Sangue Azul

“Sangue Azul”, Brasil, 2014

Direção: Lírio Ferreira

Oferecimento Arezzo

 

Em preto e branco, o barco Solaris leva a trupe do Circo Netuno para a ilha distante. Enquanto a lona é erguida na praia, o vento bate forte e o mar bravio sufoca os ruídos com o clamor de suas ondas. É o prólogo.

Em capítulos, e com cores, é contada a história do “Homem Bala”, que saiu da ilha menino ainda, levado por Caleb, o dono do circo. Ele volta depois de 20 anos, com outro nome. Não é mais Pedro, é Zolah, vestido de azul, que é atirado todo dia sobre uma rede, depois da explosão do canhão.

Daniel de Oliveira, olhos claros e fala mansa, faz o ilhéu que volta à sua terra natal, reencontra a mãe (Sandra Corveloni) e a meia-irmã Raquel, a mergulhadora loura e doce (Carolina Abras), com quem divide memórias da infância.

Com um cenário belíssimo, já que a ilha de Fernando de Noronha tem praias de areia, mar azul transparente e rochedos que se erguem do mar e da terra, o filme ganha em mostrar quadros com inspiração, na fotografia de Mauro Pinheiro Jr, premiada no Festival de Paulínia.

A cena do mergulho é de uma beleza espantosa e nos leva junto para a quietude do fundo do mar.

O elenco tem atores de primeira linha como Paulo Cesar Pereio, o Caleb, Matheus Nachtergale, o atirador de facas Guetan, Milhem Cortaz, o homem forte homossexual e Teorema, a sensual dançarina cubana (Laura Ramos).

Aos poucos, a presença dos personagens do circo atrai os ilhéus. O apelo sensorial e erótico fica mais forte.

Um triângulo amoroso se forma com Pedro/Zolah, Raquel e seu noivo Cangulo. As paixões explodem e o incesto tão temido pela mãe do “Homem Bala”, emerge do fundo do passado.

A ilha vulcânica parece estimular a libido e os corpos se aproximam e se enroscam, desafiando as leis dos homens e honrando a natureza exuberante e bravia do local. Mas a angústia também se faz presente e assusta com sua força.

No epílogo, Ruy Guerra, na pele de um velho pescador misterioso, conta às crianças o mito da “Lenda do Pecado”, fundadora da arquitetura dos rochedos da ilha: Dois Irmãos e Morro do Pico. Os gigantes que ali habitavam, tanto se amavam e transavam o tempo todo, com erotismo e força, que atraíram a inveja dos deuses e foram transformados em pedra.

“Sangue Azul”, com uma narrativa pouco estruturada, fascina pelos cenários naturais, pela magia do circo e das paixões.

Um cinema original.

Enquanto Somos Jovens

“Enquanto Somos Jovens”- “While We’re young”, Estados Unidos, 2014

Direção: Noah Baumbach

Assim como existe a inveja entre pessoas da mesma idade, existe o mesmo sentimento entre as gerações. Pensar sobre esse tema é a proposta dessa quase comédia, que às vezes soa como quase tragédia.

Josh (Ben Stiller) e Cornelia (Naomi Watts) são um casal quarentão que optou por não ter filhos, depois de algumas tentativas frustradas. Ele é documentarista, ela produtora dos documentários do pai, uma lenda nesse campo.

Quando o filme começa, os amigos do casal acabam de ter um bebê e estão empolgados com a novidade. Aliás, falar sobre filhos é o único assunto que interessa às amigas de Cornelia.

“- Vocês deveriam tentar!”

Quando voltam para casa, alguma dúvida paira no ar porque não conseguem justificar o porque de não querer ter filhos. A natureza claramente não ajudou Cornelia mas o “gostamos da vida assim”, “temos liberdade para fazer o que queremos”, “viajamos quando tivermos vontade”, soam pouco convincentes. Mesmo porque o casal acomodado não usa a tão prezada liberdade. Não saem de casa, não viajam faz tempo e o trabalho não é empolgante.

O primeiro filme de Josh fez algum sucesso mas ele trabalha há uma década no segundo, que não consegue acabar, apesar das centenas de horas de filmagem. Além disso, não consegue patrocínio e suas aulas na universidade sobre documentários são medíocres.

Arrogância em não querer ajuda do sogro (Charles Grodin), também impede a carreira de Josh. Mas ele tem pouca auto-crítica, é egoísta e está mais inseguro do que nunca.

É nesse momento que um casal jovem, de vinte e poucos anos, Jamie (Adam Driver) e Darby (Amanda Seyfried), entram na vida do casal quarentão. Eles ficam encantados com o jeito aparentemente desapegado deles, a despreocupação e principalmente porque Jamie também quer fazer documentários e diz abertamente que gostou do “Power Elite”de Josh. Essa é a senha para Josh querer adotar Jamie como seu protegido.

Cornelia, cujo pai Jamie citou como sua grande inspiração, fica com um pé atrás mas logo segue Josh no encantamento com aqueles dois.

A casa dos jovens é o oposto da casa do casal mais velho:

“- Eles tem tudo aquilo que nós já jogamos fora mas tão bem arrumadinho! Eles tem máquina de escrever, discos de vinyl e fitas VHS”, descreve Cornelia para a amiga do bebê.

O próximo passo é abandonar os velhos amigos para viver experiências excitantes com o novo casal.

Entretanto, quando Jamie consegue fazer o documentário dele e é admirado, Josh fica tomado pelo ciúme e o acusa de falta de ética e de não respeitar a verdade.

A idealização com que cercou a  imagem do jovem casal é substituída por despeito e uma tentativa de desqualificação. Pura inveja.

O certo é que a crise dos 40 pega quase todo mundo. E começamos a nos perguntar se conseguimos chegar onde queríamos. Hora de lidar com desilusões e ver que o tempo passou.

Noah Baumbach, 45 anos, diretor de “Frances Ha” 2012 e “Lula e a Baleia” 2005, avisa: culpar os outros pelo nosso próprio fracasso é algo patético. A única saída é tentar mudar de jeito ou buscar algo ou alguém que nos console.