e há algo estranho nele. Ou seria timidez?

Robyn é rapidamente apresentada e pega seu telefone, enquanto Simon dá ao vendedor o endereço para a entrega das compras.

Qual não é a surpresa do casal quando encontra uma garrafa de vinho na frente da porta da casa, com um bilhete num envelope vermelho, de Gordon Mosley. Robyn fala em agradecer mas Simon não parece entusiasmado com a gentileza.

E Gordo aparece de surpresa no dia seguinte, quando Simon não está, levando uma lista de endereços úteis para Robyn. Convidado a visitar a casa, conversando, acaba descobrindo sobre o bebê que Robyn perdeu.

E Gordon vai ficando e acaba sendo convidado para jantar, durante o qual insiste em contar histórias sobre os tempos da escola:

“- Robyn, sabia que Simon era presidente da classe? Sempre foi muito convincente. Tinha até aquela famosa frase “Simon says”, (“Simon disse”), lembra?”

Gordon já estava um pouco “alto” e Simon diz, discretamente, para Robyn não servir mais vinho.

Quando ele vai, Simon desabafa a irritação:

“- Esse sujeito vai ser sempre desagradável. Sabe como o chamavam? “Weirdo”(Esquisito). Crianças são sinceras. Ele me deixou bem desconfortável com aquelas histórias…”

“- Crianças são cruéis… Vai ver ele era apenas um incompreendido”, retruca Robyn.

E serão muitas as surpresas que o Gordo reserva para o casal até o fim do filme.

Em seu primeiro longa, Joel Edgerton dirige, escreve o roteiro, muito bom por sinal e faz o ex-colega estranho. Consegue criar um suspense psicológico, sem sustos baratos.

Estreia promissora do australiano, como diretor e roteirista. Bom ator, já sabíamos que ele era. Atua com talento ao lado de Johnny Depp em “Aliança do Crime”.

“O Presente” é um filme pequeno mas bem envolvente.

À Beira Mar

“À Beira Mar”- “By the Sea”, Estados Unidos, 2015

Direção: Angelina Jolie Pitt

O Citroen conversível vai pelas estradinhas e leva um casal glamouroso. A ilha de Malta, com seu mar azul e falésias altas de pedra clara, parece um destino romântico para aquela dupla bonita e bem vestida.

São os anos 70 e ela usa um chapéu com estampa de onça e enormes cílios postiços. Chegam numa prainha branca, com uma baía quase que se fechando em círculo.

Passam pelo bar do local e o dono, Michel (Niels Arestrup), os leva a uma antiga mansão sobre os rochedos, o hotel.

“- Eu sou Roland (Brad Pitt) e essa é minha mulher Vanessa (Angelina Jolie Pitt)”, apresenta ele ao francês.

O casal entra no quarto com suas malas Vuitton e , imediatamente, mudam a posição dos móveis. A escrivaninha vai para a frente da porta-janela que abre para um terraço. De uma valise de couro sai uma máquina de escrever vermelha.

Roland senta-se à escrivaninha, enquanto Vanessa o observa, deitada na cama, fingindo ler uma revista.

Nenhuma palavra. O clima entre os dois parece tenso.

Dia seguinte, ela de camisola e robe de seda e rendas negras, parece pior do que no dia anterior.

“- Vá escrever, eu fico bem”.

Roland manda um beijo falado, pega o chapéu e sai.

Para quem ela telefona? O número toca, toca mas ninguém atende.

Roland passa seus dias mais bebendo do que escrevendo no bar, quase sempre sozinho. Às vezes o dono do bar lhe faz companhia.

Todas as noites ele volta tarde para o quarto e ela já está dormindo.

Muitas vezes vemos Vanessa chorando, expressando uma angústia difícil de suportar. Toma muitas pílulas. Quase não sai do quarto. Vai raramente ao terraço de onde observa um barqueiro.

Ficamos intrigados. O que será que aconteceu com ela? O marido parece preocupado. Nas poucas vezes em que ela se aproxima do mar, tememos por ela. Não parece apegada à vida.

Chega um casal de recém-casados no hotel (Mélanie Laurent e Melvil Poupard), felizes e apaixonados. Isso vai mexer profundamente com Vanessa.

Os acontecimentos se precipitam quando ela encontra, por acaso, um buraco na parede que dá para o quarto do casal. E começa a observá-los. Torna-se uma obsessão.

Angelina Jolie Pitt dirige o filme e escreve o roteiro. Ela já havia dirigido “Na Terra de Amor e Ódio”2011 e “Invencível”2014. Mas “À Beira Mar” é um filme muito diferente dos anteriores. Passa para o espectador a estranha sensação de estar observando algo tão íntimo, que sentimos desconforto mas também curiosidade. Somos colocados na posição de “voyeurs”.

Jolie Pitt disse em Cannes que seu filme era sobre o luto e que ela estava sob o impacto da morte de sua mãe. Sabemos como um luto pode mexer com nossa mente. Principalmente quando há sentimentos conflituosos em jogo. Entendemos então porque sua personagem Vanessa está tão triste e na verdade não está só. Há uma presença materna naquele quarto que faz pensar na brevidade da vida de todos nós. O casal feliz chama para a vida, o espectro materno para a morte.

O filme é belo, bem fotografado por Christian Berger, colaborador de Michael Haneke. As paisagens e a vista do mar são um refúgio que conforta quando a dor é demasiada.

Imagens falam mais alto do que qualquer discurso. E o tempo passa para todos nós, com as alegrias e as tristezas vividas. Só o mar continuará impecavelmente azul na ilha de Malta, quando todo mundo já não estiver mais aqui. C’est la vie…