Na Próxima, Acerto no Coração

“Na Próxima, Acerto no Coração”- “La Prochaine je viserai le coeur”, França, 2014

Direção: Cédric Anger

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Vamos conhecer um dos casos criminais mais estranhos já acontecidos na França, avisa um letreiro antes do filme começar. Estamos em Oise, região próxima de Paris, no inverno de 1978.

Um homem, do qual não vemos a cabeça, fecha o zíper de uma jaqueta azul. Ouvimos uma música soturna com primazia para os violoncelos.

Na rua deserta, duas garotas em mobiletes. Uma se adianta. Ele escolhe a retardatária e a segue com o carro, muito perto. Ela olha para trás apreensiva e ele a empurra para a calçada com uma manobra do carro. Ela cai. Os violinos soam lancinantes.

“- Você é louco?”grita ela e volta para a mobilete.

Ele dá meia volta e, quando chega bem perto, atropela a garota de propósito. O sangue escorre pelo para-brisas. Aponta a arma para a mocinha caída e vai atirar, quando um carro aparece e ele foge.

Larga o carro roubado mais adiante mas, antes, trabalha com fios e há algo escondido dentro, sob uma manta.

Na manhã seguinte, bem cedo, um homem emerge de uma tenda montada sobre a cama de campanha e veste-se com um uniforme. É um membro da Guarda Nacional, encarregado de proteger a população.

Com os colegas numa viatura, procuram o carro usado pelo atirador que assusta a região.  O atropelamento daquela garota da mobilete não é o primeiro crime dele.

Quando encontram o carro suspeito, um deles força a porta e uma bomba incendiária explode.

Ficamos atônitos. O guarda é o assassino que procuram. E que, por ironia, investiga os crimes que ele mesmo cometeu. E mais, é respeitado pelo chefe, que confia em Franck Neuhart, que está acima de qualquer suspeita. Mas é um monstro.

Em sua intimidade, práticas bizarras: flagelação com um ramo de árvore, banhos gelados de banheira, tortura o próprio braço com um arame farpado e com o irmão menor faz treinos de tiro no bosque vizinho à casa dos pais. Correm com pedras nas botas. O garoto parece estranhar tudo isso mas seu irmão não admite contestação:

“- Por que as pedras?”pergunta ao irmão.

“- Por causa da culpa. Sempre temos culpas para pagar.”

Arrogante, confessa seus crimes em cartas anônimas, que ouve o chefe ler em voz alta:

“Sou um matador, preciso matar. Garotas de 19 anos vagando provocantes por aí à noite, são as minhas preferidas…Na próxima vez, acerto no coração e não nas pernas.”

Impassível, vai interrogar no hospital a garota da mobilete, que escapou com vida mas que não consegue falar, de tão machucada. Não passa pela cabeça de ninguém que a vítima e o carrasco estão frente a frente.

É admirável a interpretação de Guillaume Canet, 42 anos, nesse filme sóbrio, dirigido e roteirizado por Cédric Anger, baseado em fatos reais e num livro de Yvan Stefanovitch. Frio, sem sinal de medo num rosto sem rugas, Canet incorpora o espírito do “serial killer”. Ele mesmo não sabe por que mata as garotas mas tem ideias grandiosas e delirantes sobre estar castigando a humanidade hipócrita e cruel: “Vou matar à esmo até ser morto também”, pensa ele na floresta, dormindo debaixo de um céu estrelado.

Sophie (Ana Girardot), a bela garota que trabalha na casa dele, não o conhece, é apaixonada por ele e pensa que ele é gentil.

Mas sexo para Franck é uma coisa perigosa. Quando  se excita, tem que matar. A sexualidade dele está emaranhada com agressividade, culpa e castigo, de tal forma, que ele sufoca com a excitação e precisa agir. Depois vomita mas não se livra nunca daquilo que nasceu com ele.

Este é um filme que sonda mistérios insolúveis da mente humana.

Impressionante.

 

A Dama Dourada

“A Dama Dourada”- Woman in Gold”, Estados Unidos, Inglaterra, 2015

Direção: Simon Curtis

Ela era a Mona Lisa da Áustria.

Pintado em 1907 por Gustav Klimt (1862-1918), o retrato de uma dama da sociedade vienense, Adele Bloch-Bauer, fascinou os que o viram antes e depois que foi roubado da parede dos Bloch-Bauer em 1941, quando os nazistas que tomaram Viena saquearam as riquezas das famílias judias, antes de mandá-las para campos de concentração, onde a maioria morreu.

A Viena dos fins do século XIX e começo do XX era a cidade de Adele, que viveu uma época de esplendor e cultura. Nos salões da rica elite burguesa, entre os quais os Bloch-Bauer, desfilavam intelectuais e artistas festejados.

Adele (Antje Trauer, belíssima), mulher de Ferdinand Bloch-Bauer, era uma beldade de olhos negros, que aparecem com uma expressão grave em seu retrato, cercada de ouro, motivos egípcios, vestida como uma princesa e ostentando um maravilhoso colar de brilhantes, salpicado de rubis, esmeraldas e safiras.

Ela morreu ainda jovem em 1925, com 43 anos e expressou em seu testamento o desejo de que seu tão admirado retrato fosse exposto ao público, no Belvedere Museum, após a morte do marido.

Adele não presenciou a tragédia que se abateria sobre sua família, anos depois de sua morte. Foi poupada da perseguição, humilhação e espoliação que sofreu toda a comunidade judia quando a Áustria foi anexada em 1938 pela Alemanha de Hitler.

Maria, sobrinha de Adele, interpretada com emoção por Tatiana Maslany, consegue, com sorte, fugir de Viena e exilar-se na América, para onde já tinham ido seu tio e sua irmã.

E leva uma vida pacata em Los Angeles, até que em 1998, com a morte da irmã, algo muito forte vem à tona e começa a grande aventura do quadro admirado em Viena como “A Dama Dourada”, sem sobrenome que identifique suas origens.

Em uma história, que o filme conta de uma forma  envolvente, um jovem advogado americano (Ryan Reynolds), neto do compositor judeu Arnold Schoenberg e o jornalista austríaco Hubertus Czermin (Daniel Bruhl), vão ajudar Maria Altmann (Helen Mirren, sempre admirável), numa disputa judicial entre ela, sobrinha de Adele e a Áustria, que não queria ceder o quadro, tesouro nacional.

Vamos assistir à saga pela qual passou um dos quadros mais famosos e valiosos do mundo, das paredes do Belvedere Museum para a Neue Gallery em Nova York, onde está exposto, depois de ser comprado por 135 milhões.

Além de contar com talento essa história verdadeira, o filme do diretor britânico Simon Curtis (“Sete Dias com Marilyn”) levanta questões sobre a restituição de obras de arte roubadas de famílias judias pelos alemães durante a Segunda Guerra.

O roteiro do filme, de Alexei Kaye Campbell, baseou-se no documentário de 2006, “The Rape of Europe”, mas quem leu o livro de Anne-Marie O’Connor, “A Dama Dourada”, publicado no Brasil pela José Olympio, vai sentir falta da história de Adele Bloch-Bauer e Gustav Klimt.

Recomendo o filme e o livro.