Viver é fácil com os olhos fechados

“Viver é Fácil com os Olhos Fechados”- “Vivir És Fácil con los Ojos Cerrados”, Espanha, 2013

Direção: David Trueba

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Os anos 60 foram extraordinários. Toda uma geração cantou, dançou e amou ao som dos Beatles. Os quatro rapazes de Liverpool eram revolucionários, não só na nova estética que propunham mas principalmente no sentido de não aceitar as regras da sociedade de seus pais e pedir mais liberdade para os jovens.

Na Espanha, a ditadura do General Francisco Franco (1892-1975), que durou de 1936 até sua morte em 1975, conservadora, reacionária e brutal, espalhava um clima de terror entre  povo. A juventude espanhola estava com medo do futuro.

Pois foi em 1966 que John Lennon foi fazer um filme na Espanha, na cidade de Almeria. Os Beatles já haviam se apresentado em shows no país, mas dessa vez John  Lennon veio só, para filmar com Richard Lester “Oh! Que Delícia de Guerra”, uma comédia pacifista.

Foi então que um professor de inglês e latim de uma pequena escola pública, numa cidadezinha do interior, que usava as letras das músicas dos Beatles em suas aulas, sonhou algo impensável. Ele iria até Almeria para tentar se encontrar com John Lennon e convencê-lo a colocar a letra das músicas em seus discos. Ele achava que conhecer a mensagem desses rapazes seria muito importante, não só para os seus alunos mas  para todos os fãs dos Beatles.

A história é verdadeira e foi de onde partiu David Trueba para escrever e realizar seu filme “Viver é fácil com os olhos fechados”, que vem a ser a frase inicial de uma canção de John Lennon, “Strawberry Fields”, que ele realmente compôs durante a filmagem em Almeria, local de campos de morangos.

E lá se vai Antonio (o talentoso Javier Cámara, o enfermeiro de “Fale com Ela” de Almodóvar), gordinho, calvo, solteiro, trinta e tantos anos e ardoroso fã dos Beatles, em seu carrinho velho, ao encontro de seu sonho. O personagem, inspirado no professor que existiu, tem uma personalidade alegre, cativante, mas seu bom humor mescla-se com um quê de melancolia, num homem solitário.

E, no seu caminho, vai abrigar e dar carona à jovem e bela Belén (Natalia de Molina), que fugiu de uma casa onde abrigam mães solteiras que pensam em dar para adoção seus bebês e o adolescente Juanjo (Francesc Colomer) de 16 anos que também fugiu de casa porque seu pai, um policial autoritário, não quer vê-lo de cabelo comprido.

Os três desenvolvem uma sintonia perfeita ao longo do caminho e fazem nascer em nós uma torcida por eles, principalmente por Antonio, para que realize seu sonho quase impossível.

Uma Espanha pobre mas bela e solidária, choca-se com os representantes rudes dos camponeses de Almeria, que implicam com os cabelos de Juanjo. Claro que eles representam a Espanha que apoia Franco no poder. Ainda haveria anos negros naquele país. Mas o grito já fora lançado. Inevitavelmente, a Espanha mudaria seu percurso.

O filme com roteiro e direção de David Trueba (irmão menor de Francisco Trueba, 60 anos, ganhador do Oscar de melhor filme estrangeiro por “Belle Époque – Sedução”de 1993), ganhou 6 Goyas, o Oscar espanhol, inclusive o de melhor filme, diretor e ator para Cámara.

Um filme agradável, bem feito, no formato tradicional dos filmes dos anos 60 mas anunciando a semente do que viria. 

Muito bom.

A Travessia

“A Travessia” - “The Walk”, Estados Unidos, 2015

Direção: Robert Zemeckis

Todos sabemos como foi. Saiu em todos os jornais do mundo a notícia de que, um francês, atravessara o espaço entre as Torres do World Trade Center, em Nova York, a 400 m do solo, num cabo de aço, sem nenhuma proteção.

E, no entanto, como é atraente ver no cinema, em IMAX e 3D, essa história sobre Philippe Petit que, em 7 de agosto de 1974, com 25 anos, realizou um sonho que todos julgavam se não impossível, para lá de temerário.

Segui-lo na construção da estratégia de execução do plano, pela câmera de Robert Zemeckis (“Forrest Gump”, “Back to the Future”), 64 anos, coloca-nos na “cena do crime”. A travessia era ilegal e tudo foi feito em segredo, por Petit (Joseph Gordon- Levitt) e seus cúmplices, que queriam ver e participar dessa aventura maluca.

Mas, na primeira parte do filme, alguns anos antes do feito, Petit era um artista de rua, malabarista, equilibrista e ganhava aplausos e vinténs.

Ninguém diria que um dia ele viraria um nome internacional.

Visionário? Onipotente? Louco? Foi preciso um pouco de tudo isso e mais um persistência e paciência raras.

Ele soube da construção das Torres em Nova York e encantou-se com a ideia de passear nesse espaço ainda não existente e para isso dedicou todos os minutos de sua vida, daí em diante.

Foi atrás do melhor professor, daquele que saberia instrui-lo não só na arte da “corda-bamba”, mas em como fazê-la segura e firme, lá no alto entre as Torres. Ben Kingsley, de chapéu e piteira, compõe com talento a personalidade do amedrontador Papa Rudy, um homem famoso do circo, que, contra tudo que acreditava, também se apaixonou pela aventura que Petit inventou.

E o aventureiro foi angariando simpatias de pessoas que ele precisa que o ajudem a concretizar o plano. Assim, Annie (Charlotte Le Bon) vai aumentar a auto-estima do namorado, o fotógrafo Jean-Louis (Clément Sibony) acredita no sucesso da maluquice e ainda traz para o grupo o professor de matemática, apavorado com alturas, Jean-François (César Domboy). Todos seguem com Petit para Nova York, meses antes do término de construção das Torres.

E é então que o filme de Zemeckis captura nossa total adesão. Ficamos hipnotizados. Torcemos por algo que já sabemos que deu certo. Mas é como se estivéssemos no ar com Petit. Cada passo no cabo, prende nossa respiração. Tal é a veracidade capturada pelos efeitos especiais, usados com inteligência e arte, que fazemos a travessia, que nunca foi filmada.

“A Travessia” captura um momento mágico. Mas também contraditório. Porque as Torres brilham ao sol e todos na plateia pensam no depois, quando o show foi de horror.

Mas, certamente, a façanha de Petit, recriada por Zemeckis, devolve o brilho às Torres que já não existem mais.

Porque assim é a vida. Momentos de êxtase e de pavor, coexistindo no mesmo espaço em tempos diferentes.